Foi há dois anos, numa sala semi-clandestina do Parlamento, que costumava ser usada pelos socialistas para reuniões de segunda linha. À hora do almoço do dia 10 de novembro de 2015, PCP e BE, em separado, assinaram com o PS uns papéis a que chamaram «posições conjuntas». Os jornalistas foram afastados, os fotógrafos proibidos. O PCP não queria ser visto a assinar alguma coisa ao lado do BE. Também o partido ‘Os Verdes’, o braço ecologista da CDU, assinou «uma posição».
Como os envolvidos se recusaram a usar expressões como «acordo parlamentar» e muito menos «coligação», percebe-se como a utilização da palavra «geringonça», inicialmente cunhada por Vasco Pulido Valente e repetida num discurso parlamentar de Paulo Portas, se popularizou. Não fosse isso, ainda estaríamos a chamar àquilo que levou António Costa a primeiro-ministro «a coisa», como o fizeram os comunistas italianos quando decidiram criar uma nova estrutura para substituir o PCI.
A probabilidade de sucesso da ‘coisa’ foi considerada quase nula pela maioria dos comentadores. Como era possível PCP e BE apoiarem um Governo que se propunha a cumprir a ortodoxia de Bruxelas sem uma revolta interna? O histórico de relações entre o três partidos concorria para a previsão. E, no entanto, foi possível cumprir os compromissos de Bruxelas, baixar o défice para valores draconianos, baixar a taxa de desemprego para 8,5%, aumentar o crescimento, devolver rendimentos e pôr fim a um estado depressivo que abalava boa parte da população desde o início da crise. Os portugueses gostam da ‘geringonça’. As sondagens comprovam-no.
O efeito dos incêndios e a desordem que o Governo mostrou ao lidar com a tragédia pode diminuir a confiança. Se Costa não estiver à altura, o futuro é incerto. Como prova a formação da ‘geringonça’, em política não há adquiridos. A derrota que o PCP sofreu nas autárquicas – e que atribuiu ao facto dos cidadãos terem compensado o PS por medidas propostas pelo PCP – abriu uma situação nova. A líder do Bloco já veio dizer que para a próxima legislatura espera «que o país esteja preparado para muito mais do que acordos de mínimos». O que se passou pode ser irrepetível, mas já foi histórico.