Aconteceu em outubro, longe dos holofotes, e foi ontem anunciado ao mundo. A organização do festival de música catalão Sónar quis festejar o 25.o aniversário com o envio de música para o espaço e pediu ajuda ao Centro de Estudos Espaciais da Catalunha e à METI Internacional, uma organização não governamental norte-americana que desenha mensagens interestelares e procura despistar sinais de rádio que possam ser provenientes de vida extraterrestre. Depois de anos sobretudo à escuta, sem nenhuma prova de inteligência do outro lado, deste desafio nasceu a primeira transmissão de uma mensagem para um alvo concreto: um dos planetas detetados nos últimos anos onde os cientistas acreditam poder existir vida.
Olá GJ273b A escolha recaiu sobre o planeta GJ273b, a 12,4 anos-luz da Terra, em órbita da estrela de Luyten. Douglas Vakoch, o investigador à frente da METI Internacional e um dos defensores da busca proativa de vida extraterrestre, explicou ao i que a mensagem vai demorar 12 anos a chegar ao destino, pelo que uma eventual resposta só será “ouvida” pelos radiotelescópios na Terra daqui a 25 anos, em 2042.
A mensagem inclui matemática convertida em numeração binária e uma seleção de 31 pequenos trechos musicais de artistas convidados do festival Sónar, em formato WAV. Foi transmitida nos dias 16, 17 e 18 de outubro e cada transmissão durou duas horas e meia.
Até aqui, além dos discos a bordo das Voyager lançadas em 1977, a transmissão mais icónica da humanidade para o espaço tinha sido a mensagem de Arecibo, em 1974, que continha dados sobre a estrutura do ADN humano ou sobre o sistema solar. Vakoch explica, porém, que essa transmissão teve por destino um aglomerado de estrelas a 25 mil anos–luz da Terra, o que significa que demoraríamos qualquer coisa como 50 mil anos a ter uma resposta.
O facto de hoje se poder apontar para um alvo mais próximo e onde já se sabe que existirá um planeta com condições para albergar vida é uma das vantagens, mas Vakoch explica que o conteúdo da “Sónar Calling GJ273b” teve outros aspetos em conta.
Por um lado, repetiram a mensagem três dias seguidos para permitir que “alguém” que esteja à escuta do outro lado possa replicar as observações, “o que hoje é um pré-requisito na Terra para os investigadores ficarem convencidos de que encontraram vida inteligente no universo”, explica o investigador. “Estamos a enviar aos extraterrestres o tipo de sinais que gostávamos que eles nos enviassem a nós.”
Além disso, não quiseram dispersar tanto os temas, enviando música, dados sobre ondas eletromagnéticas e um relógio que conta o tempo desde a emissão. “Mensagens anteriores, como a Arecibo, tendiam a ser enciclopédicas, tentando cobrir um elevado número de tópicos. A nossa aposta é o oposto: tentar cobrir poucos conceitos de matemática e ciência em profundidade, para criar uma mensagem mais fácil de compreender”. Outra ideia é que a vida extraterrestre, a existir, pode não ver, pelo que não enviaram imagens codificadas como nas tentativas anteriores de entrar em contacto com outras civilizações.
E se a mensagem for mal recebida? Douglas Vakoch acredita que nada há a temer. “Qualquer civilização que pudesse vir à Terra fazer-nos mal já saberia da nossa existência. Por isso, a Sónar Calling GJ273b não aumenta as hipóteses de uma invasão alienígena. A atmosfera terrestre tem exibido provas da existência de vida nos últimos 2,5 mil milhões de anos, através do oxigénio. Quaisquer extraterrestres que fossem paranoides por terem concorrência já teriam tido tempo suficiente para preparar um ataque”, sublinha o investigador, que acredita sobretudo que é importante discutir este tipo de iniciativas. “Os investigadores SETI (que procuram vida extraterrestre) podem descobrir vida inteligente um dia destes. Quanto mais sabemos sobre o cosmos, mais provável parece a existência de vida. É essencial envolvermos a comunidade científica nesta discussão.”
Convencer Guterres Na eventualidade de uma resposta, a primeira coisa seria comparar com a transmissão inicial: uma das instruções é para os aliens responderem com o mesmo conteúdo.
O passo seguinte seria decidir o que responder, numa altura em que Vakoch espera que já haja muito mais discussão sobre este assunto. “O meu sonho era que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, defendesse uma discussão global sobre estes temas. Até conseguirmos atrair a atenção e o apoio de uma organização como a ONU, continuaremos a promover nós a discussão”, diz o investigador.
A transmissão foi feita a partir de antenas na Noruega, no observatório da EISCAT (European Incoherent SCATter Scientific Association). No ano passado foi detetado um planeta possivelmente habitável mais próximo da Terra, o Proxima Centauri b (a 4,2 anos-luz), mas Vakoch explica que só seria possível apontarem para lá se tivessem feito a transmissão no hemisfério Sul. Mas o Ross 128 b, anunciado esta semana e um bocadinho mais perto do que o GJ273b, passou a ser um alvo prioritário.
Para já, a ideia é para o ano, em abril, tornar a contactar eventuais habitantes nas imediações da estrela de Luyten. “Até hoje não encontrámos nenhuma prova direta de vida fora da Terra, nem de vida microbiana. Tendo em conta a resistência da vida na Terra, parece que quando se origina mantém-se tenazmente, mesmo nos ambientes mais desafiantes. Mas será que a vida extraterrestre evoluirá para ter inteligência? Não sabemos. Mas a menos que a procuremos, nunca iremos descobrir”, remata Vakoch.
Acompanhe a “viagem” da transmissão e os próximos passos do projeto em www.sonarcalling.com