Sabemos mesmo qual é o teor de açúcar dos produtos que consumimos? O tema teve algum destaque no parlamento na semana passada, quando o deputado do PAN André Silva alertou que alguns refrigerantes tributados pelo imposto do açúcar, que entrou em vigor este ano, têm menos açúcares adicionados que os leites achocolatados, que escapam à “sugar tax”. Um estudo da Cooperativa de Ensino Superior Egas Moniz, a que o i teve acesso, também procurou recentemente medir as perceções dos jovens, no caso dos futuros profissionais de saúde. Concluiu que nem sempre os produtos que conotamos como sendo mais doces são os que têm mais açúcar.
Na realidade, concluiu o trabalho, os estudantes de saúde chegam até a pensar que as bebidas açucaradas têm mais açúcar do que o teor real. E apesar de 45,6% dos inquiridos ainda as comprarem pelo “gosto doce”, igual percentagem diz que não compra.
A Coca-Cola, por exemplo, tem para a média dos 193 estudantes inquiridos de áreas da Saúde como Medicina, Medicina Dentária ou Nutrição, 14 gramas de açúcar por cada 100 mililitros (ml). O valor real é 10.2 gramas. Já quanto ao Lipton Ice Tea, com 4.7 gramas de açúcar por 100 ml, os mesmos inquiridos estimaram mais do dobro – 10 gramas.
Mas o estudo mostra também que as bebidas mais saudáveis, como o Tisanas Pleno ou as águas com sabores, têm, na perceção dos inquiridos, menos açúcar do que o teor real. Cerca de um grama separa a diferença entre os valores médios estimados e os valores reais.
Maria Fernanda de Mesquita, endocrinologista e coordenadora do estudo realizado pelo Laboratório de Bioquímica (BIOQUILAB) do Centro de Investigação Interdisciplinar Egas Moniz (CiiEM), sublinha ao i que o consumo de bebidas açucaradas “é um problema de saúde pública” e tem vindo a aumentar. Apesar de justificar a diferença entre a perceção e o valor real com o hábito do consumo, a coordenadora lembra que a perceção é um “fenómeno complexo”, dependente de vários elementos.
Mais consciência quanto aos efeitos do açúcar?
Os futuros profissionais de saúde estão conscientes de que o açúcar faz mal, mas continuam a consumir bebidas açucaradas. Questionados sobre o motivo de compra de bebidas açucaradas em vez de água, 45,6 % dos inquiridos disse que não o faz mas uma percentagem idêntica deu o “gosto doce” como justificação.
Note-se que esse consumo é, no entanto, moderado: a maioria dos estudantes que admitiu consumir estas bebidas, fá-lo uma, duas ou três vezes por mês.
Para Maria Fernanda de Mesquita, este resultado reflete uma “maior consciencialização quanto aos efeitos do açúcar na saúde”. A coordenadora considera contudo que há mais que pode ser feito para lançar o alerta, como “começar pelas crianças, nas escolas, com campanhas de prevenção”. No entanto, a coordenadora também ressalva que a educação e formação alimentares começam em casa, lembrando que historicamente a sociedade portuguesa tem enraizado o culto dos doces.
“Se nunca tivéssemos experimentado alguma coisa doce não conheceríamos esse sabor”, afirma, defendendo que o palato pode ser treinado e que reduzir o consumo de bebidas açucaradas é uma questão de hábito.
A investigadora defende, contudo, que não é possível transpor os resultados do estudo para a população em geral, não só por não ser essa a inquirida, mas também porque os estudantes da área da saúde estão tendencialmente mais despertos e informados sobre as possíveis consequências do consumo de açúcar para a saúde.
Entretanto, por estes dias, um artigo publicado na revista “PLOS Biology” veio sustentar uma suspeita levantada por várias vozes ao longo de décadas: a de que a indústria do açúcar escondeu, durante anos, a ligação entre algumas doenças e o consumo de açúcar, conhecida supostamente desde a década de 60. Na investigação, os técnicos analisaram diversos documentos antigos da indústria do açúcar e descobriram que a Sugar Research Foundation (SRF) financiou uma investigação para avaliar os efeitos da sacarose na saúde cardiovascular. Mas o estudo nunca chegou ao fim. Perante a evidência de uma conexão entre a sacarose e doenças cardíacas e cancro da bexiga, a Sugar Research Foundation (SRF) decidiu interromper o projeto. Os resultados nunca foram conhecidos.
A importância dos rótulos
A consulta dos rótulos por parte dos inquiridos nestes estudo em Portugal é prova de que há cada vez mais atenção, pelo menos entre os jovens, àquilo que se consome.
A maioria dos envolvidos considera importante, muito importante ou extremamente importante para a saúde a consulta de informação nutricional nos rótulos das bebidas.
O mesmo é válido para a consulta, em específico, da informação sobre a quantidade de açúcar. Mesquita nota que, para tal, “foi determinante a obrigatoriedade da rotulagem”, mas denuncia que continua a haver “um défice de formação de leitura de rótulos”.