«Os seus três contributos mais importantes são a decifração da inscrição na bota de D. Afonso V; a identificação como Infante D. Fernando da figura que antes se pensava ser S. Vicente; e a descodificação da iconografia da cena como uma representação de uma celebração em memória do príncipe defunto, trazendo a data de 1445. Os seus argumentos são tão decisivos quanto possível em qualquer controvérsia comparável sobre a leitura de um documento pintado deste período. Não me deixa dúvidas de que revelou a verdade no que respeita a estes três aspetos problemáticos da pintura».
Excerto de carta de Felipe
Fernández-Armesto, professor de História na Universidade de Notre Dame (Indiana, Estados Unidos da América) ao autor do artigo
As duas fotografias reportam-se à visita dos Reis da Holanda, Willem-Alexander e Máxima, ao Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), a 11 de outubro passado. As imagens registam como foram prestadas informações ao casal real perante a obra mais famosa do museu, o Políptico de Nuno Gonçalves, e como Marcelo Rebelo de Sousa complementou a apresentação feita por Ana Rita Gonçalves, do serviço de educação do MNAA, na presença do diretor António Filipe Pimentel.
O que há de insólito nestas imagens que, afinal, se reportam a uma visita protocolar? O facto de as informações então prestadas terem omitido dados fundamentais sobre a pintura: a assinatura do pintor Nuno Gonçalves e a data de 1445, apostas no botim do adolescente, por detrás da figura vestida de verde em primeiro plano no Painel do Infante. Ora, esta inscrição, que o MNAA persiste em omitir ao público, dá a chave para a compreensão do políptico: o funeral desejado para o corpo insepulto do Infante Santo, que surge aureolado no centro da pintura rodeado dos seus familiares mais próximos, aqueles que Camões designou de Ínclita Geração. Esta interpretação, que é reforçada por dados iconográficos e dendrocronológicos, deve suplantar decisivamente aquela dada pelo MNAA para a pintura: uma homenagem gratulatória a S. Vicente por vitórias alcançadas em Marrocos no início da década de 1470.
As omissões feitas naquela circunstância perante os reis da Holanda são repetidas amiúde perante os milhares de estudantes portugueses que visitam o MNAA em visitas didáticas que assim resultam defraudadas. Elas assumem um cunho de gravidade suplementar pelo facto de se reportarem a um verdadeiro símbolo nacional.
Na sequência do acima exposto, apela-se ao Presidente da República para que atalhe uma situação que se arrasta desde o início da década passada – note-se bem este facto – e que desonra a museologia portuguesa, ao contrariar malignamente a sua deontologia. Confia-se na ação expedita de Marcelo Rebelo de Sousa, que tem tomado decisões exemplares em outros assuntos de solução bem mais difícil. Dois factos devem incentivar a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa: não só ter sido cossignatário do pedido de leitura da inscrição feito ao Arquivo da Torre do Tombo em 2002 e que resultou no reconhecimento do sentido da inscrição agora ocultada mas também ser Presidente Honorário do Conselho de Curadores do MNAA. Ocorre um dado suplementar: como jurista, Marcelo Rebelo de Sousa reconhecerá como poucos o alcance de uma assinatura aposta numa obra pelo seu autor.
Jorge Filipe de Almeida, DPhil pela Universidade de Sussex