Fundada em 1964, a Espaço tem no rés-do-chão a zona de papelaria, com material escolar, canetas, cartolinas e brinquedos. Do lado oposto à entrada encontra-se uma escada que conduz a uma livraria na cave que tem a vantagem de não estar tão atualizada como as das principais cadeias, o que permite encontrar títulos diferentes – e, frequentemente, mais interessantes.
Foi aí que, há uma semana, dei de caras com a capa de um livro que há algum tempo fazia tenções de comprar: ‘Paul Cézanne por Élie Faure seguido de O que Ele me Disse por Joachim Gasquet’. Na verdade, trata-se de dois livros reunidos num só volume: o primeiro, um ensaio sobre o pintor francês, da autoria de «um médico, mas sobretudo escritor que em jornais, revistas e livros pensava a arte», como o define o tradutor Aníbal Fernandes na Apresentação; o segundo, uma reunião de diálogos e excertos de cartas de Cézanne, que ali fala na primeira pessoa sobre a sua arte e a arte dos outros.
O texto de Élie Faure mostra um homem velho, rezingão e incompreendido, com pouco jeito com a vertente mais mundana da vida e profundamente ligado à paisagem da sua terra, Aix-en-Provence, da qual pouco saiu.
O testemunho de Gasquet, poeta hoje quase esquecido, está dividido em três partes. A primeira decorre ao ar livre, na natureza, cuja essência (e não uso esta palavra à toa) Cézanne tentou captar através da cor nas suas telas; a segunda no Louvre, onde comenta magistralmente a célebre Vitória de Samotrácia ou a pintura de Ingres – «É muito bonito, mas não chega»; e finalmente entramos no seu ateliê, com o pintor a terminar o retrato do pai do escritor, de quem era amigo, ambos em amena cavaqueira.
Resumindo: estas 149 páginas oferecem-nos uma janela extraordinária para compreender a pintura de Cézanne e as suas intenções. Mas sobretudo permitem ressuscitar a sua voz, tornando cada leitor a testemunha privilegiada das lições de um dos fundadores da arte moderna.