Ideia de transferir atos médicos para outros profissionais abre guerra

Bastonário dos médicos exige demissão do presidente do Conselho Nacional de Saúde e que o governo esclareça que trabalho está a ser feito.

“O ministro vai ter de decidir se quer uma saúde com médicos ou sem médicos.” O ultimato é do bastonário dos médicos, que exige ao governo a demissão do presidente do Conselho Nacional de Saúde depois de este ter afirmado, numa entrevista em outubro, que eventualmente não seriam necessários muito mais médicos no SNS, mas sim mais enfermeiros e paramédicos e um reordenamento de tarefas. Miguel Guimarães vai mais longe e quer que o ministério esclareça se estão a ser estudadas alterações sem a inclusão dos médicos, algo que Jorge Simões deu a entender na entrevista à Antena 1. “Nunca os médicos estiveram tão unidos”, disse ao i. “É um episódio de fratura evidente.”

Ontem, reforçada esta tomada de posição da Ordem dos Médicos e no dia em que foram apresentados os primeiros relatórios do conselho sobre o estado do SNS – que alertam para o subfinanciamento do setor –, Jorge Simões defendeu que este tema da transferência de tarefas não pode ser tabu e recusou comentar o pedido de demissão. “Não é nenhuma ameaça para os médicos, mas temos de pensar num Portugal mais transversal do que a profissão A ou a profissão B”, disse Jorge Simões, citado pela agência Lusa.

Para Miguel Guimarães, não se trata da opinião de Jorge Simões, mas do facto de esta ser emitida pelo perito em declarações enquanto presidente do Conselho Nacional de Saúde, órgão consultivo do governo que a ordem integra. “Nunca este tema foi debatido no conselho”, diz o bastonário dos médicos, que admite que um dos cenários, caso o governo opte por manter Simões à frente do organismo criado no ano passado, é a ordem abandonar o conselho.

Guimarães diz também que, depois das declarações e perante a suspeição de que algo estará a ser negociado sem os profissionais, tem crescido a indignação dos médicos, que ontem estiveram em greve. E admite outras formas de protesto e menos tolerância. “Os médicos têm estado disponíveis para tudo, mas há limites.”

Posição corporativa quando o caminho é a multidisciplinaridade? Miguel Guimarães rejeita. “Os médicos são a única profissão que quer trabalhar em equipas multidisciplinares porque é sempre preciso haver coordenação e nenhuma profissão quer ser coordenada pelos médicos”, diz o bastonário, salientando que é impossível uma formação de seis anos mais a especialidade ter os seus atos transferidos para outros profissionais. “É uma ideia peregrina. Se os outros profissionais querem ser médicos, tirem o curso de Medicina.”

O i tentou perceber junto do Ministério da Saúde se está a ser estudada alguma medida em concreto nesta área, sem resposta até à hora de fecho. É um tema que se debate ciclicamente – do alcance das competências do enfermeiro de família à definição dos atos em saúde, que determina o que cada profissão da saúde pode fazer. A proposta de lei do governo deu entrada no parlamento há um ano e aí permanece.

Ontem, o ministro da Saúde rejeitou pedidos de demissão por “delitos de opinião” e disse acreditar que uma conversa entre os dois envolvidos será suficiente para ultrapassar dificuldades. Miguel Guimarães diz que esperou os últimos dez dias por essa conversa ou uma intervenção da tutela, o que não se verificou. Passado esse período sem uma retratação, o bastonário diz que não será um “aperto de mão” a resolver o diferendo.