Na opinião comum reside a ideia de que, em Portugal, houve uma revolução. Só a austeridade na poupança das palavras permite definir assim a realidade.
Houve duas. A primeira derrubou um regime, a segunda inviabilizou a conquista do poder por quem achava que a democracia plena é um luxo.
É a verdade incómoda que o dia 25 de Novembro traz à tona de água.
A televisão, pública e única tal como era, sugeria um convite à sua conquista como instrumento de poder. Tal como o foram os jornais e a rádio.
O modelo era o pensamento único. A ameaça, a pressão psicológica, o saneamento eram outras armas. O verdadeiro revolucionário ou era bacteriologicamente puro, ou não servia.
A educação política do povo devia fazer-se em campanhas de dinamização ideológica.
A televisão era essencial porque a sua mensagem chegava a um número maior e com a prevalência da imagem repetida. Portanto, era natural e normal que ela fosse um dos principais pontos de combate.
Questão capital – a eleição da Constituinte.
Mais uma vez as duas teses: os que a queriam e os que não a desejavam.
Recordo-me bem de uma tentativa desesperada de provocar a abstenção. Vi veículos militares distribuírem folhetos de propaganda à não participação dos eleitores.
Tempo depois veio o cerco à Assembleia Constituinte. Constituição sim, porque inevitável, mas moldada ao figurino conveniente, era o desiderato.
Nasceu, por fim, o texto.
Dois fatores influenciaram este resultado: nesse ano, Novembro teve um dia 25, a vontade maioritária do povo não se vergou.
Ao acompanhar o que dizem os textos escolares sobre o 25 de abril noto um silêncio ensurdecedor sobre esta realidade dual.
Esta série da rtp3 é uma pedrada no charco.
O que nós todos avançámos no nosso processo democrático.
Vejo, com alegria, o PCP e o Boco de Esquerda votar orçamentos que retratam a influência da economia de mercado, o respeito pelo investimento estrangeiro, as responsabilidades para com a União Europeia.
Vejo-os dar a mão aos que qualificam como partidos dos interesses.
Vejo-os perdoar o incumprimento do acordado.
Vejo-os vociferar com ânimo e votar com fé.
Imaginem se o caminho não tem sido este, se a democracia se não cumprisse, se o modelo fosse outro ou, coerentemente embora, deste se mantivessem alheios e distantes.
O que nós todos perdíamos.
Sim, eu sei que talvez esteja a exagerar, que há limites para tudo, que há ofensas e ressentimentos, que há avaliações do deve e haver, que há tempo para amar e tempo para morrer.
Percebo como esta memória do 25 de Novembro é perturbadora.
Imagine-se se o dr. António Costa decide reverificar os pontos acordados com maior minúcia e troca as voltas ao estabelecido.
Tudo é possível em época de crise e desacerto.
E, maxime, pense-se o dr. António Costa a dar uma de Ramalho Eanes, fortalecido pelos resultados da economia, pela diminuição do défice, pelo decréscimo da dívida.
E se, animado pelo êxito europeu do dr. Centeno, inscreve na sua divisa que se não pode perder o que se conseguiu até aqui e se não pode dar tudo a todos. Que isto não é o da Joana, como o povo diz.
Ele e mais ninguém dentro do PS. O salvador, outro.
Decididamente, novembro é um mês perigoso.
Ainda não acabou.