Jacques Séguéla estava cheio de frio. No International Advertising Festival, em Lisboa, conversou com o i, envolto num lenço que o ajudava a combater o ar condicionado. Entre as várias dezenas de publicitários presentes, ele é a estrela, bombardeado por pedidos de fotografias.
Aos 83 anos, o histórico publicitário que começou como farmacêutico está fresco. Entusiasmado com o novo cenário político, irreverente na análise e na crítica. E continua mestre da criatividade. Fala baixo, mas em bom inglês.
Peça-chave em campanhas de François Mitterrand, Séguéla fala com otimismo sobre Emmanuel Macron, cuja campanha diz ter sido “totalmente diferente do habitual, porque o homem é totalmente diferente do habitual”. Mas diferente em que medida?
O fator idade
“Todos os políticos que foram presidentes estavam entre os sessentas e os setentas. Não percebiam a juventude que começava a votar e que hoje contagia mais eleitorado. Foram ultrapassados por Emmanuel Macron. Em um ano, pela primeira vez na história das campanhas políticas, criou um exército, uma equipa, matou os dois maiores partidos, à esquerda e à direita, matou três presidentes – o ex-presidente Sarkozy, o então presidente Hollande, e o homem que iria ser presidente Juppé -, matou dois primeiros-ministros – o então primeiro-ministro Valls e o ex-primeiro-ministro Fillon -, por isso é que lhe digo que ultrapassou todos. Ganhou assim”.
E Marine le Pen?
“É forte, mas demasiado sectorial, o que não chega para vencer. Fez uma campanha profissional e também diferente do normal. Mas o espírito é fora de si: sair do euro, portanto a bancarrota do país; sair da Europa, portanto a redução da França a um país pequeno; e totalmente contra o que é moderno. Foi uma boa campanha, sim, mas uma campanha do passado”, avalia. “As campanhas políticas são sempre personificadas, mas esta teve uma consequência associada a isso. Em cinco minutos de debate televisivo, Macron esmagou Marine le Pen. Hoje, há um impeachment mediático à senhora. Não poderá recandidatar-se”, sentencia. Depois regressa ao presidente: “A loucura do povo francês é uma: são pessoas apaixonadas, gente de paixões. Um erro, dois erros, três erros, e a popularidade vai de 70% para 17%”. Sobre a descida de popularidade que se seguiu após a vitória de Macron, Séguéla explica: “Como candidato podes ser super-homem; no cargo és um homem só”. Por outro lado, “aquilo que a França precisa é de reformas e a história é sempre a mesma: se a reforma me afectar a mim, não quero; se te afectar a ti, pode ser”. Sorri perante a tragédia, talvez por não deixar de ter alguma esperança. Não acredita, “de todo”, que Macron será um novo Hollande. “São o contrário um do outro, mesmo que ele, de certa forma, seja um descendente”. A paternidade política de Macron será outra. “Ele é filho de Mitterrand e de Sarkozy: tem uma gestão do tempo e uma relação distante da imprensa, como Mitterand”, começa. Apelida-o depois de “intelectual”, mas não gosta da palavra e requer substituição. “E teve uma excelente educação, um percurso académico com cultura e filosofia, também como Mitterand”. Nas semelhanças com Sarkozy, aponta ao “dinamismo, à paixão e à postura”. “Hollande não tinha nada a ver com isso”.
Três distintos
A “trindade” presidencial predileta de Séguéla é verdadeiramente distinta: “De Gaulle; Mitterrand, que era o mais esperto, o mais político; e Macron”. O publicitário adverte, apesar disso, para o perigo dos protestos e para a imprevisibilidade do que está para vir. “Se levar com um milhão de pessoas nas ruas, morre. Mas não me parece que isso vá acontecer”.
Outdoor
O modo de fazer campanha política, do ponto de vista comunicacional, não mudou desde que Séguéla era o chefe de orquestra nessa matéria. “A primeira coisa em que penso continua a ser o cartaz”, afirma. “É o cartaz que faz o Presidente ou o mayor. O resto, a comunicação, é a ferramenta que trabalha o momento”. E isso, agora, inclui a imprensa, as redes sociais, etc. “Mas a vitória ainda está nessas duas coisas: o cartaz e a televisão”, vaticina. “O ADN de uma campanha não deve derivar de um candidato, deve derivar dos franceses que o candidato quer convencer; a quem vai propor ideias. O que as redes sociais trouxeram foram distúrbios a esse diálogo – entre o candidato e o eleitor -, o que pode ser bom e mau ao mesmo tempo. Ou se é totalmente contra ou se é totalmente a favor, não é? Isso pode perturbar o ADN de uma campanha, que precisa de ser cada vez mais resistente, mais sólido do que antes. O lado positivo das redes sociais é a aceleração, de fazer tudo mais rápido, para quem tem pouca paciência”, torna a sorrir, embatendo com as mãos uma na outra, num gesto a simular uma implosão. Como é que o Presidente Mitterrand, que aconselhou, trabalharia uma rede social?, atiramos. “Oh…”, e os olhos desviam-se de nós para a parede, como se Mitterand houvesse entrado na sala. “Meticulosamente, mas com velocidade. Olhe para Trump. É um vencedor a partir da bestialidade. Mitterrand só o era quando precisava de ser. É a poesia que pode matar Trump, sabe porquê? Se tentares derrotar um boxeur num ringue, vais perder. Se lhe declamares um poema, ele não sabe o que fazer com ele. Mitterrand era brilhante por isso: conseguia ser boxeur e poeta ao mesmo tempo e quando quisesse”.