Foi uma manhã de boas-vindas na Assembleia da República. As boas-vindas da esquerda a uma direita que apareceu a juntar- -se às reivindicações de um orçamento para a cultura correspondente a 1% do PIB. “Nós também temos esse sentimento”, respondia o ministro Luís Filipe Castro Mendes ao social-democrata Pedro do Ó Ramos, que inaugurava as intervenções citando o comunicado com que a Plataforma Cultura em Luta convocara os protestos da véspera, 1% do PIB para o orçamento da cultura para 2018. “Estimamos ver que o senhor deputado se tenha somado às vozes da esquerda que vêm pedir mais cultura, depois de o vosso governo tanto ter regredido nos orçamentos e na gestão da cultura.”
Boas-vindas que à primeira oportunidade seriam dadas também por Jorge Campos, do Bloco de Esquerda. “Gostaria de congratular o senhor deputado Pedro do Ó Ramos por se ter juntado ao clube, porque, se me permite, isso corresponde a um passo em frente que encaramos com muita simpatia. Mas, sinceramente, porque até pensamos que em conjunto poderemos até chegar a alguns acordos neste domínio da cultura, o que seria muito importante para todos.”
Namoros à parte – expressão de Teresa Leal Coelho, que presidia à assembleia –, o deputado do partido de apoio à maioria parlamentar do governo socialista não deixou de reconhecer que “tem sido feito trabalho”, sim, mas que, “apesar dos progressos que o governo assinala, o orçamento continua a ser insatisfatório para as necessidades”. E citou os dados da Eurostat de 2015 que, no campo da educação, colocam Portugal em sétimo lugar entre os países da UE mas, “na cultura, num dos últimos”.
Os progressos são um aumento de 7,4% nas receitas gerais para a cultura face a 2017, 7,4% que, num setor que se debate com tantas dificuldades, não serão mais do que 8,1 milhões de euros – para o PSD, que lembra que o aumento é inferior ao do orçamento anterior, “uma desilusão” face às promessas feitas. E serão 8,1 milhões apenas mas 8,1 milhões que, nota o ministro, representam o maior aumento percentual entre todos os ministérios neste Orçamento do Estado.
“Vitória de Pirro”, ripostaria da bancada do CDS Vânia Dias da Silva, que “com facilidade” diz que também o seu partido gostaria de se juntar ao clube dos que pedem 1%. “O problema é que, como diz o PCP, [a este ritmo] só daqui a 70 anos chegaremos aos valores de que precisamos. portanto não serve de grande coisa também o clube a que têm aludido tão insistentemente […] Dizer que o ministério foi criado significa apenas e só que o senhor ministro tem lugar na mesa, mas que não é ouvido, invariavelmente.”
E o ministro repetia que não há cortes, que há aumentos “que, realmente, não satisfazem”. E que quando diz que a cultura tem crescido, cresceu de facto “relativamente aos orçamentos do [anterior] governo”. E diria mais adiante: “Um por cento é uma meta, mas não pode constituir para nós um fetiche.” Da bancada comunista, Ana Mesquita lembrava que ao PCP interessa saber da disponibilidade do governo para “começar a definir etapas sérias”: “Não estamos a falar de um unicórnio ou de uma fantasia. Isto não é um fetiche. Estamos a falar das pessoas que estiveram ontem, no Porto e em Lisboa, na rua.”
Pedro Pimpão, do PSD, aproveitaria a deixa para dizer que o que “os deputados do BE e do PCP andam a fazer na rua” é, sim, “um fetiche”, e que Castro Mendes baixou os braços com um orçamento que representa “uma desistência para a cultura”. Só Gabriela Canavilhas poria ordem na enxurrada de adjetivos. “Fetiche significa ícone, mascote. Não tenho qualquer dúvida de que, para vocês, isso é a cultura. Espero que, se um dia voltarem a ser governo, seja um fetiche, porque a memória que fica dos vossos governos é a do orçamento-fantoche.”
Debate feito entre o passado – o ministro a lembrar os “problemas de funcionamento graves” em que encontrou o setor, a direita clamando que dois anos são já “muito tempo” – e o futuro possível com uns 7,4% que, em números absolutos, darão para pouco. A realidade são 118 milhões de receitas gerais para a cultura, mais 8,1 milhões do que em 2017. “Estamos a falar de 8 milhões de euros”, lembrava Teresa Caeiro no debate na especialidade do orçamento da cultura para 2018. “O que é que se pode fazer com 8 milhões de euros, senhor ministro?”
Medidas-bandeira deste orçamento são o aumento do investimento no património, com um aumento de investimento de 25% e a intenção de uma nova política museológica, e nos apoios às artes, com uma subida na ordem dos 24% – além da importante criação de um Plano Nacional das Artes, para juntar aos da Leitura e do Cinema. No programa de apoio às artes, Ana Mesquita pediu que o governo fosse mais longe, com um reforço que ascendesse aos 25 milhões, que Castro Mendes avisou logo não serem possíveis. Mas viria o secretário de Estado, Miguel Honrado, anunciar que existem 1,75 milhões de euros “remanescentes” que permitirão apoiar novos projetos.
Faltava falar no cinema, calcanhar de Aquiles desta tutela com o braço-de-ferro travado ao longo do último ano entre o secretário de Estado e uma plataforma de produtores, realizadores e associações do setor por discordâncias de fundo quanto ao sistema de nomeação dos júris para os apoios do Instituto do Cinema e Audiovisual, a ser revisto na alteração ao decreto-lei 124/2013, que regulamenta a Lei do Cinema. Jorge Campos lançou a questão e Miguel Honrado respondeu com a garantia de que a nova proposta de revisão ao decreto-lei que atualmente atribui à Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA) a competência da aprovação dos júris está “em fase de revisão final”. E mais: que com isso virá “um novo posicionamento em relação ao setor, no sentido de o fazer participar mais naquilo que é a posição estratégica para a área do cinema”.