Governo de borracha…

O PR exigiu ‘apurar o que se passou’ com a legionela, como tinha feito em Pedrógão e Tancos. Mas os responsáveis ‘assobiam ao cochicho’

Com a chegada das primeiras chuvas, extintos os incêndios, apuradas as vítimas e inventariados sumariamente os prejuízos materiais e humanos de um Verão calamitoso, reacenderam-se as ciladas da velha política, enquanto se enterram as desgraças e se regressa ao país urbano – que é o que conta para a estatísticas e para o voto – e se agrava a despesa pública, com insensatez e desaforo.

Pelo meio, semeia-se a contrainformação, nos seus modelos mais estafados, à qual se recorre sempre que convém dissipar questões incómodas e varrê-las ‘para debaixo do tapete’. A técnica não varia: amplificam-se no espaço público questões alternativas, para se sobreporem às de primeira grandeza. 

Infelizmente, a fatura da realidade teima em contrariar o sorriso ‘Web Summit’ de António Costa, um palco onde se sente muito mais à-vontade do que noutros, onde poderia explicar, por exemplo, o surto de legionela num hospital público em Lisboa, já com casos mortais, provável consequência das famigeradas cativações na Saúde (mil milhões em dívida no SNS a fornecedores de dispositivos médicos), a juntar aos milhares de cirurgias adiadas e aos doentes oncológicos em espera. 

Para o ministro da Saúde, «o que aconteceu aqui foi, seguramente, uma falha técnica» – um eufemismo que não ocorreu (e teria dado muito jeito) aos seus pares da Administração Interna e da Defesa, perante o descalabro da Proteção Civil ou o mistério do assalto à Base de Tancos. 

O dramático cortejo de vítimas, que não tem parado de aumentar, adverte-nos, porém, para uma ameaça maior, que é a de um Governo em ‘falha técnica’, com a cumplicidade silenciosa do Bloco de Esquerda e do PCP, que não querem estragar o ‘arranjinho’ ao PS, de que são beneficiários. 

O Presidente da República, novamente incomodado, exigiu «apurar o que se passou», como não se cansou de repetir em Pedrógão ou em Tancos, enquanto os responsáveis ‘assobiam ao cochicho’. E passam adiante. 

Sabe-se como hoje se atua no tempo mediático. A exposição é curta. A hierarquização noticiosa dos telejornais obedece ao ‘deus’ das audiências. As prioridades oscilam consoante as marés. 

Num ápice, a narrativa da floresta ardida e das vidas e haveres perdidos murchou – e, se não desapareceu completamente das televisões, deve-se ao empenhamento de Marcelo Rebelo de Sousa, que, nessa matéria, não tem dado descanso ao Governo.

Depois de enviar para férias, sob pressão, uma inexistência na Administração Interna, o primeiro-ministro em exercício abriu o dossiê do Orçamento do Estado e porfiou em satisfazer as exigências (insaciáveis) das clientelas do Bloco e do PCP, anunciando ‘novas oportunidades’ para integrar mais precários nos quadros do Estado, onde já vicejam milhares a ‘polir’ as secretárias. 

Os docentes estão nesse grupo, zelosamente defendidos por um ministro que rivaliza com os sindicalistas ao prometer «lutar radicalmente para que sejam reconhecidos os direitos dos professores e do pessoal não docente».

Perdeu-se na 5 de Outubro a noção do ridículo, enquanto os quadros incham e os alunos diminuem. 

Pelo meio, ficaram no tinteiro as conclusões dos inquéritos sobre o roubo do arsenal de guerra em Tancos, apesar da rocambolesca ‘devolução’ de parte desse material – graças a uma providencial denúncia anónima, que forneceu à Judiciária Militar a ‘pista’ para descobrir as armas e munições desaparecidas… quase debaixo do nariz. 

Os autores da façanha foram, aliás, generosos e restituíram uma caixa de explosivos que não constava sequer da lista original. 

Lesto, o mesmo chefe do Estado-Maior do Exército – que continua em funções depois de todas as trapalhadas – tomou o achado como uma «ligeira discrepância». Surreal! Ou seja: são coisas que acontecem. Ficámos a saber que, doravante, uma caixa de explosivos fora do baralho «não é tanto assim». É algo de somenos, para nosso sossego. 

Com cerca de 32 mil efetivos autorizados pelo Governo para este ano, as Forças Armadas custam ao país 2% do PIB, em linha com as recomendações da NATO desde a cimeira de 2014.

O relatório que acompanha a proposta de lei do Orçamento do Estado, em debate no Parlamento, prevê para a Defesa, em 2018, 2.151,3 milhões de euros – um acréscimo na despesa de 7,5% comparativamente com o ano em curso. Do total, 58,9% representam a fatia de encargos com pessoal. É muito dinheiro para se brincar em serviço.

Tancos é uma nódoa para a instituição militar e para o ministro da Defesa Azeredo Lopes, surdo aos apelos presidenciais para que se apurem responsabilidades. 

O ministro e os generais chefes envolvidos nesta ‘comédia de enganos’ há muito que deveriam ter recebido ‘ordem de marcha’. Infelizmente, continuam impassíveis. E inamovíveis. É um Governo de borracha…