Tem-se em conta sobretudo a imagem pública dos protagonistas – e algumas medidas mais mediatizadas – e não a capacidade para definir estratégias, coordenar equipas e atuar na sombra.
Ressalvando estas limitações, nesta altura em que o Governo chega a meio do mandato comparo os principais responsáveis dos governos de António Costa e Passos Coelho, começando pelos dois líderes.
Primeiro-ministro
António Costa é um político muitíssimo hábil, como se prova por ter conseguido meter no bolso durante dois anos o BE e o PCP – e satisfazê-los, ao mesmo tempo, a eles e a Bruxelas. Chapeau! Fez a verdadeira quadratura do círculo.
Mas isso teve como reverso da medalha uma navegação à vista, com a necessidade de equilibrar a cada momento o barco para evitar obstáculos. Neste período, Costa governou mais para satisfazer os parceiros do que para garantir o futuro. Olhou mais para dentro do que para fora. Foi sempre mais um tático do que um estratega, abdicando de fazer reformas.
Também teve a arte de fugir quase sempre aos problemas, atirando as responsabilidades para outros. E revelou-se um mestre na propaganda, puxando pelos bons resultados do Governo e conseguindo que os maus ficassem na penumbra.
Ao entrar no terceiro ano, Costa parece fraquejar, mostrando algum cansaço e fazendo cedências comprometedoras, como no caso dos professores. Os incêndios de junho e outubro podem tê-lo fragilizado, e a saída de cena de Passos Coelho colocou-o no centro do palco.
Pedro Passos Coelho foi obrigado pela História a ser o oposto de António Costa. Para evitar a bancarrota, teve de governar com os olhos no país e não no equilíbrio da coligação. Disse adeus às medidas populares (e daí a célebre frase «Que se lixem eleições!». Foi demasiado franco e cru nalgumas afirmações que fez, dizendo coisas que o perseguiram até ao fim (como aquela de ‘aconselhar’ os professores a emigrar).
Deu sempre o corpo à luta, e não soube preservar-se e fugir às dificuldades. Também não conseguiu valorizar o trabalho feito, deixando que a propaganda dos adversários prevalecesse quase sempre sobre os resultados que atingiu. Mesmo na oposição assumiu uma pose de Estado, contrastante com a de António Costa (que, como primeiro-ministro, assentou o combate político no ataque aos adversários).
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Apesar de ter sido adepto de «malhar na direita», Augusto Santos Silva no Palácio do Rilvas revelou-se um diplomata inteligente, hábil e eficaz. Parecendo a quilómetros de distância de Paulo Portas, que exerceu o cargo no Governo anterior – pois pertencem a áreas políticas diferentes (um da esquerda, o outro da direita), cresceram em ambientes diferentes (um do Norte, o outro do Sul) e são de idades diferentes – têm mais em comum do que se pensa. Colocam ambos o pragmatismo à frente da ideologia, são moldáveis e rápidos a pensar, e têm peso político e influência nas áreas em que militam. Curiosamente, antes de irem para os Negócios Estrangeiros, foram ambos ministros da Defesa. No atual cargo, Santos Silva teve que resolver o caso bicudo das agressões dos filhos do embaixador do Iraque – e saiu-se airosamente.
Ministério das Finanças
Mário Centeno começou por ser o ‘patinho feio’ do Governo mas tornou-se num ápice o ‘Ronaldo das Finanças’. A propaganda, os bons resultados e a pontaria nas previsões tornaram-no um ministro respeitado cá dentro e lá fora, e até simpático – em contraste com Vítor Gaspar, que era quase odiado no país, apesar de ter evitado a bancarrota e garantido o pagamento aos funcionários públicos, mercê de uma gestão implacável.
Maria Luís Albuquerque, que lhe sucedeu, teve um percurso mais semelhante ao de Centeno: começou por ser vista com desconfiança, mas acabou com uma imagem de firmeza e competência, respeitada pelos adversários. Outra coincidência: Maria Luís foi convidada para Bruxelas por Juncker, Centeno é falado para o Eurogrupo.
Ministério da Defesa
Azeredo Lopes é um dos ministros ‘queimados’ deste Governo – e não pelos fogos. Teve o enorme azar de lhe cair em cima o caso de Tancos, onde foi muitíssimo inábil. Nem o facto de ter sido presidente da ERC – portanto, teoricamente, um especialista em comunicação social – evitou que se mostrasse desastrado a comunicar, sendo alvo de anedotas. O ministério ficou, assim, a perder em relação a Aguiar-Branco (um homem também vindo do Porto), que saiu com muito melhor imagem – apesar do caso dos estaleiros de Viana, que foi um bico-de-obra.
Ministério da Administração Interna
É muito curiosa a evolução da Administração Interna nos dois governos. Neste, começou com uma académica (Constança Urbano de Sousa) e acabou com um político (Eduardo Cabrita). No Governo anterior, começou com um politico (Miguel Macedo) e acabou com uma académica (Anabela Rodrigues). Evoluções simétricas, portanto. Mas o facto de ter começado com uma teórica revelou-se fatal para este Governo – pois os terríveis fogos de Junho e Outubro puseram a nu a gritante falta de vocação operacional da ministra. E o arrastamento da demissão só a prejudicou. Miguel Macedo também saiu mal, por causa dos Vistos Gold, mas Constança saiu muito pior, pois houve mortos. Mais de cem.
Ministério da Justiça
Francisca Van Dunem e Paula Teixeira da Cruz são muito diferentes na aparência – uma é loura e branca, a outra negra, uma remete para o Norte, a outra para o Sul – mas estas diferenças apenas escondem semelhanças noutros aspetos. São as duas diretas, frontais, determinadas e pouco faladoras, secas mesmo. Não gostam muito dos holofotes e também não são dadas à demagogia. Aparentam ser sérias e trabalhadoras. Só que, enquanto uma quis fazer reformas, quase revolucionando a área, a outra não só não quer reformar como reverteu medidas já em prática. Mas isso não é culpa da ministra mas da postura assumida pelo Governo.
Ministério da Educação
Tiago Brandão Rodrigues e Nuno Crato estão nos antípodas. O primeiro comportou-se como um talibã, destruiu tudo o que o anterior ministro tinha feito numa área em que a estabilidade é fundamental. De início pareceu um aliado de Mário Nogueira, fazendo tudo o que este pedia, mas o idílio acabou na greve dos professores – mostrando que fazer todas as vontades a uma classe não é um bom caminho, pois as pessoas querem sempre mais. Enquanto Crato foi um ministro criativo, que procurou instalar no ensino uma cultura de exigência e restabelecer a disciplina nas escolas, Tiago Brandão voltou ao facilitismo. Quer em relação aos alunos, quer em relação aos docentes. No cotejo, o Ministério da Educação ficou a perder.
Ministério da Segurança Social
José António Vieira da Silva e Pedro Mota Soares, não parecendo, também têm características comuns: combinam algum peso político com experiência (e gosto) nas áreas em que atuam. Com mais traquejo o primeiro, com humildade e boa vontade o segundo. Também neste ministério se verificou um fosso de gerações na passagem de um Governo para outro – com o mais velho a suceder ao mais novo, como quase sempre aconteceu.
Ministério da Saúde
Adalberto Campos Fernandes e Paulo Macedo projetam ambos uma imagem serena, responsável, equilibrada, que transmite confiança numa área em que a confiança é fundamental. Pena foi a bizarra ideia de mudar o Infarmed para o Porto, que não deve ter saído da cabeça deste ministro mas sim de António Costa, que anda um tanto desnorteado. Descontando esta escorregadela, Adalberto tem sido um bom continuador da herança de Macedo, que teve a tarefa ingrata de reduzir drasticamente a despesa com o SNS sem o comprometer..
Ministério da Economia
Manuel Caldeira Cabral parece um ministro que está sempre a mais. Que não está confortável naquela pele. E a que os outros ministros não ligam muito. O seu trabalho também não se vê, pois a economia tem crescido sobretudo com o turismo. Dos seus antecessores, Álvaro Santos Pereira também parecia um outsider, um peixe fora de água, mas tinha mais protagonismo e dava nas vistas. Já Pires de Lima, que sucedeu a Santos Pereira, era um ministro da Economia de perfil completamente diferente: pragmático, realista, com peso político. Nesta pasta, este Governo também ficou a perder.
Ministério do Ambiente
Embora também distantes na aparência e no percurso (o atual ministro, José Matos Fernandes, quando foi para o Governo era um técnico quase sem experiência política, e o antecessor, Jorge Moreira da Silva, fora número dois do PSD), aproximam-se como pessoas e na relação com o cargo. Ambos parecem sérios, discretos, avessos à demagogia e conhecedores da área que tutelam.
Ministério da Agricultura
Mais uma vez há um fosso geracional entre este ministro e o antecessor. Capoulas Santos é um velho conhecido da área, Assunção Cristas era uma novata. Ele é um tarimbeiro traquejado, ela era uma principiante. Ele é um homem dos subsídios de Bruxelas, ela puxava pelos jovens agricultores. Ele remete para o passado, ela apontava para o futuro. É necessário reconhecer que Cristas arregaçou as mangas e deu um novo arejamento à área, pondo a agricultura no mapa, pelo que o país ficou a perder com a troca.
Em conclusão: enquanto o Governo anterior fez reformas mesmo pondo em causa a coligação (como se viu no episódio do ‘irrevogável’), este Governo tem a posição oposta: não faz reformas para não pôr em causa a ‘geringonça’. E cede em momentos capitais, como agora sucedeu com os professores
Os ministros correspondem a esta estratégia, tendo um perfil conservador – e sendo quase todos mais velhos. Dos 28 nomes citados neste texto, só 4 ministros de Passos Coelho, quando tomaram posse, eram mais velhos do que os seus homólogos deste Governo: Nuno Crato (59), Miguel Macedo (57), Vítor Gaspar (51) e Pires de Lima (49).