Quando, na ressaca das eleições federais alemãs, realizadas no final do mês de setembro, Angela Merkel surgiu no topo das preferências do eleitorado para assumir o cargo de chanceler pela quarta vez consecutiva, no resto da Europa respirou-se de alívio. No final de um ano eleitoral em que a extrema-direita moldou o debate público europeu e aumentou a sua representação nos diversos parlamentos regionais e nacionais do continente, e dados os primeiros passos pós-crise financeira, a vitória da líder da CDU foi recebida como garantia de estabilidade e com a certeza de que, pelo menos na maior economia europeia, não haveria espaço para indefinição, logo que iniciadas as negociações para um novo governo.
Mas na Alemanha, pragmática e objetiva, a interpretação foi diferente. Sem maioria, sem o apoio do SPD para renovar a “grande coligação” e obrigada a conversar com os antagónicos FDP e Verdes, como poderia Merkel continuar a apregoar segurança?
Elisabeth Botsch não escondeu a perplexidade face à situação incerta e inédita vivida na Alemanha quando recebeu o i e outros meios de comunicação de Portugal, Espanha, Itália e Grécia na Academia Europeia de Berlim (EAB) – uma associação, com sede na capital do país, que promove o estudo e a disseminação de conhecimento sobre a Europa e a União Europeia.
Tal como a grande maioria dos alemães, também a diretora do programa de seminários da EAB, especialista em Ciência Política e professora na Universidade de Economia e Direito de Berlim, nos confessou que num país que “vê em Merkel uma figura ímpar de estabilidade”, e que tem apresentado excelentes resultados económicos, é difícil não olhar para o falhanço das negociações entre CDU, CSU – o partido-irmão dos democratas-cristãos da Baviera -, FDP e Verdes, e perceber que poderá ter de se optar por um executivo minoritário ou por novas eleições, com uma grande dose de “incredulidade” e “incómodo”.
Questionada sobre o porquê do fracasso nas negociações com vista à formação de uma coligação de governo “Jamaica” – assim referida entre os alemães pela associação entre as cores dos três partidos e a bandeira daquele país -, Botsch encontra um “culpado”, que apenas prolongou expetativas de alemães e europeus porque permitiu que as conversas se arrastassem até ao último segundo. “Acredito que, desde o primeiro momento, o FDP nunca quis fazer parte da coligação. Só abandonou as negociações mesmo no final do prazo porque [Christian] Lindner [líder do partido] estava à espera que a CDU, a CSU e os Verdes não conseguissem entender-se. Mas eles fizeram um esforço enorme para alcançar um compromisso e o FDP teve mesmo de se afastar”, explica a académica.
Para Elisabeth Botsch, grande parte da indisponibilidade dos liberais para entrar numa solução de governo prendeu-se com o descalabro do partido nas eleições que se sucederam à sua participação num executivo liderado por Merkel: “Lindner é um político ambicioso que necessita de tempo para reposicionar o FDP, que tenta recuperar de um pesadelo. Depois da coligação CDU/CSU e FDP, entre 2009 e 2013, o partido teve o seu pior resultado eleitoral de sempre – menos de 5% dos votos – e deixou de estar representado no parlamento alemão.”
A académica alemã coloca agora sobre os ombros do presidente Frank-Walter Steinmeier – “neste cenário inédito, convertido pela Constituição no mais poderoso político da Alemanha” – a difícil tarefa de decidir entre uma solução de governo minoritário e a realização de novas eleições, duas hipóteses nunca experimentadas na Alemanha do pós-guerra.
Isto caso as conversas entre SPD e CDU não cheguem a bom porto. Mesmo deixando nas mãos do partido a palavra final sobre qualquer próximo passo, Schulz acedeu a ouvir Merkel e encontrou-se com a chanceler, a fim de tentar perceber quais os seus planos para desbloquear a situação. “Existe uma enorme pressão sobre o SPD para voltar a juntar-se à CDU numa grande coligação. Será uma enorme decisão aquela que o partido tem de tomar”, considera a professora.
Colocada perante um eventual cenário de eleições antecipadas, Botsch mostra-se pouco entusiasmada com a ideia e acredita que a grande maioria dos membros dos partidos que poderão fazer parte da solução governativa partilham o mesmo sentimento. “Tirando o FDP e a ala mais à esquerda do SPD, ninguém é verdadeiramente a favor de novas eleições”, diz a diretora de programas da EAB. Além disso, adianta, mesmo que estas venham a realizar-se, “dificilmente alterarão a situação de bloqueio político de forma substancial”.
Têm a palavra Angela Merkel e Martin Schulz.