Não pretendo aligeirar a gravidade do tema. O assédio é repugnante, ponto! Em quaisquer circunstâncias o assédio é condenável e, se passa aos graus de bullying, violência ou violação, é crime grave e deve ser severamente punido.
Mas é justamente pela gravidade da situação que estranho a avalanche de denúncias de assédios ocorridos há 20 ou 30 anos.
A razão é simples: a banalização dilui a gravidade dos crimes e a responsabilidade dos autores, e esse é um risco que não se deve correr. A última coisa que pode acontecer é pensar-se… que o assédio faz parte dos costumes! Ou… que ‘sempre foi assim e não há que admirar’.
Tanto tempo passado, cria espaço para a dúvida. Pode acreditar-se, sem mais, na inocência de quem calou o preço cobrado para ter a sua oportunidade? Aceitar o pagamento não torna as vítimas cúmplices dos crimes? Será que não existiu consentimento?
Não concebo atenuantes para este tipo de agressões, e censuro vivamente decisões cretinas de tribunais portugueses que têm causado justificada indignação, como a sentença que ‘explicou’ um crime de violação com ‘as regras da coutada do macho ibérico’, ou o recente acórdão que invoca a Bíblia e a lapidação para aceitar como ‘natural’ uma agressão bárbara.
Um Estado digno desse nome, quando atua, tem de fazê-lo com as mãos limpas. A Justiça serve para proteger os cidadãos e tem de ter freios para corrigir decisões absurdas.
Confesso a minha dificuldade em julgar baseado apenas na versão de uma das partes.
Se alguns dos acusados confessaram, isso inculpa-os – mas não chega para explicar a multiplicação dos casos, como se uma moda ‘assedial’ tivesse varrido os EUA, e parte da Europa, nos anos 80 e 90 do século passado.
Não estamos a falar da Roménia de Ceausescu – onde a polícia política encobria as sevícias a que Nadia Comaneci era sujeita para poder continuar a ir às olimpíadas. Os casos passaram-se na livre América, com milhares de jornalistas livres, que veriam no relato de abusos dos poderosos do cinema e da moda a oportunidade da vida.
Se foi possível apear o Presidente Nixon à custa das denúncias de um jornal, não seria mais fácil fazer sentar no banco dos réus um qualquer patrão do cinema?
Mais do que desconfiança, o unanimismo deve inspirar receios.
Foi uma versão falsa, fabricada pelo Exército, que convenceu a França inteira de que o capitão Dreyfus era culpado de alta traição.
Foi o entusiasmo acrítico, ou o medo de ‘desalinhar’, que levou os alemães a vitoriarem Hitler, enquanto ele mandava milhões de pessoas para os fornos crematórios.
Daí as reservas que tenho em relação às motivações dos assediados, que esperaram pelo Outono de 2017 para quebrarem um silêncio de décadas.
Depois de se passearem, anos e anos, de braço dado com os agressores, a sorrir para as câmaras, por que falam agora? E porquê todas e todos ao mesmo tempo? Sensacionalismo? Vedetismo? Interesse em chamar as atenções? Carreiras em declínio? Alguma coisa explicará a pandemia…