António Saraiva lamenta que o Orçamento do Estado não contemple medidas para as empresas, considerando-o uma oportunidade perdida. Pede ao governo para não ceder a pressões que levem ao aumento da despesa pública e lembra que foi o setor privado o mais penalizado pela crise. Quanto ao aumento do salário mínimo, mostra-se intransigente e quer manter os 580 previstos no acordo, mas deixa um recado: o Estado também deveria ter um papel no aumento deste valor.
O Orçamento já foi aprovado e com algumas cedências de última hora. Como analisa o documento?
O Orçamento cria expetativas para as famílias, mas cria desilusão e deceção nas empresas, porque estas esperavam deste Orçamento alguma melhoria, desde logo fiscal, mesmo sabendo da dificuldade de ser aprovado com aquilo que tinha de ser o acordo com as esquerdas parlamentares. E nesse sentido apresentámos 14 propostas que dividimos em três eixos: financiamento e capitalização das empresas, fiscalidade e qualificação dos recursos humanos. E apresentámos essas 14 propostas para que as empresas tivessem previsibilidade fiscal, porque esta tem de ser simples e atrativa. Lamentavelmente, só vimos duas delas aproveitadas porque já estavam previamente aprovadas no programa Capitalizar, e o governo, em vez de plasmar o programa neste Orçamento, até porque já tinha sido aprovado, em junho, em conselho de ministros e era mais fácil aplicar em sede de Orçamento, optou por não o fazer. Preferiu trazer de novo a imprevisibilidade fiscal porque, ao anunciar e depois aprovar aquela extraordinária taxa de derrama estadual, que aumenta de 7% para 9% para as empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros, veio, uma vez mais, alterar o quadro fiscal.
O que prejudica as empresas…
Sem dúvida, porque, ao criar imprevisibilidade fiscal, isso significa para os investidores viver por cada Orçamento um quadro fiscal diferente, o que não é aconselhável à captação de investimento.
E ao criar esta taxa está a dar um sinal negativo às empresas, pois, em vez de reduzir o IRC gradualmente ou aquilo que fosse possível – e era o que estava previsto na reforma de IRC do governo anterior –, ainda vem aumentar. Além disso, também não contempla medidas na área da formação, por exemplo. Era expetável que pudesse existir um estímulo para as empresas que tivessem planos de formação dos seus recursos humanos. A nossa proposta era que fossem dedutíveis à matéria coletável, em sede de IRC, em 150%, mas também vimos frustrada essa expetativa. Se todos reconhecemos que é necessário promover e requalificar os recursos humanos, então deveríamos ter algum incentivo para que todas as empresas o pudessem fazer. Não pedimos subsídios, não pedimos nada de extraordinário, só pedimos que se agilize aquilo de que as empresas e a economia, em geral, necessitam, porque é esse o grande combate que temos pela frente, que é adaptar as competências dos ativos para que estejam mais capazes de responder às novas exigências do mercado de trabalho, como a robótica.
Mas quando apresentou as 14 propostas recebeu alguma recetividade por parte do governo?
Sim, apresentámos o documento em tempo oportuno, foi bem acolhido e ficaram de avaliá-lo. Falámos com o primeiro-ministro, falámos duas vezes com o ministro das Finanças e umas outras tantas com o ministro da Segurança Social. Criámos expetativas de que algumas propostas fossem aceites porque visavam melhorias significativas na competitividade das nossas empresas. Mas um Orçamento é feito de opções políticas, o governo fez as suas opções políticas e as cedências que entendeu fazer com os partidos que o apoiam parlamentarmente. Criou expetativa nas famílias porque, teoricamente, dá mais receita, mas que depois tira por via dos impostos indiretos.
O que falhou?
Obviamente que, nas negociações com os partidos que apoiam a atual solução governativa, essas medidas não foram aceites e outras foram rejeitadas.
E agora vamos assistir a que as empresas com mais lucros paguem mais. Ficou surpreendido?
Assim que se começou a falar nisso, insurgimo-nos contra essa medida. Falámos praticamente com todos os grupos parlamentares sobre o nosso desagrado com aquilo que consideramos nefasto para o investimento, mas parece que não convencemos o suficiente porque a medida acabou por ser aprovada.
Mas no caso das renováveis assistiu-se a um recuo…
Pelos vistos, as decisões políticas têm lógicas diferentes – umas vezes funcionam de uma maneira e outras de outra. E num país que é composto por pequenas e microempresas, aprovar uma medida como esta – que tributa mais quem lucra mais – apresenta mais carga ideológica do que alguma racionalidade. Mas uma medida que apresentámos – e essa, sim, tinha racionalidade, porque visava e estimulava o tecido empresarial português de micro e pequenas empresas – era aumentar para 50 mil euros, em vez dos atuais 15 mil, o limite de matéria coletável para efeitos de aplicação da taxa reduzida de 17% em sede de IRC, mas mais uma vez não vimos essa medida contemplada. Todos achamos que as empresas estão a fazer um esforço notável, que mostraram uma resiliência incrível, que estão a exportar mais, a inovar e a acrescentar valor, mas depois não vimos uma correspondência nas medidas a implementar. E quando se pede estes sinais para melhorar a competitividade, aquilo que nos dizem é “lá estão os empresários a pedir mais subsídios”. Ou seja, surgem logo as questões ideológicas com carga negativa, quando aquilo que pretendemos é estimular, desenvolver e aumentar a capacidade das empresas de criarem riqueza para que o país possa finalmente gerar crescimento económico. Não há dúvida que o crescimento económico consegue mais empresas, melhores empresas, e é isso que cria emprego e faz aumentar as exportações.
Esteve a semana passada em Bruxelas. Transmitiu essas preocupações?
Houve aí aproveitamento que, lamento, tenha sido feito por parte de algumas forças políticas ao associarem a minha ida a Bruxelas para esse efeito. Fui a Bruxelas para apresentar aos comissários europeus e ao presidente Juncker as nossas sete prioridades com vista à coesão e à competitividade da economia europeia, e foi em torno deste documento que desenvolvemos as nossas conversas. Quando os jornalistas das televisões presentes me perguntaram o que tinha ido lá fazer, foi isso que disse, e quando me perguntaram se tinha abordado a questão do Orçamento e o que pensava do documento, o que disse foi o que tenho sempre dito: que o Orçamento estava a ser discutido em Portugal e que, na nossa perspetiva, estava a criar expetativas aos portugueses, mas penalizava as empresas. Lamento que isso tenha sido usado politicamente para dizer que tínhamos ido a Bruxelas fazer queixinhas, porque não é através da CIP que Bruxelas vai analisar o documento. O que aconteceu foi política baixa e, em política baixa, eu não entro. As discussões sobre o Orçamento são para ser feitas em Portugal e com o governo português.
No caso dos professores, o governo não contemplou as exigências no Orçamento mas admitiu negociar. Acha que o executivo está a abrir portas para outras classes fazerem o mesmo?
Acho. Tem de haver uma focalização do governo, seja ele qual for, que é a sustentabilidade das contas públicas, para que não façamos asneiras que, a prazo, venham a custar-nos caro. Essas pressões que algumas classes estão a fazer sobre o governo começaram a aparecer, curiosamente, depois das últimas autárquicas – dá ideia de que as últimas autárquicas espoletaram aqui qualquer máquina que estaria adormecida. Mas se estas reivindicações não forem bem avaliadas e se o governo não resistir a estas tentações, venham elas de onde vierem mas ameaçando a sustentabilidade das contas públicas, isso será um mau sinal. Espero que o governo saiba resistir a essas pressões e que ponha o país à frente destes interesses. Não vou dizer se são legítimos ou não, digo apenas que o governo tem de olhar para as contas públicas para não entrarmos em derrapagem. Já chega de resgates, já chega de ajudas externas, temos de olhar para o futuro com rigor.
Depois disso temos os médicos, os juízes, os polícias, entre outros…
Abrimos a caixa de Pandora e as contas públicas não resistem a essas reivindicações, venham elas de onde vierem.
Acabou-se a tal paz social que predominou nos dois anos de geringonça?
Por isso digo que depois das eleições autárquicas começaram a surgir estas reivindicações, como se o país estivesse já a navegar fora de perigo e em mar tranquilo. Esquecemo-nos que estamos presos por fios muito frágeis e que qualquer alteração da taxa de juro, qualquer subida do preço do petróleo, qualquer perturbação geopolítica que haja no mundo tem efeitos imediatos e gravosos na economia portuguesa, e as nossas contas públicas não gozam de boa saúde, independentemente destes bons resultados macroeconómicos que temos.
A verdade é que continuamos a caminhar sobre areias muito movediças.
O que ainda está por provar é a sustentabilidade desses indicadores macroeconómicos, já que dependemos de variáveis externas que não controlamos. Estamos a assistir a algum arrefecimento das economias europeias, com algumas perturbações políticas à mistura: é o caso da Catalunha, das eleições alemãs, da questão da Holanda, ou seja, estamos com os países para onde destinamos cerca de 65% das nossas exportações a darem sinais de algum arrefecimento. O próprio Orçamento que foi aprovado projeta um menor crescimento económico e há aqui alguma moderação nas projeções. Por isso, se não tivermos sensatez e se não tivermos equilíbrio nas tais contas públicas, e se formos atrás destas reivindicações, então o nosso futuro poderá estar de novo ameaçado. Há que ter rigor em tudo isto. Espero que o governo saiba resistir a essas pressões, pois todos nós gostamos de ter uma vida melhor, ter melhores ordenados, ter centros de saúde na nossa rua, ter escolas no nosso bairro é ótimo, mas para isso temos de ter um país com crescimento e é preciso ter riqueza para sustentar isso. Temos de perceber o país que temos e temos de olhar para aquilo que podemos ter, que Estado é que podemos ter e o que podemos esperar desse Estado. E todos nós, famílias e empresas, sofremos com o programa de ajustamento e com a austeridade que ainda estamos a viver. Admito que uns tenham sofrido mais do que outros, o desemprego chegou a atingir os 17%, e o desemprego veio de onde? Veio essencialmente do setor privado. Não houve despedimentos no setor público, não vi despedir professores, não vi despedir enfermeiros.
Mas essa pressão vem essencialmente da função pública…
Mas não podemos querer recuperar imediatamente aquilo que a crise nos obrigou a suportar. Todos nós sem exceção suportámos muito, mas é preciso que o país crie condições para alguma recuperação. Não podemos olhar só para um lado do problema, temos de olhar para o país e pôr o país à frente de interesses de classes ou de partidos. O país é sempre mais importante.
Mas isso não está a acontecer…
Como os empresários não fazem manifestações, não fazem greves nem enchem a Avenida da Liberdade com cartazes, aquilo que de facto tem mais visibilidade são determinadas classes porque, invariavelmente, as mensagens são transmitidas por forças políticas e sindicais que abrem telejornais e enchem as páginas de jornais com as suas reivindicações.
A iniciativa privada vai fazendo o seu trabalho, vamos desenvolvendo o nosso país, vamos desenvolvendo os nossos produtos, vamos acrescentando valor, vamos exportando para novas geografias, vamos criando emprego, como está demonstrado. O desemprego caiu de 17,5% para 8,5%, mas não vejo o Estado a empregar, quem está a empregar são as entidades privadas. E a administração pública em geral também tem de fazer a sua quota–parte, por isso, independentemente do show-off e da visibilidade que tem esta ou aquela manifestação, o que é importante é olharmos para o país e criarmos valor.
Estamos perante trabalhadores de primeira e trabalhadores de segunda?
Não vou dividir trabalhadores privados e trabalhadores públicos, mas a verdade é que, em geral, os ordenados médios são maiores na administração pública do que nos privados, as garantias de emprego e da sua manutenção também são maiores no setor público, porque é sempre mais seguro do que o privado. Quem é que ficou desempregado? Onde é que o desemprego foi mais violento? Foi no privado. Não estou a condenar, estou a constatar. Não quer isto dizer que queira pôr os trabalhadores privados contra os trabalhadores da função pública, cada um tem as suas funções. O que digo é que determinadas lógicas reivindicativas não devem sobrepor-se às possibilidades do país.
O governo tem dois anos pela frente. Acha que estas exigências poderão intensificar-se mais?
Acredito que o Orçamento para 2019 será de maior complexidade negocial do que este. Não vou identificar problemas nem esta ou aquela dificuldade, acho é que se começa a sentir alguma crispação política, mas gostaria que o país mantivesse a paz política e a paz social como existiram durante os dois primeiros anos de governo. Apesar de a solução governativa ter inicialmente gerado desconfiança, a paz política e a paz social são dois pilares fundamentais para que o país continue nesta senda de recuperação. Temos de continuar a trabalhar, os agentes políticos para manter a estabilidade política e os parceiros sociais para existir uma paz social em diálogo, em concertação social, em acordos parlamentares. Estes dois pilares são essenciais para os tempos turbulentos que ainda continuamos a viver. Não se pense que os problemas de Portugal já foram ultrapassados – não foram e temos de ter consciência disso. Não podemos resolver todos os problemas de forma imediata, temos de ter algum tempo, de fazer as apostas certas e de olhar para os dois lados do problema. Temos de olhar para as famílias e para a melhoria dos seus rendimentos, mas também temos de olhar para as empresas e para a melhoria da sua competitividade. E é nestas duas vertentes que o Orçamento deveria ter sido pensado. Pensou nas famílias, mas para as empresas foi uma oportunidade perdida. Esperemos que o de 2019, estando na iminência de eleições, não seja mais um Orçamento eleitoralista do que um Orçamento de alicerces para uma economia que tem de se afirmar no mundo.
Marcelo Rebelo de Sousa já considerou este Orçamento eleitoralista. A tentação não será maior no próximo ano?
Vamos ver. É evidente que, tendo em conta a experiência, regra geral, assim o é. Honestamente, gostaria que não fosse. Mas o Presidente da República também tem um papel de influência importante. E todos nós, os parceiros sociais, os agentes partidários, temos uma responsabilidade pública para aconselhar e desenvolver em conjunto metodologias para que o país possa começar a gerar crescimento e, sustentadamente, resolver os problemas estruturais que ainda temos. São necessárias reformas, é necessário que o parlamento encontre, em sede parlamentar, maiorias para realizar essas reformas, sejam elas de natureza política ou de outra. Mas é preciso agilizar essas reformas de que o país precisa, como é o caso da administração pública, da justiça e da sustentabilidade da segurança social. Essas maiorias podem ser de maioria de esquerda, de bloco central, mas isso não me interessa. O parlamento tem é de assumir as suas responsabilidades e não podemos adiar mais.
Reformas essas de que já se fala há muito tempo…
Porque até agora não tivemos um parlamento com condições de as promover. E os portugueses devem, cada vez mais, exigir que o país promova essas reformas e crie condições para que, numa economia global que concorre de forma por vezes perversa com outras regiões geográficas, consiga sobressair. É fundamental que os portugueses sejam cada vez mais exigentes, que tenham uma cidadania participativa e exijam dos dirigentes, sejam eles quem forem – políticos ou sociais – responsabilidades sobre as suas ações, para que estas coisas não sejam eternamente adiadas.
O governo prevê reduzir o défice de 1,4% para 1% e aumentar a economia para 2,2%. Acha que são metas possíveis ou há risco de derrapagem?
Acho que é possível cumprir, até porque as perspetivas são moderadas. Vamos crescer este ano 1,6% ou 1,7% e para o ano apontam para um crescimento de 2,2%. Já o défice tem de baixar, até por imposições comunitárias. Mas o que devíamos era criar excedente, devíamos ter um défice zero porque é através deste resultado que o país pode dar uma sustentabilidade diferente às suas políticas e ao seu desenvolvimento económico.
Mas são metas que estão muito assentes nas exportações e na redução dos juros…
Para mim, o motor da economia são as exportações e o investimento. Por isso é que temos de melhorar a atratividade do investimento e as exportações, e isso não se faz com um estalar dos dedos, faz–se com trabalho e dando condições às empresas para que exportem mais. Todos reconhecemos que é preciso atrair investimento, mas como é que se atrai investimento? É com uma justiça económica que funcione, é dar previsibilidade fiscal e é ter uma carga fiscal que nos equipare a outros países. Por exemplo, a Hungria vai baixar o IRC para 9%, a Irlanda tem 12%, e nós estamos a afastar-nos cada vez mais da média da União Europeia, que é 21,9%. Nós, com esta nova taxa que foi aprovada, ficamos nos 31,5%. É preciso também melhorar o crédito, o financiamento à exportação, seguros de exportação. Ou seja, há aqui um conjunto de questões que podem e devem ser melhoradas.
Mas as exportações já começam a dar algum sinal de abrandamento…
Porque as nossas exportações estão muito direcionadas para a Europa e os países europeus já mostram alguma retração. Por exemplo, o nosso principal mercado é a Espanha, mas está a sofrer alguma perturbação; a Alemanha, a mesma coisa. Angola também – pode ser que a nova solução política traga novamente mais mercado para as empresas portuguesas. Mas sem dúvida que temos de olhar para outras geografias, como a América Latina e, mesmo dentro do continente africano, temos de olhar para outros destinos que não seja Angola ou Moçambique. Mas como se pode exportar mais? É tornando os nossos produtos e serviços apetecíveis para aqueles que nos compram, e por isso temos de encontrar destinos geográficos em estados de desenvolvimento em que os nossos produtos se adaptem. Isso não quer dizer que só podemos exportar para aqui ou para ali – o mundo, hoje, é o nosso mercado. Por exemplo, estamos a exportar máquinas e ferramentas para a Alemanha, que é uma coisa que as pessoas não sabem, e somos reconhecidos pelos fabricantes alemães como excelentes produtores deste tipo de equipamento. Temos empresas que exportam tudo aquilo que produzem, temos hoje os recursos mais qualificados de sempre e, lamentavelmente, estamos a deixá-los sair porque, até agora, Portugal não teve condições de os manter porque temos estado numa situação em que não era possível criar emprego. Mas para isso é preciso apoiar mais as empresas e atrair mais investimento, como aconteceu recentemente com a Bosch; a Autoeuropa, vamos ver o que vai acontecer; a Continental Mabor está a gerar investimento. Os nossos setores de moldes estão a gerar investimento, a metalurgia metalomecânica está com exportações recorde. Temos, de facto, condições para acreditar que o país consegue vencer este desafio com estratégia e com opções corretas.
Mas o turismo tem surgido como a tábua de salvação do país…
Nos últimos dois a três anos e, felizmente para todos nós, os fluxos turísticos têm aumentado muito. Muito por mérito dos agentes turísticos, mas ainda mais por mérito de outros países que enfrentam fatores de insegurança devido ao terrorismo. Portugal, felizmente, tem beneficiado disso e os agentes turísticos têm sabido bem aproveitar isso. E isso arrasta outras atividades económicas, como a construção.
Há quem defenda a criação de um Ministério do Turismo. Concorda?
Acho que sim, o setor merece mais do que uma Secretaria de Estado. Mas é errado dizer que Portugal vive à custa do turismo – essa é uma das forças económicas. Por exemplo, o setor metalúrgico e metalomecânico vai exportar este ano 16 mil milhões de euros. Fala-se muito do calçado e do têxtil, mas estes dois setores juntos não chegam a este valor e o turismo também não. Tem tido a visibilidade que tem porque tem registado crescimentos muito grandes, e ainda bem que assim é e que se mantenha assim, mas em termos de valores está muito longe da indústria metalúrgica e metalomecânica. Além disso, o país não pode assentar apenas no setor de serviços, tem também de assentar no setor industrial. As pessoas ainda pensam nas fábricas com operários a trabalhar com macacos sujos de óleo, mas isso já não acontece. É uma indústria que trabalha com robótica e de bata branca. E é preciso atrair jovens para estes setores. Por exemplo, o setor metalúrgico e metalomecânico tem necessidade de 28 mil trabalhadores qualificados e não os arranja. A eletrónica precisa de três mil e também não tem. Felizmente, estamos com uma taxa de desemprego cada vez menor, mas mesmo assim temos carências para determinadas atividades que não conseguimos suprir. Por isso é necessário despertar consciências para esta nova realidade económica.
Principalmente numa altura em que tanto se fala de inteligência artificial…
Neste momento, já temos excelentes exemplos de empresas que estão direcionadas para essa nova realidade e que estão a vencer esse desafio. Mas é essa a grande batalha que vamos ter de enfrentar, quer queiramos quer não, e temos de nos preparar para ela. Os nossos jovens estão muito bem preparados em termos de conhecimento, mas há ainda um grande caminho a fazer e há muita transformação que vai ter de ocorrer neste novo tempo. A questão do emprego para toda a vida já não existe agora, mas no futuro ainda menos. E essas mudanças vão ocorrer num curto espaço de tempo. Vão desaparecer empregos tal como agora concebemos, mas vão aparecer novos empregos. Temos é de, com tempo, preparar esse caminho porque, se o robô não paga segurança social, então vamos pôr em causa as reformas daqueles que ainda trabalham? Provavelmente, um robô vai ter de pagar segurança social como um trabalhador; provavelmente, as empresas tecnológicas vão ter de ser taxadas de forma que não ponham em causa a sustentabilidade do país. São estes os dossiês que os responsáveis políticos e sociais vão ter de olhar e tentar encontrar soluções, e são estes dossiês que devem presidir à preocupação, porque não podemos distrair-nos nem desfocarmo-nos.
Ontem esteve reunido em concertação social. A CIP sempre foi contra o aumento do salário mínimo nacional para os 600 euros em 2018…
Sim, porque não estava na agenda. O que estava no programa do governo – resultado de um acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda e que o governo incorporou no seu programa – eram 580 euros para 2018 de forma a atingir os 600 euros em 2019. Nunca estive disponível para discutir um aumento para 600 euros porque era uma falsa questão; o Partido Comunista e a CGTP é que defendem isso, mas é a posição dessas duas entidades. Não vou discutir lógicas partidárias, cada um tem as suas, mas o que esteve sempre na agenda eram os 580 euros. Além de que o acordo de 2017, ou seja, este que está em vigor, não está cumprido e que nós queremos que seja cumprido. No acordo para 2017 aceitámos que as entidades patronais não denunciariam contratos coletivos e isso está a acontecer; o governo comprometeu-se a refletir nos contratos públicos o diferencial de valor de 2016 para o valor de 2017, mas ainda não o fez; as entidades que prestam serviço de limpeza, segurança, etc., para a administração pública ainda não conseguiram refletir essa diferença de valor – por isso, não está a ser cumprido. O governo aceitou alterar o Fundo de Compensação do Trabalho, mas nada foi feito ainda. O governo ficou em reduzir 1,25 pontos percentuais da taxa social única, mas o parlamento chumbou – logo, o acordo que o governo assinou connosco não foi cumprido, independentemente da razão pela qual não está a ser cumprido. Encontrou-se uma compensação que não tem a mesma dimensão nem o mesmo alcance, devia-se ter encontrado uma compensação diferente. Não gosto muito de falar de compensações nem de contrapartidas porque é uma discussão errada. Fala–se muito que os patrões só aceitam negociar o salário mínimo se houver compensações ou contrapartidas. Não queremos contrapartidas ou compensações, queremos é uma discussão séria sobre política salarial indexada à produtividade, ao crescimento económico ou aos indicadores que estão no acordo. Se estão 580 euros no acordo, então que sejam os 580 euros, até porque todos temos consciência de que o salário mínimo é baixo mas, para a esmagadora maioria das empresas que pagam o ordenado mínimo, faz toda a diferença. Isso não se aplica às empresas associadas da CIP, pois todas pagam acima. Eu, na minha empresa, o valor mais baixo que pago são 830 euros, salvo erro, mas temos de atender às empresas que estão expostas à concorrência internacional, empresas com trabalhadores pouco qualificados e que, se aumentarem a massa salarial, perdem competitividade, perdem encomendas e podem destruir emprego. E não estou a falar da concorrência da China. Qual é o ordenado mínimo na República Checa, na Polónia, na Eslováquia, na Eslovénia, na Hungria? É metade do nosso, não é preciso ir para a Ásia. E as empresas desses países concorrem com as nossas. Acha que as Zaras deste mundo não vão para esses países em vez de virem para o Vale do Ave? Vamos lá ter sensatez e olhar para o universo dessas empresas e acautelá-las nesta questão.
E o que pode ser feito?
Devemos olhar para essas empresas, que estão devidamente identificadas, e dar verbas para formação profissional de forma a aumentarem as qualificações dos seus trabalhadores, para que, à medida que vão aumentando as suas competências, possam dar mais valor acrescentado e ter outra capacidade para responder à massa salarial. É verdade que há também a componente social, cujo valor é baixo, mas a componente social é também da responsabilidade do Estado, que também tem de molhar os pezinhos na discussão. Para as empresas pagarem 580 euros por mês durante 14 vezes em 12 meses, isso representa um custo mensal de 804 euros, mas o trabalhador não leva isso para casa. Onde é fica o valor? Nos impostos. Então, o Estado também deveria contribuir e ter uma discussão séria. Por exemplo, dizer que os trabalhadores que recebam o salário mínimo deveriam ter uma taxação diferente dos outros. Em vez de pagarem 11% para a Segurança Social, porque não pagam só 7%? E, em vez dos 23,75%, as empresas descontavam só 20% e davam o restante ao trabalhador… Não estou a dizer que a empresa pagasse menos, estou a dizer que essa diferença fosse canalizada para o trabalhador. Se há aqui uma questão social, então devemos olhar socialmente para o problema e repartir o mal pelas aldeias, porque depois fica sempre a ideia de que são os patrões que não querem aumentar o salário mínimo.
E em relação à possibilidade de os parceiros sociais reverterem as leis laborais?
Para a CIP não é assunto, não é necessário mexer nas leis laborais.
E como vê a questão da Autoeuropa?
Vejo com preocupação. A Autoeuropa é uma empresa de referência, responsável por uma fatia significativa das nossas exportações, por um volume de emprego significativo, e este acordo permitiria aumentar significativamente os postos de trabalho, o que é desejável. Por isso é uma empresa que temos de acarinhar e preservar, e espero que aqueles que lá trabalham tenham essa sensatez sobre a importância que a empresa tem, a importância que tem para a economia nacional e também para eles próprios. Esta guerra que acabou por se instalar é mais de cariz político-sindical. É importante que não corroa a empresa nem seja um vírus que destrua a empresa. Não nos iludamos. Há fábricas em Pamplona onde o T-Roc pode ser facilmente produzido. Há exemplos no país em que o desentendimento levou ao fim da fábrica – veja-se o caso da Opel, mas não vamos ser profetas da desgraça. Espero que esta turbulência político-sindical seja ultrapassada porque a CGTP, mais uma vez, está a pôr um vírus e a provocar uma luta político-sindical desnecessária. Espero que os trabalhadores tenham maturidade para perceber o que é mais importante para eles e para o país, de forma a ultrapassarem esta crise.
Acha que pode comprometer a produção de futuros modelos?
A Autoeuropa tem excelentes condições para produzir este e outros modelos, é uma fábrica que, dentro do grupo, é altamente qualificada e tem todas as condições para ter um excelente futuro pela frente. É bom que os trabalhadores reflitam sobre isso e façam as opções corretas, e que não se deixem arrastar para lutas político-sindicais que só minam a empresa e a sua viabilidade.
Como um dos responsáveis pelo acordo que fez na Lisnave e ex-líder da comissão de trabalhadores, que conselho dá?
Que não extremem posições, que percebam que o futuro é mais importante do que o dia de hoje, e que em diálogo social, mesmo que tenha de se melhorar este ou aquele aspeto, viabilizem a empresa e salvem os seus postos de trabalho porque, muitas vezes, as tensões do momento são más conselheiras para o bem-estar e para o futuro. E, quando se fala na Autoeuropa, não nos esqueçamos que tem uma cadeia de subcontratação com “n” empresas que trabalham para a fábrica. Não está só em causa a Autoeuropa, está um conjunto de empresas-satélite que dependem dela e que sofrem com qualquer alteração negativa que venha a ocorrer.