Os irmãos gémeos Tyler e Cameron Winklevoss, conhecidos por terem acusado Mark Zuckerberg de lhes ter roubado a ideia do Facebook, conseguiram obter dividendos financeiros na ordem de mil milhões de dólares (840 milhões de euros) com a venda de bitcoins. Acredita-se que é a primeira vez que investidores conseguem obter rendimentos desta ordem na história da moeda, perfazendo um marco histórico.
Depois de terem chegado a acordo com Zuckerberg por 63 milhões de dólares (52 milhões de euros), os irmãos gémeos decidiram aventurar-se no mercado da bitcoin. Para tal, criaram um fundo de investimento e apostaram, em 2013, cerca de 11 milhões de dólares (nove milhões de euros) na moeda digital. O investimento deu frutos e na semana passada tiveram um retorno na ordem dos 10 mil por cento, depois do aumento brutal no valor da moeda digital, que alcançou os 11 395 dólares (9580 euros) por unidade. Os milionários não divulgaram quantas bitcoins possuem, mas calcula-se que seja na ordem das 100 mil unidades. Pressupõe-se que apenas uma mão-cheia de investidores possuam investimentos na bitcoin acima de mil milhões de dólares. Um dos mais conhecidos e misteriosos investidores, e seu criador, um anónimo que assina Satoshi Nakamoto, é uma dessas pessoas.
“Nunca vendemos uma bitcoin, estamos nisto a longo prazo”, disse Cameron Winklevoss em 2015 ao jornal britânico “The Daily Telegraph”. Por sua vez, o seu irmão, Tyler, afirmou ao mesmo jornal que a bitcoin “é uma versão melhorada do ouro”. E, por acaso, parece ter razão. Resta saber em que moldes essa corrida à nova moeda acontecerá.
Mais que uma moeda?
Criada no seguimento da crise financeira de 2007-8 pelo programador anónimo Satoshi Nakamoto, a bitcoin é uma criptomoeda digital descentralizada, ou seja, funciona com o seu próprio sistema económico alternativo no ciberespaço. A moeda permite transações financeiras sem intermediários que, por sua vez, ficam gravadas num banco de dados descentralizado, o blockchain.
A ausência de uma entidade administradora central impossibilita que qualquer governo ou banco central consiga regular ou manipular o valor da bitcoin com políticas monetárias. O valor da moeda digital advém pura e simplesmente da lei da oferta e da procura, sendo permeável a movimentos especulativos. É por isso mesmo que tem suscitado imensa controvérsia e ceticismo por parte das instituições financeiras e bancárias mundiais, que a entendem como um risco para a estabilidade do sistema financeiro, para além das suas potencialidades para a prossecução de práticas ilícitas, como lavagem de dinheiro, caso venha a ganhar uma maior dimensão. “Embora essas moedas digitais não possam representar grandes preocupações nos seus atuais níveis de uso, podem resultar em problemas de estabilidade financeira mais graves se conseguirem ser usadas em larga escala”, disse Randal Quarles, membro do Conselho da Reserva Federal.
A própria natureza da moeda digital tem colocado imensas dificuldades aos reguladores, nomeadamente aos norte–americanos, responsáveis pelo epicentro da finança global. “A bitcoin, uma moeda virtual, é um bem diferente de qualquer outro com que a comissão já teve de lidar no passado”, disse Chris Giancarlo, presidente da agência norte–americana Commodity Futures Trading Commission (CFTC), instituição que regula contratos de vendas. “Esperamos que as bolsas, através do acordo de partilha de informações, acompanhem a atividade de negociação nas plataformas de negociação”, complementou.
Se a CFTC considera que a regulação da bitcoin é uma tarefa da sua jurisdição, também assim o entendem outras agências norte-americanas, como a Securities and Exchange Commission, o Internal Revenue Service (IRS) e o Departamento do Tesouro. Em 2015, a CFTC declarou a moeda um bem, mas o desacordo continua. “Também o IRS afirma que a bitcoin é propriedade; o SEC diz que, por ser uma moeda, é uma security; e o Departamento do Tesouro diz que é um ‘instrumento monetário’”, afirmou Adam White, diretor-geral da bolsa de câmbio GDAX. No final, o choque de jurisdições permite a continuação da desregulação. Acrescente-se ainda o facto de as leis de regulação monetária terem sido escritas e aprovadas há décadas, fazendo com que não estejam preparadas para os novos desafios das moedas virtuais do séc. xxi.
Os ventos mudaram
A situação parece ter começado a mudar de há um ano para cá, quando a moeda virtual começou a atrair milionários e fundos de investimento de risco e a ser negociada em quatro bolsas de câmbio – BitStamp, Gdax, itBit e Kraken. Acrescente-se ainda que, na sexta-feira passada, o regulador norte-americano da Bolsa de Nova Iorque autorizou a Chicago Mercantile Exchange a negociar a moeda em Wall Street, legitimando-a aos olhos do mundo. Curiosamente, muitos banqueiros têm acusado a moeda de ser uma “fraude” e uma “bolha prestes a rebentar”, como é o caso do presidente executivo do J. P. Morgan, Jamie Dimon.
Só este ano, a bitcoin ganhou valor na ordem dos 900%, aumentando, por sua vez, a sua procura entre os investidores institucionais. “Com a bitcoin perto dos 10 mil dólares (8 mil euros), há muitos utilizadores que se sentem, por fim, vingados de a sua moeda ter sido ridicularizada durante anos. Está finalmente a ser levada a sério”, disse Sol Lederer, diretor da empresa LOOMIA, especializada na moeda digital. “O futuro da bitcoin ainda é incerto por enfrentar sérios problemas técnicos e a competição de moedas novas e mais sofisticadas. Mas mesmo que colapse, é evidente que a bitcoin está cá para ficar”, complementou. Uma das vozes que defendem o colapso da moeda é precisamente a do laureado com o Prémio Nobel da Economia Robert Shiller, que previu a bolha dot-com, entre 1997 e 2001, e a bolha do mercado imobiliário norte-americano de 2008. Shiller acredita que a bitcoin irá criar uma bolha especulativa, “o melhor exemplo neste momento” deste risco para a finança mundial. A bitcoin poderá bem ser a origem da crise que muitos acreditam estar a chegar. Resta saber quando e como.