Princípios dos anos 90. Eu era uma miúda e estava a cobrir para o Público umas jornadas parlamentares do PSD. Um dos pontos de paragem era a Sonae do Belmiro de Azevedo. Num dos intervalos, resolvi ir fazer umas perguntas ao Belmiro, não me lembro quais. Mas achava que era importante para a reportagem falar com ele. Aproximou-se outro colega. Lá fizemos as perguntas.
No fim, o Belmiro diz: de onde vocês são? Eu disse que era do Público, o meu colega disse que era da Rádio Nova, que era também propriedade do Belmiro.
E então Belmiro disse:
– Mas isto é uma vergonha! Podem pensar que fui eu que pedi para vocês falarem comigo! A sério,.isto é muito mau.
– Mau porquê? Fomos nós que quisemos.
Belmiro abanava a cabeça.
Foi a única vez que falei com Belmiro de Azevedo.
Anos mais tarde, Belmiro é chamado a uma comissão parlamentar e impõe aos deputados uma reunião às oito da manhã. Discutia-se na redação que se o Público fosse um jornal livre teria coragem para dizer mal do patrão que estava a ser indiscutivelmente populista.
Eu disse que escrevia a dizer mal do patrão. Escrevi.
Como qualquer visado em textos de opinião, Belmiro de Azevedo mandou uma carta ao diretor de então, José Manuel Fernandes, a protestar com o que considerava uma injustiça. Apenas. Não se passou mais nada. Não fui prejudicada na minha vida profissional no Público.
Este é "o" Belmiro que eu recordo e que ao ter fundado o Público, e ao chamar o Vicente Jorge Silva e a sua equipa para fazerem um jornal inquieto, que quebrava tabus, que ousava e era o mais anti-institucional possivel, fez a minha vida mudar radicalmente. Devo a Belmiro uma grande parte da minha felicidade na vida.