Foi um ano terrível para o Reino Unido. O inverno glaciar já tinha passado quando, em 10 de julho de 1947, Isabel e Filipe Mountbatten anunciam o noivado. Mas a crise do pós-guerra não: a libra cai vertiginosamente, o pão é racionado, os esforços de John Maynard Keynes para convencer os americanos a ajudar os ingleses correm mal e há uma crise na balança de pagamentos.
Os historiadores coincidem na ideia de que o horroroso 1947 é o ano em que o governo socialista de Clement Attlee começa a perder o apoio popular, abrindo caminho para o regresso de Winston Churchill nas eleições de 1950. Churchill fora derrotado em 1945 por Attlee, depois de ambos terem estado coligados no executivo que governou o Reino Unido durante a guerra.
Em janeiro, uma vaga de frio siberiano atinge o país. Fevereiro regista as temperaturas mais baixas dos últimos 300 anos – como está escrito no livro “History of Modern Britain”, do jornalista Andrew Marr, que na BBC atualmente é a estrela do “Andrew Marr Show”.
O carvão – cuja indústria tinha sido nacionalizada pelo governo no primeiro dia do ano – congela. A energia elétrica é brutalmente racionada: todos os lares britânicos ficam às escuras durante cinco horas diárias, três de manhã, duas à noite.
Algumas fábricas fecham, outras trabalham só a meio tempo. A neve bloqueia estradas e caminhos-de-ferro – a comida não chega a Londres e a outras cidades do país. Inglaterra e Escócia chegam a estar incomunicáveis. A água congela nos canos das torneiras e nos autoclismos. Coisas básicas como lavar-se ficam vedadas ao comum dos britânicos. Sem aquecimento, a possibilidade de o corpo não gelar só é possível através do uso do máximo de roupa possível. “Os elementos básicos da civilização são-nos negados”, escreve o escritor e historiador James Lees-Milne no seu diário, citado pelo “Daily Telegraph”. Lees-Milne ia aquecer-se, quando saía do escritório, para a National Gallery. Na cama, enquanto lia até adormecer, usava um capacete e luvas.
A gravidade da situação é tal que o governo Attlee manda fechar a BBC – durante um mês, entre 10 de fevereiro e 11 de março de 1947, não houve televisão no Reino Unido. É o ano em que o poeta inglês Philip Larkin publica o segundo dos seus dois únicos romances – “Uma Rapariga no Inverno” é o título curioso, tendo em conta o ano em que saiu para a rua, embora a ação se passe durante o tempo de guerra.
Ainda não tinham chegado as mais terríveis tempestades quando, a 23 de janeiro de 1947, a manchete do “Daily Telegraph” já anunciava que “a ração de pão deverá ser cortada”.
Os britânicos tinham passado por cinco longos anos de guerra, bombardeamentos e comida racionada. Tiveram algum alívio em 1946, quando desataram a fazer filhos – o primeiro baby boom pós-guerra acontece em março de 1947 –, mas o povo continua genericamente deprimido. “Pelo menos não estamos a ser bombardeados”, escreve uma dona de casa no seu diário, citado pelo “Daily Mail”, depois de descrever o seu jantar miserável, composto por pão húmido e salsichas. A seguir ao inverno terrível, vêm as cheias em março. E as batatas, pela primeira vez, entram no pacote dos bens racionados. Clement Attlee, o primeiro-ministro, demonstra o seu desalento, longe dos épicos discursos de Churchill durante o tempo de guerra: “Não tenho palavras agradáveis para dizer à nação. Não posso dizer quando vão chegar tempos mais fáceis.”
Lorde Mountbatten, tio do noivo do ano, está num clima mais quente – a Índia – para ocupar o posto de último vice-rei. Um mês depois do anúncio do noivado da filha do rei Jorge vi com o sobrinho de Louis Mountbatten, em meados de agosto de 47, Índia e Paquistão tornam–se independentes, mantendo, no entanto, o estatuto de “domínios” ao abrigo da Commonwealth. Mountbatten, amigo de Nehru e com relações simpáticas com Gandhi, ainda ficará mais dez meses em Nova Deli, como o primeiro dos governadores gerais da Índia independente.
Cinco dias depois do casamento de Isabel ii, a Nova Zelândia torna-se também independente, através da assinatura do Estatuto de Westminster. E nove dias a seguir ao casamento real, as Nações Unidas aprovam o plano que acaba com o poder britânico na Palestina. Tinha sido durante o fevereiro gelado que o governo Attlee decidira que a retirada das tropas britânicas da Palestina haveria de acontecer até junho de 1948.