Esta entrevista foi feita com condições. É só a propósito dos livros que publicou José Sócrates, nomeadamente a sua obra sobre a tortura e outra sobre drones. Foi à partida limitada pelo autor qualquer conversa sobre o processo. É preciso dizer que, depois de lidos os livros, para o jornalista, a conversa tem sentido: as obras abordam temas importantes de uma forma aprofundada. Trabalhei no “Jornal de Sexta” da TVI, dirigido por Manuela Moura Guedes. Sou jornalista e não sou juiz, cabe à justiça apenas apurar aquilo de que ele é acusado. Depois de falar com Sócrates em sua casa, apenas posso dizer que leu e estudou muito sobre os assuntos de que fala. Houve muita conversa para além da entrevista que ficará em off até o entrevistado decidir que quer falar em on. Quando comento que era governante na altura que o Ocidente resolveu matar Khadafi, conta uma história em off desta cimeira, mas para a entrevista diz que grande parte da política do Ocidente naquela região foi um enorme erro. E que, depois de semearmos bombas, vamos infelizmente recolher muitos estilhaços.
Há uma célebre distinção feita por Weber entre o político e o cientista. Depois de décadas de política ativa, o que o fez decidir começar a escrever e sobre questões políticas de incidência filosófica, com uma grande atualidade, mas em áreas que não tinham sido as áreas académicas em que estudou?
É muito fácil de compreender. Realmente, quem passou 30 anos na ação, porque é a ação que caracteriza a política, tem a necessidade de dar um passo atrás para tentar compreender e refletir. Quando estudei, nestes últimos anos, em Paris, pude compreender aquilo que é a grande diferença entre um político e um cientista. Um sociólogo é aquele que pretende tornar inteligível a sociedade, evidencia os pontos críticos que a podem descrever para melhor a compreender. Um político não tem essa ambição: olha sempre a sociedade com a vontade de a transformar.
Está quase a negar a velha tese de Marx sobre Feuerbach quando afirma que “os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Não estou a negá-la. Acho-a, aliás, um momento decisivo no pensamento ocidental, essa ideia de que o pensamento tem de ser um agente transformador e não apenas uma espécie de filosofia contemplativa que serve para descrever o que existe. É considerado um momento de rutura e de mudança no pensamento filosófico. Mas aquilo que eu quis dizer é mais uma reflexão pessoal. Ao fim de tantos anos de ação política, o facto de ter regressado aos clássicos e ter tempo para ler foi uma experiência muito agradável. E tive a felicidade de estudar numa das melhores universidades do mundo e com grandes professores. E isso obrigou-me a ler, mas também convivi com gente capaz de inspirar, de me atrair para áreas sobre as quais nunca tinha pensado.
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