Opinião. Mário Centeno: os fogos libertam

1.Seria anedótico se não fosse tão trágico e deplorável: Mário Centeno afirmou, em entrevista a um jornal diário, que os incêndios, afinal, até vão ser positivos para o equilíbrio das contas públicas. No fundo, os incêndios não foram a revelação do Diabo, uma tragédia nacional porque morreram mais de cem pessoas e promoveram a destruição…

1.Seria anedótico se não fosse tão trágico e deplorável: Mário Centeno afirmou, em entrevista a um jornal diário, que os incêndios, afinal, até vão ser positivos para o equilíbrio das contas públicas. No fundo, os incêndios não foram a revelação do Diabo, uma tragédia nacional porque morreram mais de cem pessoas e promoveram a destruição de parte substancial da floresta portuguesa – antes, os fogos foram uma graça divina e um alívio para o orçamento de Estado.

2. Sim, porque para este Governo é mais importante manter os equilíbrios políticos que o sustentam – do que as vidas ceifadas pelos fogos que a sua incompetência deixou agravar. Não obstante a conversa da treta de António Costa e os seus amigos da extrema-esquerda hipócrita, para este Governo, os cidadãos não passam de meros números.

Aliás, os números são mais importantes que as pessoas: os incêndios, segundo Centeno, foram acontecimentos nacionais bastante positivos. Após a frieza desumana de António Costa, eis que surge o financeirismo, a obsessão pelo défice mesmo contra a vida dos portugueses de Mário Centeno: os fogos até foram bons porque permitiram ao Governo negociar mais convincentemente com a Comissão Europeia uma folga maior na despesa prevista no Orçamento de Estado para o próximo ano.

3.Não podemos, pois, deixar de depreender um desejo implícito de Mário Centeno quanto à ocorrência de um outro incêndio nas próximas semanas: imaginem só a margem orçamental que o Governo geringonçado conquistaria na sequência de um terceiro incêndio!

Desta forma, com mais um incêndio, Mário Centeno já poderia dar todos os miminhos ao Bloco de Esquerda e ao PCP.

 Quantos funcionários públicos seriam aumentados com mais uma “compreensãozinha “  da Comissão Europeia? Quantos sindicatos seriam “silenciados” com mais uns subsídios? Quantos funcionários públicos seriam contratados, por coincidência, na sua maioria, apoiantes ou simpatizantes do Bloco de Esquerda, especialmente nas áreas da educação e da saúde?

Os mais de cem portugueses mortos são apenas um minúsculo detalhe – para Mário Centeno, o importante é manter António Costa no poder.

4.Ficámos, pois, a saber que, na óptica de Mário Centeno, os incêndios libertam.

Mesmo matando, as chamas incontroladas e incontroláveis (graças à incompetência do Governo que integra) libertam.

 Libertam das amarras “neo-liberais” de Bruxelas.

Libertam dos constrangimentos orçamentais malditos que o próprio Professor Mário Centeno defendera quando ainda não se havia deslumbrado com as benesses e o fascínio que só o poder acarreta.

Libertam dessa direita maldita que inventou essa bruxaria das contas públicas equilibradas.

Libertam desse                noção tão conservadora de “dignidade da pessoa humana” (ui, que botas de elástico!): o que interessa é ter mais dinheiro para os funcionários públicos e para reforçar os sindicatos do PCP.

Os mais de cem portugueses falecidos na sequência dos incêndios foram, para Mário Centeno, uns patriotas: deram a vida para reforçar a geringonça, tendo mais dinheiro para distribuir pelos camaradas.

5.A declaração de Mário Centeno justificaria a demissão imediata do Ministro caso Portugal fosse uma democracia a sério.

 E os jornalistas, sempre tão ciosos da verdade e da moralidade, indignaram-se com Mário Centeno? Qual quê! A frase foi olimpicamente ignorada, sendo apenas uma nota de rodapé ou um pormenor irrelevante na actualidade informativa. Dir-se-á que a comunicação social, no exercício da sua liberdade editorial, considerou que tal declaração não comporta uma relevância informativa que justifique maior destaque – é apenas um fait diver.

 Assim não é: basta aqui lembrar que, perante uma frase de Passos Coelho em 2012, os mesmos jornalistas reclamaram a demissão do Primeiro-Ministro porque alegadamente…tinha convidado os portugueses a emigrar à procura de oportunidades mais vantajosas que o mercado global possa oferecer.

Então, uma frase distorcida que apela à emigração era, com Passos Coelho, um escândalo – já uma frase que diz que os incêndios, que mataram mais de cem portugueses, até foram um acontecimento positivo para as contas públicas não passa de uma banalidade? Brincamos?

Perdemos a noção das coisas – e do ridículo?

Mário Centeno insultou os portugueses; humilhou a memória dos falecidos, por culpa do Estado e do seu Governo, e das respectivas famílias.

6.Felizmente (ou infelizmente, atendendo à necessidade de os portugueses conhecerem a verdadeira fibra do seu Ministro das Finanças), o entrevistador não colocou nenhuma questão a Centeno sobre as mortes nos hospitais (por culpa das suas cativações orçamentais) nem sobre os problemas de funcionamento nas universidades portugueses (culpa também das suas cativações orçamentais).

Caso contrário, Mário Centeno iria dizer que as mortes por culpa do funcionamento anormal dos hospitais até são uma coisa boa, pois haverá menos portugueses reformados (logo, alivia o orçamento da segurança social) e é um desincentivo à utilização dos hospitais pelos portugueses doentes (aguenta a doença em casa, logo permite aliviar os recursos públicos destinados aos cuidados médicos para pagar as reivindicações dos sindicatos do PCP).

Por outro lado, se a educação superior for de má qualidade, haverá menos jovens portugueses a nela ingressar, logo, reduz a despesa pública nas políticas públicas de educação superior e, no longo prazo, sendo mais elevado o número de portugueses com baixas qualificações, pode ser que as reformas sejam menores.

7.Aqui está a doutrina Centeno: os fogos, a doença e a ignorância até podem ser positivos para o equilíbrio das contas públicas. Centeno confirma: não há mais vida para além do défice – e não há mesmo vida(s) contra o défice. Ou melhor: do déficiti…

8.Ainda bem que Portugal não foi afectado por qualquer furacão nos últimos meses – senão, Mário Centeno diria à Protecção Civil para não se preocupar, que deixasse o furacão atacar com eficácia a costa portuguesa.

 Isso seria muito positivo para as contas públicas portuguesas e para negociar com Bruxelas mais uma folgazinha para distribuir pela extrema-esquerda…

joaolemosesteves@gmail.com