“Tu vais arrepender-te de não teres filhos.” Foi com estas palavras, ouvidas em 2007, que Orna Donath, hoje com 41 anos, se lançou numa investigação sobre o desejo de ser ou de não ser mãe, entrevistando mulheres que aceitaram falar sobre isso num país pró-natalidade, como descreve Israel. Da demanda nasceria uma publicação científica, um grupo de apoio na Universidade Ben-Gurion, em Neguev, e o livro “Mães Arrependidas”, editado este ano em Portugal. “Recebi algumas mensagens de mulheres portuguesas e muitas mais de diferentes países. É muito importante para mim saber que foi importante lerem o livro – algumas por que são mães arrependidas, outras porque não são mães mas estão sob fortes pressões para o serem”, contou ao i, numa entrevista por email.
O que a surpreendeu mais depois de falar com mães arrependidas?
Não me surpreendeu ouvir nada por parte das mães que participaram. O que me surpreende, embora não muito, é como é que nós, enquanto sociedade, nos recusamos a reconhecer que o arrependimento – que é uma das atitudes emocionais humanas que pode acompanhar qualquer tomada de decisão ou relação – pode surgir depois de uma pessoa se tornar mãe. A maternidade é uma relação e pode alterar a vida de uma mulher em aspetos que podem não ser previsíveis um segundo antes de a criança nascer, por isso para mim faz sentido que haja mulheres que depois disso pensem e se arrependam de se terem tornado mães. Se não tratarmos a maternidade como um reino mágico e se tratarmos as mães como seres humanos, teremos de compreender que mulheres de carne e osso podem pensar que cometeram um erro.
Ainda assim, não se surpreende muito.
Não, porque percebo que é perigoso para as sociedades reconhecerem a existência do arrependimento da maternidade. Reconhecer isso significa repensar muitas das normas sociais que são altamente benéficas para as nações: economia, lógica capitalista e interesses patriarcais. Por isso, muitas sociedades nunca vão parar de transmitir a ideia de que a maternidade é uma questão de natureza: que é natural para as mulheres quererem ser mães porque são fêmeas, que é natural saberem o que fazer quando uma criança nasce porque são fêmeas e que é natural uma mulher considerar que a maternidade é uma mudança na vida que vale a pena porque essa é a essência da sua existência, porque é fêmea.
Sente que agora as mulheres começam a falar mais abertamente sobre este sentimento?
Não acho que todas as pessoas consigam falar mais abertamente de se arrependerem da maternidade ou paternidade, talvez algumas consigam falar mais do que antes. Para conseguirmos falar tem de haver uma mudança no discurso em torno da maternidade, e isso leva tempo, se é que vai acontecer.
Uma das ideias no seu livro é que algumas mulheres não querem ter filhos mas não é por causa da carreira, é precisamente o contrário, para não se sentirem forçadas a ter uma carreira. É a recusa do estereótipo de supermulheres?
Há vários problemas com essa equação “maternidade versus carreira”. Primeiro, resulta da noção de que, se queres ser mãe, és uma “mulher a sério”, e se não queres “não és uma mulher a sério”, e por isso és como um homem e provavelmente queres ter uma carreira (que é algo que ainda é mais associado aos homens). Há uma falta de perceção de que as identidades das mulheres são muito diversas, já que muitas de nós não querem ser mães nem ter uma carreira. Segundo, a equação assenta em parte na ideia de que, se não queres ser mãe, então tens de revelar sucesso de outra forma. Anseio pelo dia em que as mulheres possam não ser mães sem terem de provar alguma coisa em troca. Em terceiro lugar, há mensagens contraditórias: antes de uma mulher ser mãe dizem–lhe que a principal essência da vida, senão a única, é ser mãe. Depois, se a mulher decide ficar em casa e só cuidar do filho, dizem-nos para “não desistirmos de nós”, como se ser mãe não fosse suficiente. Em que ficamos? Por fim, há muitas mulheres de diferentes grupos sociais que nunca conseguirão ter uma carreira mesmo que queiram. Portanto, este frente-a-frente entre carreira e maternidade não reflete necessariamente as experiências de todas mulheres.
Outra conclusão do seu trabalho é que mesmo quando há todos os apoios à maternidade, há pessoas que não vão querer ser mães porque não precisam disso para ser completas.
Sim. Definitivamente, a maternidade não é o caminho natural para todas as mulheres. O facto de termos os mesmos órgãos reprodutores não significa que tenhamos os mesmos sonhos, fantasias, desejos, necessidades. Para mim tem toda a lógica que algumas mulheres queiram verdadeiramente ser mães e outras não.
Que argumentos tem mais dificuldades em rebater?
Nenhum, porque não quero estabelecer uma verdade para todas as mulheres. O objetivo é que todas as mulheres tenham um lugar no mapa.
Partilha no livro que não quer ter filhos. Nunca mudou de ideias?
Sei desde os 16 anos que não vou ser mãe. Tenho 41 e continuo a sentir o mesmo. Para mim, é tão certo não ser mãe como para outras mulheres o certo é serem mães. Estou numa relação, mas este meu conhecimento sobre mim nunca dependeu de eu ter um parceiro ou não.
Imagino que receba muita correspondência de leitores, já que é um tema pouco falado. Recebeu emails de leitoras portuguesas quando o livro saiu cá?
Recebi algumas mensagens de mulheres portuguesas e muitas mais de diferentes países. É muito importante para mim saber que foi importante lerem o livro – algumas porque são mães arrependidas, outras porque não são mães mas estão sob fortes pressões para o serem. É muito importante para mim saber que o livro é uma boa companhia e um alívio, não podia pedir mais.
Na universidade coordena um grupo de apoio a mulheres chamado “Ser ou não ser mãe”. Como funciona?
Entre julho e setembro moderei dois grupos de mulheres que não têm a certeza se querem ser mães ou não. Encontrei–me com elas durante dez semanas, dez sessões. A ideia não era encontrar uma resposta, mas partilhar o respeito pela pergunta e criar um espaço para a indecisão, já que não existe muita margem para suscitar a pergunta numa sociedade que tem a certeza de que todas as mulheres querem ser mães e sê-lo-ão de certeza.
Em Portugal temos uma crise de natalidade e as pessoas até costumam dizer que gostavam de ter mais filhos, mas não conseguem. Mesmo que uma mulher não queira ter filhos, essa escolha não será mais livre num país onde haja apoio à maternidade?
Concordo completamente que os países deviam fazer mais para apoiar as pessoas que querem ser pais. Um país não deve incentivar as pessoas a terem filhos e depois abandoná-las para o enfrentarem sozinhos e assumirem as consequências económicas. Germaine Greer escreveu que os países adoram nascimentos, mas não as crianças.
As pessoas podem arrepender-se da maternidade e ainda assim serem boas mães, disseram-lhe algumas mulheres. Que mensagens gostava que ficassem desta investigação?
O primeiro objetivo foi reconhecer que o arrependimento da maternidade existe e que é mais comum do que as pessoas pensam. As sociedades tendem a responder a este arrependimento sobretudo negando a sua existência, e reconhecê-lo pode ser crucial para o bem-estar das mulheres que se sentem assim, para que não se sintam uns monstros. Acho que também pode beneficiar as crianças se as suas mães se sentirem menos culpadas e mais humanas. Mas reconhecer isto também é essencial para a sociedade, para que possa repensar a tremenda pressão que coloca sobre as mulheres para serem mães e para as mulheres sentirem o que “devem” sentir. Se as pessoas falarem honestamente, cada vez haverá mais mulheres a poderem decidir por si próprias se querem ser mães ou não e a poderem dizer o que sentem sem serem condenadas. Acho que, de certa maneira, não é o arrependimento que causa sofrimento, mas a forma como a sociedade reage a isto. Não quero glorificar o arrependimento, mas acabar com a sua condenação. Arrepender-se é humano e as mães são seres humanos.