Parecem ir longe os dias em que Donald Trump se atirava ferozmente às práticas comerciais chinesas nos discursos de campanha e falava com grande alarme do défice comercial com Pequim. O último assunto continua a preocupá-lo, como disse na sua primeira visita de Estado à China, mas já não o encara como na campanha – numa ocasião, Trump disse mesmo que a China "está a violar o nosso país".
A culpa da relação "desfavorável e muito injusta" no comércio, diz agora, já não é chinesa: é americana. "Não culpo a China", disse quinta-feira, diante um grupo de grandes empresários chineses que primeiro pareceram surpreendidos e depois o aplaudiram com timidez. "Quem é que pode culpar um país de se estar a aproveitar de outro para benefício dos seus cidadãos? Até os aplaudo."
I don’t blame China, I blame the incompetence of past Admins for allowing China to take advantage of the U.S. on trade leading up to a point where the U.S. is losing $100's of billions. How can you blame China for taking advantage of people that had no clue? I would've done same!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) November 9, 2017
A reviravolta de Trump não é inteiramente surpreendente e o ambiente em que discursava recomendava também uma postura mais branda.
Em todo o caso, demonstra como o homem da campanha presidencial do último ano mudou drasticamente a sua postura em relação à China e se afeiçoou ao seu Presidente, o quase todo-poderoso Xi Jinping, que no mês passado solidificou o seu domínio no Partido Comunista Chinês e no país, e agora ocupa o mesmo patamar de adoração e domínio de Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping.
Ao contrário de Barack Obama, Donald Trump foi recebido em Pequim como um pequeno imperador americano, viu a Cidade Proibida pela mão do próprio Xi, assistiu a uma ópera chinesa e pôde até pegar num vaso construído somente de ouro, sob o olhar quase paternal do anfitrião.
As demonstrações públicas de proximidade entre os dois presidentes ocultam uma modificação mais crucial na diplomacia dos dois países.
Literally never seen Xi as animated as when showing Trump round golden pot thing pic.twitter.com/59sZJKzbMo
— Natalie Thomas (@natalieinchina) November 8, 2017
Estratégia a longo prazo
Os Estados Unidos concentram-se por estes dias sobretudo em acertar as contas do comércio externo e em trazer as indústrias americanas que nos últimos anos de globalização partiram para países onde a mão de obra é mais barata.
Antes de aterrar em Pequim, na quarta-feira, o Presidente dos Estados Unidos pediu a empresários japoneses – em especial aos da construção de automóveis – que levem os seus negócios para solo americano. A ênfase no comércio também esteve no centro de uma das últimas cerimónias chinesas: Trump e Xi assinaram acordos de entendimento para negócios no valor de 200 mil milhões de dólares, embora muitos já estivessem negociados desde o tempo de Obama.
Xi, segundo a Casa Branca, prometeu também aplicar as sanções à Coreia do Norte.
A China, por sua vez, está interessada numa jogada diplomática de longo prazo. Desde que o novo líder americano prometeu dar vários passos atrás nos compromissos americanos com a defesa e comércio internacional no mundo, Pequim vem mirando o seu lugar.
Ocupou-o já no Acordo Climático de Paris, com a saída dos Estados Unidos – o Governo da Síria aceitou participar no entendimento esta semana e deixou Washington isolada no lado de fora. Está a fazê-lo também no comércio mundial, com um grande projeto de investimento no estrangeiro que vai da África até à Europa e, como prometeu Xi no Congresso do Partido do último mês, Pequim prepara-se igualmente para abandonar a postura de grande poder isolado no mundo e assumir o estatuto de "grande potência diplomática com características chinesas".
O Presidente chinês, para além disso, é um líder consensual no seu país, ao contrário do disputado Trump nos EUA.
"Trump foi um candidato da 'América em Primeiro' e é um Presidente da 'América em Primeiro'" escreve no "Guardian" o colunista Martin Kettle. "O emprego e estabilidade que Trump procura estão no seu país e em nenhum outro lado. Retira-se da liderança mundial para vencer em casa."
Trump foi apenas sorrisos na China, mas esta sexta-feira, no Vietname, regressou a algumas das velhas críticas sobre a forma como os países asiáticos "estão a enganar" os Estados Unidos no comércio.
Trump to Chinese President Xi Jinping: "My feeling toward you is an incredibly warm one." pic.twitter.com/m0sOcrBW0f
— Washington Examiner (@dcexaminer) November 9, 2017
Da passagem por Pequim, no entanto, fica uma imprensa estatal em júbilo com fotografias dos dois líderes e a declaração de afeto diplomático de Trump a Xi: "Como disse, temos uma grande química e acho que vamos fazer ambos coisas tremendas tanto para a China como para os Estados Unidos" disse Trump na Cidade Proibida, uma honra de Estado raramente concedida a líderes estrangeiros. "Os meus sentimentos por si são incrivelmente afetuosos".