8 de novembro de 2016. Dia de eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, depois de uma das mais insólitas campanhas eleitorais da História recente do país – que envolveu suspeitas de interferências russas, promessas de prisão para um dos candidatos, revelações de “conversas de balneário”, ocultação de documentação fiscal, debates sobre o estado de saúde dos concorrentes, denúncias de favorecimento da imprensa e um número infindável de polémicas pouco ou nada relacionadas com a política. Do Partido Democrata apresentou-se a superfavorita Hillary Clinton, antiga primeira-dama e ex-secretária de Estado de Barack Obama, uma figura do establishment norte-americano e, de acordo com a grande maioria dos analistas, a candidata “mais bem preparada de sempre” para o mais alto cargo político do país. Do Partido Republicano chegou-se à frente o outsider Donald Trump, magnata do imobiliário, ex-apresentador de um reality show, uma das vozes mais críticas daquilo a que o próprio chamava de “pântano de Washington” e um homem a quem se colocavam sérias dúvidas sobre a sua capacidade em transformar-se numa “figura presidencial”.
O resto já se sabe. Mesmo perdendo o voto a nível nacional por quase 3 milhões de votos – 46,4% contra 48,5% – o segundo derrotou a primeira ao lograr os votos necessários para garantir a maioria no Colégio Eleitoral – 306 contra 232 –, fruto de uma performance sensacional na velhinha cintura industrial da região dos grandes lagos dos EUA, e com isso alcançou o que a grande maioria da opinião pública, comunicação social e classe política americana, mesmo sabendo que era possível, via como altamente improvável: as chaves da Casa Branca.
Conquistar a confiança da outra metade de um país, depois de um processo eleitoral tão disruptivo, cáustico e tumultuoso como foi o americano, nunca seria uma tarefa fácil para ninguém, independentemente do vencedor da corrida. Para o ajudar nas intricadas tarefas de diluir o clima de guerra para o qual a sociedade norte-americana derrapou e de procurar assumir-se como um presidente para todos os eleitores, Donald Trump até tinha a vantagem de ter à disposição as maiorias republicanas nas duas Câmaras do Congresso, mas volvido um ano da sua eleição, de pouco ou nada lhe valeram para normalizar o ambiente político. Nem Trump abdicou de promover a estratégia do ‘estão comigo ou contra mim’, nem os eleitores mudaram significativamente a sua visão sobre onde se devem posicionar, nos dois lados da barricada à sua disposição.
No primeiro caso destacam-se os puxões de orelhas públicos – habitualmente via Twitter – do presidente a membros do seu Partido Republicano que não concordaram consigo ou que não votaram favoravelmente os seus planos, com John McCain, Bob Corker e Jeff Flake à cabeça. Aqui também cabem nomes como o do procurador-geral, Jeff Sessions, o do responsável máximo pelas investigações ao alegado conluio entre membros da administração Trump e elementos ligados ao governo russo, Robert Mueller, ou o do secretário de Estado, Rex Tillerson, todos escolhidos para os respetivos cargos pelo próprio Trump, mas por ele criticados por terem optado assumir, em diferentes momentos, posturas distintas à da presidência. Fora do círculo político, juízes, jornalistas, artistas, desportistas ou ativistas foram ainda catalogados pelo chefe de Estado, durante os últimos doze meses, como inimigos da atual administração.
Quanto à avaliação feita pelo eleitorado ao estado da arena política norte-americana neste dia 8 de novembro de 2017, os números mostram que, apesar de Donald Trump apresentar níveis baixíssimos de popularidade – apenas 36% de aprovação e 58% de desaprovação nos primeiros nove meses de presidência, segundo a maior sondagem da SSRS para a CNN, publicada na passada segunda-feira – e de ainda não ter cumprido as principais promessas da campanha – como acabar com o Obamacare, construir um muro de separação a sul dos EUA pago pelos mexicanos ou aniquilar o Daesh em 100 dias – pouco ou nada mudou, e as feridas deixadas abertas pela eleição presidencial não mostram sinais de cicatrização.
O mais recente estudo do “Washington Post” e da ABC News exibe um eleitorado igualmente dividido, e preocupado com os mesmos temas de há 365 dias, mas pouco inclinado a mudar o seu sentido de voto, numa hipotética repetição da contenda eleitoral Trump vs Clinton. Entre os participantes no inquérito, 46% admitiu ter votado em Hillary e 43% confessou ter escolhido o atual presidente, e quando questionados diretamente sobre em qual dos dois votariam, sabendo o que sabem hoje, as percentagens revelaram um empate a 40%. Números que, a contar com os bons resultados alcançados pelo republicano em 2016 nos chamados swing states, poderiam muito bem oferecer-lhe nova vitória sobre a democrata em 2017. Mais até do que permitirem a viabilidade de tal cenário, os resultados da sondagem mostram que os eleitores de Donald Trump ainda não estão dispostos a retirar-lhe a confiança, por mais frases, posturas ou medidas controversas e contraditórias que o mesmo possa protagonizar.
“A cultura de guerra de Trump é uma força que está sempre presente e que desafia os americanos a escolherem um lado”, escreve Steve Kornacki, num artigo de opinião publicado pela NBC News. “Foi o que aconteceu há um ano, quando um número significativo dos próprios eleitores de Trump disse às empresas de sondagens à boca das urnas que não gostava dele e não achava que estivesse habilitado para ser presidente. Hoje o debate ainda se foca nos porquês dessa escolha. E passado um ano vale a pena notar que o próprio Trump não mudou grande coisa”, acrescenta o jornalista.
Os Estados Unidos, pelos vistos, também não. Ali todos sabem quem votou em quem, em novembro do ano passado, e em quem voltariam a votar em novembro deste ano. O mesmo mês, mas de 2018, altura em que se disputarão as eleições intercalares no Congresso, tratará de revelar o posicionamento dos “trumpistas” sem o nome de Trump nos boletins de voto.