Isabel dos Santos deixou de ser presidente do conselho de administração da Sonangol, a empresa petrolífera estatal e, durante anos, poder dentro do poder em Angola. Depois de notícias e desmentidos, finalmente concretizou-se a exoneração da empresária, a mulher mais rica de África, substituída no cargo por Carlos Saturnino.
O presidente João Lourenço não só exonera a filha do seu antecessor como nomeia para o cargo um homem que Isabel dos Santos tinha afastado da empresa. Saturnino, que foi administrador executivo e presidente da Sonangol Pesquisa & Produção até ser afastado em dezembro do ano passado, já tinha sido nomeado por Lourenço como secretário de Estado dos Petróleos. Sendo, na prática, um cargo superior ao de presidente da petrolífera e já visto como uma bofetada de luva branca ao poder anterior, mesmo assim não era ainda o golpe definitivo na estrela mais brilhante do firmamento Dos Santos em Angola.
“O cenário da demissão era o mais provável. A escolha do secretário de Estado dos Petróleos, uma pessoa demitida com algum estrondo por Isabel dos Santos, dizendo que havia desvios financeiros, era já um sinal do que João Lourenço ia fazer”, afirma ao i Carlos Rosado de Carvalho, economista e diretor do principal semanário económico angolano, “Expansão”.
O i contactou Isabel dos Santos, mas a pessoa que atendeu o telefone disse que a mesma não estava e transmitiria o recado. Até ao fecho desta edição, não houve nenhuma resposta e o número não voltou a ser atendido.
A afirmação de poder do presidente concretiza-se agora. Começa na Sonangol e junta a retirada da gestão do segundo canal da televisão pública (TPA2) e da TPA Internacional à Semba Comunicação, a empresa de Coréon Dú (pseudónimo de José Paulino dos Santos) e Welwitschea “Tchizé” dos Santos, também filhos do ex-chefe de Estado. O anúncio foi feito ontem, por comunicado, pelo Ministério da Comunicação Social: “No cumprimento de orientações” do chefe de Estado, “cessam a partir desta data todos os contratos entre o ministério em questão, a TPA e as empresas privadas Westside e Semba Comunicação.”
Com esta decisão, o ministro João Melo ordena a suspensão da emissão do canal internacional para “permitir a completa reformulação da sua programação e a sua reentrada em funcionamento no prazo de tempo mais rápido possível”.
Dos filhos do antigo presidente, só José Filomeno dos Santos (Zenú) se mantém ainda num lugar de relevo na estrutura do Estado, à frente do Fundo Soberano de Angola (FSA). A pergunta que se coloca é: até quando?
Ainda para mais quando se soube agora, através da divulgação dos Paradise Papers, que a Quantum Global, empresa do suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais (amigo pessoal de Zenú e que fundou com ele o Bank Kwanza Invest, o primeiro banco dito de investimento angolano), canalizou mais de três mil milhões de dólares dos 5,6 mil milhões com que o Estado angolano financiou o FSA para fundos de investimento no paraíso fiscal da Maurícia. Zenú escolheu a empresa do amigo, sediada na Suíça, sem qualquer concurso público. De acordo com o jornal “Le Matin”, a gestão destes ativos rende alegadamente a Bastos de Morais e à Quantum 60 a 70 milhões de dólares por ano.
A notícia levou Ruth Metzler, que fez parte do Conselho Federal (órgão executivo da Confederação Suíça), a demitir-se do comité consultivo do grupo Quantum devido às “pretensas práticas comerciais em Angola”, denunciadas com base nos Paradise Papers. Quer isto dizer que o gestor do fundo anda a fazer negócio com ele próprio.
Carlos Rosado de Carvalho vai mais longe e garante que a Quantum Global chegou a gerir 85% do fundo, decisão à margem da lei, já que esta estipula que nenhuma empresa ou indivíduo pode gerir mais de 30% do total do fundo: “Há aqui ligações perigosas entre o presidente do fundo [Zenú] e o gestor Jean-Claude Bastos de Morais”, afirma, citado pela Deutsche Welle.
De acordo com o site Club-K, Zenú dos Santos já apresentou a demissão do seu cargo no FSA ao presidente João Lourenço, decisão que será anunciada pelo gabinete do chefe de Estado na sexta-feira. Rosado de Carvalho não confirma essa notícia, mas acrescenta que “também tem a posição dele muito fragilizada e, mais uma vez, tem de haver aqui uma decisão. Ou o presidente vem dizer que tem confiança em Filomeno dos Santos ou então tem de o demitir se ele não se demitir, acho que não há outra alternativa. E acho que o cenário da demissão ou da exoneração são os cenários mais prováveis”.
“O clima não está muito favorável para ele”, acrescenta, tendo em conta as notícias dos Paradise Papers. “Não estou a ver uma manifestação de confiança do presidente João Lourenço face aos últimos acontecimentos.”