Os setores da Aeronáutica, Espaço e Defesa (AED) estão em crescimento. Portugal tem tradição e futuro nesta área fruto da sua História bem como do trabalho que tem vindo a fazer para consolidar uma estratégia comum para o setor. Esta estratégia passou pela criação, em 2016, do AED Cluster Portugal uma plataforma dinamizadora e agregadora dos setores AED para desenvolver o setor. O vice-presidente do AED Cluster Portugal (AED CP), Paulo Chaves, revela como tem evoluído a organização e o potencial de Portugal numa competição global.
Porquê a decisão de criar o cluster?
O mais provável, mais fácil e expectável era que não houvesse cluster. Por razões essencialmente culturais. Somos um país que está muito habituado a grupos mais pequenos e onde o efeito de escala e a coordenação não são muito valorizados. Mas houve todo um processo de aproximação e de convencimento que demorou anos. As pessoas de uma forma geral achavam que o custo era superior ao benefício. Hoje em dia acham que o benefício é superior ao custo e o processo está praticamente terminado.
Dizem que representam quase 1% do PIB. Como é que fazem o cálculo?
Somando o valor de faturação de todas as empresas membros, que são à volta de 70. E o emprego. Este é um dos aspetos em que com o cluster vamos ter claramente um benefício. Vamos conseguir medir de forma precisa qual é o peso deste setor quer em faturação, quer em emprego. Medir hoje, ver a evolução de trás e de hoje para a frente, que é uma coisa que nunca se pôde fazer.
Há empresas nos setores que ainda não fazem parte do clsuter?
Há seguramente. Em alguns casos, como da minha. Eu represento a PEMAS, da qual sou presidente, e que tem quase dois terços do conjunto. E na PEMAS nós sabemos que da parte aeronáutica há várias empresas que não estão no cluster. E nos outros casos a mesma coisa. Queremos que este conjunto seja o mais aberto, o mais integrador possível, o mais inclusivo possível e isto passa não só por ir buscar empresas médias, empresas grandes e ir buscar as empresas mais pequenas, e bem mais pequenas, e mesmo as próprias startups, que têm uma dinâmica que faz falta às outras. Queremos juntar o máximo possível todas as entidades constituídas para fazer negócio nestas áreas.
Já há aplicações práticas do AED CP? Nas feiras internacionais é o cluster?
Dividimos os eventos internacionais em duas categorias: aqueles em que temos como objetivo a notoriedade, ou seja, demonstar ao nível internacional que Portugal tem competências nestas áreas, que tem capacidade de ganhar mercado, que é um player nestes setores; e depois temos as outras feiras internacionais onde vamos efetivamente buscar negócio, ganhar trabalho. Le Bourget e Fainborough, os dois grandes salões europeus na área da AED, estão na categoria notoriedade. O grande objetivo é mostrar Portugal e as competências que Portugal tem e que Portugal possa ser lembrado como um país que também é competitivo nesta área. E depois há as outras feiras mais pequenas, mais discretas, mais baratas, que são aquelas onde encontramos os nossos clientes e os nossos fornecedores e onde fazemos negócio. Em ambos os casos faz sentido esta sintonia entre as diferentes áreas. Pela redução de custos. Aquilo que vamos apresentar tem uma amplitude maior. E estas são indústrias em que o tamanho conta. Qualquer uma delas funciona muito em ciclos muito longos. Ciclos muito longos implicam estabilidade quer ao nível da capacidade financeira quer ao nível das equipas. Temos associados que já perderam concursos internacionais, onde tinham as competências, tinham as técnicas, tinham tudo, só não tinham tamanho. E o facto de não terem o tamanho mínimo requerido foi visto como um risco por parte de quem ia comprar.
Os outros países europeus também funcionam em clusters?
Sim. Nos países mais desenvolvidos sim. Nós este ano assinámos protocolos com o cluster de Hamburgo, com o cluster da Baviera e com os clusters do Canadá. Por exemplo na Alemanha este movimento foi feito há algum tempo. É um movimento natural. Se nós olharmos para os grandes fabricantes de aviões, e de naves e de veículos espaciais e da parte militar, todos eles têm uma parte de AED. A indústria está organizada com esta abrangência. E embora as culturas sejam diferentes, há competências comuns e uma escala comum que vale a pena manter.
Em que é que as competências da indústria portuguesa se diferenciam das dos outros países europeus?
Pela nossa História. A questão da História é importante. Nós nunca fizemos parte do consórcio Airbus. Até há dez anos, quinze anos, o que tínhamos na aeronáutica em Portugal era principalmente manutenção e reparação, na OGMA, que faz para o ano 100 anos. Temos uma tradição longa e constante. E na parte de transporte aéreo, principalmente com a TAP. Na parte do transporte aéreo e na manutenção e reparação de aviões há muito tempo que Portugal dava cartas e que é um player de primeira linha. Na parte da indústria propriamente dita, quer na parte de aeroestruturas quer na parte de motores não. Portugal não fez parte do consórcio Airbus. Só entrou na Agência Espacial Europeia muitos anos depois desta ter sido formada. A História é um ponto importante, porque nós, não fazendo parte destas entidades ou entrando muito tarde noutras, à partida faz-nos falta todo um conhecimento e todo um histórico que os outros têm. Esta é a nossa baseline, que leva a um ponto forte que temos: flexibilidade. Ao contrário destes países todos, pelo facto de temos estas indústrias muito mais pequenas, termos empresas mais pequenas e mais jovens, temos uma flexibilidade que estes países, e muitas das empresas que estão nestes países não têm. No que diz respeito à parte dos laboratórios temos grandes laboratórios, que foram laboratórios de Estado, que são muito rígidos, têm tudo, instalações enormes, mas são muito rígidos. Estão pouco internacionalizados, têm, um leque de clientes muito fechado, uma aproximação aos clientes muito rígida. E de uma forma geral, toda a nossa estrutura associativa é muitíssimo mais flexível. E isso é um fator de competitividade.
Que empresas ou que tecnologias destacaria como aquelas que diferenciam Portugal dos seus rivais? Ou a indústria portuguesa é transversal?
Temos aqui duas frentes. Uma é entrar nas cadeias de valores que existem hoje.
O segundo objetivo é ganhar conhecimento para nos posicionarmos naquilo que hoje não está na ordem do dia mas que vai ser o futuro daqui a cinco ou dez anos.
Relativamente ao primeiro ponto, estamos a falar de uma questão essencialmente industrial. Ou seja, temos de ser competitivos do ponto de vista industrial para incorporar as cadeias de fornecimento que normalmente já existem há alguns anos e que estão maduras, mas que estão a crescer. Nós entramos ou fornecendo produtos ou competências ou serviços para os quais não há competência suficiente no mercado. Ou então ocupamos algum espaço que tenha sido deixado vago.
Aé a questão da flexibilidade é fundamental. A competitividade de preço, o saber fazer bem e entregar bem, é importante. E aí temos várias empresas muito boas.
Como é que é o âmbito geográfico do cluster?
É completamente nacional e depois tem subclusters regionais. Fala-se no cluster do Alentejo, onde temos neste momento três polos: Évora, essencialmente de Aeronáutica, que se concentra nas fábricas da Embraer e Mecatron; Setúbal, que tem uma componente de aeronáutica, essencialmente com a Lauak, que é uma empresa muito importante no setor; depois Ponte de Sor, com os UAV da Tekkever – que tem também a parte do Espaço – , a Academia de Pilotos e a manutenção e reparação de aeronaves da proteção civil.
Que expetativa é que tem para o futuro?
Muito positiva. Estamos a falar de três setores que estão os três a crescer. Todos eles com perspetivas cada vez mais interessantes. Entre nós, estamos a fazer o nosso trabalho de casa, a falar entre nós em termos industriais e a conseguir agregar as universidades com quem tem o produto final. Estamos a integrar-nos em cadeias de fornecimento internacionais e a internacionalizarmo-nos.