Porque sentiu necessidade de publicar este livro?
Como tinha sido crítico do governo anterior, do eng.o Sócrates, também quis ter uma atitude crítica e reflexiva sobre os momentos que se seguiram. E foi isso que acabou por acontecer neste livro. Acompanhei toda a atividade do primeiro governo de Passos Coelho, depois a segunda tentativa de governo, e agora já estou a acompanhar a atividade deste governo PS. Em cada um dos momentos fui fazendo considerações sobre o que existia, sobre o que devia ser feito e o que não se devia fazer. No fim, todas estas coisas acabaram por vir a dar-me razão.
Onde é que a História vem dar-lhe razão?
O governo do dr. Passos Coelho teve uma oportunidade histórica de fazer uma afirmação muito importante que o deixasse durante muito tempo sem competidores. Isto é, o Partido Socialista estava tão comprometido com a situação anterior que era difícil recuperar da consequência que tinha criado. O facto é que Passos Coelho e o seu governo acabaram por exagerar nas coisas que fizeram. Não tiveram o cuidado de escolher, de explicar, de reformar o país envolvendo o PS. Não tiveram a habilidade necessária e fizeram com que a austeridade, que era inevitavelmente imposta com a intervenção da troika, acabasse por ser assumida como um produto seu, o que acabou por deixar o PS como alguém que devia ser desculpado no meio disto tudo. A meu ver, a forma de governar do dr. Passos Coelho fez com que o Partido Socialista voltasse a ter uma grande oportunidade de governo, como teve a seguir com António Costa.
Se realmente foi assim, se Passos Coelho impôs tanta austeridade a Portugal, o que acha do resultado que teve quando toda a gente pensava que iria ser um desastre total e acabou por ser o partido mais votado?
Eu não duvidava que ele iria ganhar as eleições…
Devia ser a única pessoa. Ninguém acreditava que ganhasse.
Eu acreditava, mas o problema não é esse. Para governar não basta ter mais votos. É preciso convencer um conjunto significativo de pessoas que lhe dão possibilidade de governar. E num sistema como o nosso, em que o governo nasce da Assembleia, ele estava condenado a formar um governo minoritário. Percebia-se que uma percentagem muito significativa do eleitorado inicial do PSD estava “divorciado” e o PS aproveitou a situação. As pessoas estavam cansadas, queriam um intervalo e sossegar durante algum tempo, e o PS apresentou uma alternativa de governo baseada nisso.
O que poderia Passos ter feito de diferente?
O governo de Passos estava perante uma imposição que decorria de várias asneiras praticadas anteriormente. Gastávamos o que tínhamos e o que não tínhamos, e Passos teve de cortar em muitas coisas e fez isso em relação a várias classes, mas sempre com um ar acintoso, de quem pune. Passos fez o mal e a caramunha, como se as pessoas fossem responsáveis pelas medidas de austeridade. Foi justamente esse conjunto de pessoas que lhe tirou a maioria e deixou de o apoiar.
Como, por exemplo?
Em determinada altura dá-se a crise com o dr. Portas, que ameaçava sair, e Passos Coelho foi ter com o Presidente da República e apresenta-lhe um governo sem Paulo Portas. Evidentemente que o Presidente da República negou e disse que aquilo não podia acontecer. Portanto, recuou e formou um governo que consolidou a posição do dr. Portas, acabando por dar uma viragem à direita – viragem essa inconsequente, pois toda a gente se lembra da grande ideia da reforma do dr. Paulo Portas. Tinham um momento ótimo para aproveitar o impulso para fazer a verdadeira reforma do Estado, tal como é necessário fazer há séculos. Tudo isto se faz com inteligência política, não afrontando, por exemplo, instituições. O caso do Tribunal Constitucional foi outro erro fundamental do governo de Passos. Quem governa assim é evidente que não tem grande futuro, como não teve.
Mas como se salvava o país se tudo isto não tivesse sido feito?
É óbvio que o país tinha de cumprir as medidas impostas, mas era possível tomar outras medidas. O PS, quando avança com o governo, afirma que é possível discutir coisas, que podem existir caminhos alternativos. Tudo isto podia ter sido feito por Passos Coelho. O que não podia acontecer era ser ele o herdeiro de toda a situação e depois dizer “eu até gosto, até quero mais”.
Mas isso são tudo palavras. Onde é que Passos extravasou?
Extravasou afrontando as pessoas, afrontando instituições…
Mas o quê ao certo? Reduzindo as pensões dos reformados?
Quando o dr. Passos Coelho tomou posse enquanto primeiro-ministro, os reformados, e penso que várias outras classes de profissionais, estavam dispostos a fazer sacrifícios. O que não se podia dizer era que as pessoas eram responsáveis pelo que estava a acontecer.
Quem foram os responsáveis por isso?
Toda a forma de governar do eng.o Sócrates, exceto durante um pequeno período, foi uma atividade sem rei nem roque. Não havia qualquer critério ou espírito reformista. Se se gastava, ia buscar-se dinheiro a outro lado. Assisti a coisas absolutamente inacreditáveis: uma obra devia ser realizada em Coimbra, mas o governo não tinha dinheiro – então indicou à CP e à REFER que contraíssem empréstimos de centenas de milhões de euros.
E a banca?
Alguns setores da banca acabaram por alinhar no esquema, dizendo “está perdido, está perdido”. Houve várias atividades da banca que ajudaram a conduzir ao desastre. O PS está novamente a enveredar por um caminho dramático. Até agora é tido como o fiel da balança, uma vez que será o governo que vai reduzir o défice, que vai equilibrar as contas públicas. Mas já está a ser objeto de uma pressão política absolutamente inacreditável pelo PCP e BE. Se Passos Coelho não podia ofender as pessoas, o PS também não pode andar a negociar com todas as classes profissionais. Se continuar a governar assim, vai ter um problema sério num futuro próximo. O PS passou a deter o eleitorado do centro, e até agora funcionou bem, mas isso vai passar a ser mais difícil.
Esse eleitorado pode afastar-se?
Este é o governo do “toma lá, dá cá”, e o eleitorado do centro não quer isso, percebe que esta não é a forma certa de governar.
Mas está a dar aquilo que o PSD tirou…
Neste caso, nem foi o PSD que tirou. No caso concreto dos professores, até foi Sócrates. Maria de Lurdes Rodrigues retirou uma quantidade de anos a esta classe profissional e os professores aguentaram, mas depois voltaram a levar com cortes em cima. Apesar de tudo, admito que o PS governou com algum critério até agora. A questão que se coloca é se pode continuar, ou não, a fazer isso. Do meu ponto de vista, não pode.
Disse que o PSD poderia ter feito a verdadeira reforma do Estado. Para o leitor comum, o que significa isso?
Saber qual é a dimensão do Estado, saber se é possível ter Estado, por exemplo, na comunicação social, com o peso que temos.
Fala na privatização da RTP, por exemplo, que Passos tentou fazer?
Não é só a privatização da RTP. Um Estado deve prestar serviços, deve garantir que os problemas não acontecem, deve estar lá sempre que é necessário, deve estar atento a questões da saúde, justiça, segurança, etc. Além de tudo disto, é útil haver Estado? Estamos dispostos a pagar mais Estado? Esta é a grande discussão que nunca foi feita. É possível pegar neste Estado e cortar atividades que ele próprio desenvolve, com economia de meios…
Mas onde e como?
Um exemplo muito simples: para fazer a inscrição numa universidade é preciso ir buscar impressos a todos os serviços públicos. Tendo os serviços em rede, é preciso haver estas complicações? Do ponto de vista da armadura burocrática do Estado, é absolutamente possível fazer tudo com menos gasto e mais eficácia.
Para que isso aconteça, o Estado não tem de despedir pessoas?
Não é necessário despedir pessoas.
Se temos dez pessoas para tratar de um assunto e só precisamos de uma, nove estão a mais…
Basta que tudo seja programado com uma determinada distância. Os bancos fazem isso quando negoceiam a saída das pessoas. A dimensão do Estado tem de ser reforçada nas áreas em que se verifique que a resposta não é suficiente. É preciso haver vários institutos a fazer a mesma coisa, consumindo tempo às pessoas? Seria mais fácil fazer delegação de competências nas câmaras municipais. Tudo tem de ser feito para que as pessoas entendam que estas mudanças são feitas para elas e não contra elas.
Se fosse primeiro-ministro, que medidas tomaria para melhorar o país?
Definir aquilo que deve, ou não, continuar no Estado seria uma das primeiras discussões a ter.
Tem ideia dos setores que não devem estar a cargo do Estado?
A comunicação social… Gasta-se muito dinheiro nisso. Outro exemplo: é preciso criar institutos novos. Será que não é possível que os municípios tenham uma intervenção ativa naquilo que é a tentativa de moralizar e disciplinar as áreas que estão abandonadas? É possível. Outra questão, administrar de forma mais racional a área da saúde. Evidentemente que não pode deixar de ser tido em conta o facto de termos uma economia débil. Não consigo dar melhores exemplos que estes.
Foi governador civil, um cargo que desapareceu. Acha que foi bom acabar com os governadores civis?
Sim. Não significavam nada. Quando eu fui governador civil, a ideia com que fiquei é que esta era uma entidade que podia fazer tudo e nada. Já não era necessário existirem governadores civis. Agora existe a Proteção Civil, uma entidade que tem de assentar em câmaras municipais, em juntas de freguesia e em forças militares, e tem de ser comandada de forma eficiente.
E acha que não foi isso que aconteceu com toda a situação dos incêndios?
Evidentemente que não. Há coisas que têm de ser mudadas para que tudo passe a funcionar bem.
Está de acordo com a proposta que o governo irá apresentar?
Sim, estou.
… que os bombeiros voluntários fiquem só com as pessoas e bens?
Sim, é preciso profissionalizar a intervenção.
Como viu as reações do primeiro-ministro e da então ministra da Administração Interna à tragédia?
É evidente que aquela senhora já não “existia”. Aliás, não existia desde que aconteceu o primeiro problema. Só ficou porque Costa a manteve lá. Costa achou que devia manter tudo como estava para dar a entender que tudo corria bem, mesmo quando sabia que não corria. Tudo isto foi um erro crasso.
Foi secretário de Estado da Administração Interna. Como olha para a polícia hoje em dia, mais concretamente para aquele vídeo do polícia a ser agredido e a outra história da polícia que matou uma inocente?
É uma vergonha. Sempre achei que a polícia devia ser uma atividade olhada como dignificação.
Mas o que considera uma vergonha?
É uma cena degradante. Estava outro polícia ao lado, a ver tudo, e nada se fez. Acho absolutamente inacreditável.
E o que acha de a justiça ter libertado o homem que foi detido?
Bom, a justiça tem códigos próprios. Podem ser discutidas as decisões da justiça, mas temos de as acatar, concordando ou não – e, nesta situação, acho que ninguém concordaria com a libertação deste homem. A juíza ou o juiz responsável terá entendido que era a melhor solução. Do meu ponto de vista, não foi. Assim como toda aquela questão dos seguranças que bateram no outro rapaz. Aqueles tipos não podem gozar de liberdade condicional, têm de ser presos.
Porque decidiu sair da Câmara Municipal de Coimbra?
Por uma razão muito simples: eu tinha–me comprometido com o PSD a fazer dois mandatos, mas cheguei a uma altura em que estava a fazer um esforço muito grande e não estava a desempenhar as funções ao nível que já tinha desempenhado anteriormente, com dedicação total. Portanto, disse ao PSD que me queria ir embora, afirmando que sairia com lucro. Vim falar com Passos Coelho na altura e disse que não havia nada a fazer para me tirar essa ideia da cabeça. Dei espaço para que a pessoa a seguir pudesse fazer um bom trabalho e até propus um candidato. E foi assim a minha saída da câmara.
Este livro que lança agora tem, curiosamente, o nome “Vou por aqui, não vou por aí”.
José Régio, a determinada altura da sua vida, foi mais ou menos convidado pelo Partido Comunista para aderir. Escreveu uma peça muito interessante que é o “Não vou por aí”, que no fundo diz que concorda com um conjunto grande de situações, problemas que existem. E, no fim, tudo aquilo que ele quer é dar soluções alternativas, discutir vários problemas. Assim sendo, dou-me também nesta situação de tentar perceber, mas de não concordar.
Falando do PSD, já se percebeu que em princípio vai apoiar Rui Rio.
Não sei. Se ler o meu último texto do livro, há três coisas essenciais que o PSD deve fazer em relação à sua nova postura. Quer o PSD ocupar o seu espaço? Acho que o PSD não ocupou o seu espaço. Quer o PSD mudar de discurso? Quer o PSD mudar de registo? Sem resolver estas questões, vai continuar tudo na mesma.
Não vai votar?
Vou votar, certamente. O que estou a dizer é que na altura certa escolherei em quem votar.
O que pode mudar o seu sentido de voto daqui até às eleições?
O que pode mudar é a resposta a isto.
Concorda quando Rui Rio diz que não é à direita que o país se rege?
Rio deu uma resposta interessante, disse que o PSD não é da direita, o PSD é do centro, e é verdade. O PSD não pode ser identificado como um partido da direita.
Mas sempre foi.
Mas isso não se vê nas soluções de governo. Não há uma componente social-democrata essencial na atividade que desenvolveu.
Como define cada um dos candidatos à liderança do PSD?
Nesta altura temos um candidato eterno e um candidato intermitente. De facto, Santana Lopes é um candidato de sempre; já Rui Rio teve dias, umas vezes dizia que era candidato, outras dizia que não. Mas todos têm méritos e todos têm um passado político significativo. A questão é o que os separa um do outro.
Ainda não sabe o que os separa?
Sei.
Mas se sabe, também sabe em quem vai votar.
Sei o que quero, mas por isso é que tenho uma atitude expetante em relação aos dois. O Rio, ao ter dito o que disse, deixou-me contente, parece perceber uma das questões essenciais da afirmação política do PSD.
Neste momento está mais próximo de Rio…
Se ele me dá esta resposta e o outro não… estarei mais perto dele.
O que define o melhor e o pior de cada um deles?
É difícil dizer isso. Santana Lopes tem elementos muito interessantes do ponto de vista da tentativa de ligação às pessoas, é um cidadão mais emocional.
Tem mais afetos?
A questão não é de afetos, é mais emocional. É capaz de se ligar mais às pessoas, provocando nelas uma reação de adesão. O Rio é uma pessoa mais seca, menos pujante do ponto de vista da afirmação para captação de pessoas. Em termos práticos, Santana Lopes fez boas câmaras municipais e Rio também; portanto, este não é um elemento determinante. Quanto à competência, acho que Rio tem, inegavelmente, uma capacidade de administração melhor do que Pedro Santana Lopes.
Acha que Santana Lopes é um bluff enquanto número um?
Ele já teve uma experiência e a situação não foi muito brilhante.
Estamos a falar do período em que foi primeiro-ministro, certo?
Sim. Acredito que tenha feito, certamente, o melhor que podia, mas não correu bem.
Perante este cenário, como é que ainda diz que está indeciso? Acha que Rui Rio também é uma desgraça?
Não, o que eu estou a dizer é que a questão não são as pessoas, mas sim o que elas fazem. Se me disserem que vão fazer isto e aquilo, posso apoiar qualquer um deles.
Olhando para trás, para o passado de um e de outro, quem acha que cumpriu mais até hoje, politicamente?
É complicado comparar. Um foi primeiro-ministro e presidente de câmara e outro foi só presidente de câmara, mas, a nível de câmara, acho que Rio saiu com maior solidez que Santana Lopes, do ponto de vista da opinião pública.
E perante toda esta situação continua a dizer que está indeciso…
Sim, estou. Não tenho nada contra Pedro Santana Lopes nem contra Rui Rio, a questão não é a pessoa, é saber o que significam para o partido. Também não tinha nada contra Passos Coelho, mas colocava a questão se estaria a ser útil para o país ou não.
E acha que não foi?
Acho que ele foi útil para o país durante o seu primeiro governo, mas podia ter sido mais útil se tivesse feito algo que levasse a que o PS dificilmente governasse nos tempos mais próximos em vez de ter uma porta de entrada, como teve, por alguns exageros e algumas omissões que foram praticadas no seu governo.
Vítor Rainho e Maria Fernandes