O novo comandante nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil concluiu a sua licenciatura de Estudos de Segurança em 2014 com equivalências a 17 disciplinas. Além das várias equivalências por cursos e formações que tinha tido dentro da GNR e pela experiência profissional, o processo, consultado pelo SOL, contém algumas irregularidades.
Em causa estão, por exemplo, desconformidades nos nomes das disciplinas que servem de base às creditações e o preenchimento de um formulário pelo aluno, quando deveria ser feito pela Comissão Específica do curso.
Após ser confrontada pelo SOL, a Universidade Lusófona admitiu ontem a existência de «equívocos», mas salientou que o «aluno, à data do pedido de creditação de Competências Profissionais, era Tenente Coronel de Infantaria da Guarda Nacional Republicana e contava no seu currículo com mais de 3500 horas de formação em domínios relevantes para a área científica da Segurança, e naturalmente pertinentes na perspetiva da creditação de unidades curriculares da Licenciatura em Estudos de Segurança».
Já António Paixão afirmou ao SOL que só após ser contactado sobre esta notícia é que ficou a saber dos erros no processo de creditação, adiantando: «Contactei [após um primeiro contacto do SOL] os serviços académicos no sentido de esclarecer a situação e foi-me referido que existiu um erro de forma, corrigido entretanto após o vosso contacto».
António Paixão é comandante operacional nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil desde o início do mês e sucede a Rui Esteves, que a 14 de setembro se demitiu na sequência de notícias que davam conta de suspeitas em torno da sua licenciatura e da acumulação de funções públicas. Dias depois, a 20 de setembro, foi determinada uma auditoria por parte do Ministério da Administração Interna às licenciaturas dos dirigentes e elementos da estrutura operacional da ANPC, cujas conclusões foram depois enviadas para a Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC). A de António Paixão não estava nesse lote, dado que foi nomeado mais tarde.
Questionado ontem pelo SOL sobre se tinha conhecimento das creditações e irregularidades formais na licenciatura de António Paixão, o gabinete do ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, garantiu que vai informar a IGEC para que sejam tomadas medidas: «Quanto à questão que coloca o MCTES não tem conhecimento e irá enviar desde já para a IGEC». Por outro lado, o Ministério da Administração Interna não respondeu às questões colocadas até à hora de fecho desta edição.
As equivalências
O atual comandante nacional operacional da Proteção Civil obteve 17 disciplinas do plano de estudos da licenciatura por creditação de outras que tinha feito em formações da GNR (um desses cursos tinha sido ministrado em parceria com a Universidade Autónoma de Lisboa). Segundo escreveu a Comissão Específica do curso no documento que serve de base às creditação, propôs-se que a «pretensão [fosse] atendida, sendo reconhecidos 55 ECTS em unidades curriculares obrigatórias e 30 ECTS em unidades curriculares de opção, perfazendo um total de 85 ECTS».
As disciplinas obrigatórias que António Paixão ficou assim dispensado de frequentar e ter avaliação foram: Criminologia; Noções Fundamentais de Direito; Economia e Finanças Internacionais; Criminalística e Investigação Criminal; Sistema Político e Administrativo Português; Sistema Português de Segurança e Defesa; Informações Estratégicas e de Segurança; Segurança dos Sistemas de Informação; Higiene e Segurança no Trabalho; Ética na Gestão da Segurança; e Segurança e Comunicação Social.
Já no que toca às opcionais que obteve por creditação, nestas encontram-se o Inglês I e II, Informática para Ciências Sociais, Psicologia Social e das Organizações, Segurança das Pessoas e Técnicas de Negociação Motivação e Liderança.
Para cada uma destas cadeiras consta uma fundamentação das formações que permitiram ao aluno ser creditado – e algumas das disciplinas feita na GNR estiveram na base de creditações a mais do que uma disciplina na Lusófona. Na prática, as fundamentações contavam com um número alargado de formações anteriores, algumas que se repetiam em diversas outras creditações.
As irregularidades detetadas
Na fundamentação da concessão de créditos de Inglês I e Inglês II (da licenciatura da Lusófona), por exemplo, surge que o aluno frequentou, no IV Curso de Formação de Oficiais da Guarda Nacional Republicana 1987/88, as disciplinas de Inglês I e Inglês II e que estas, juntamente com a experiência profissional, seriam suficientes para atribuir os referidos créditos. O problemas é que no diploma do curso da GNR não constam quaisquer disciplinas com essa nomenclatura, existindo apenas uma disciplina de Inglês.
Além da desconformidade formal, essa disciplina única terá tido, naquele ano letivo de 87/88, 57 horas, um número de horas inferior ao das disciplinas lecionadas pela Lusófona – 60 horas -, como consta do processo.
Outra das irregularidades foi o preenchimento por parte do aluno de um formulário que estava destinado à Comissão Específica do curso e que tem o objetivo de propor notas para as disciplinas que já tinha feito.
Aliás, no documento que surge apenas assinado pelo aluno, e que a Lusófona diz tratar-se de um erro, pode ler-se no cabeçalho o seguinte: «Ao abrigo do n.º 1 do art. 45.º do Dec. Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, alterado pelo Dec. Lei n.º 107/2008, de 25 de Junho, e após análise dos documentos apresentados, a Comissão Específica propõe para o aluno António Francisco Carvalho de Paixão a creditação de…». Este requerimento não tem, no entanto, qualquer assinatura além da do aluno. Ainda assim, as notas ali ‘propostas’ acabaram por não ser dadas efetivamente. A universidade optou por atribuir às disciplinas uma avaliação qualitativa e não quantitativa.
O que diz a Lusófona
Num primeiro email enviado ao SOL, a Universidade Lusófona salientou que o processo de creditação teve em conta as diversas formações que o aluno fez na GNR, referindo que este fez, o curso Geral de Milicianos Especial (Academia Militar), o curso de Oficiais Milicianos (Exército Português), o curso de Formação de Oficiais da Guarda Nacional Republicana (Escola da Guarda Nacional Republicana/Instituto Superior Militar), e o curso de Promoção a Capitão (Escola da Guarda Nacional Republicana).
A mesma fonte faz ainda referência à grande experiência profissional, lembrando que António Paixão ocupara diversos cargos, como por exemplo, Comandante do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da Guarda Nacional Republicana e Oficial de Segurança da Assembleia da República. No que respeita ao preenchimento irregular do formulário, a Lusófona assegura: «Deste impresso que está assinado apenas pelo Aluno como requerente não resultou qualquer consequência para o processo de creditação, tratando-se da manifestação da vontade do Aluno em ver apreciada para efeitos de creditação, a formação em causa».
Já em relação às disciplinas de Inglês I e II do curso da GNR que não constam nos certificados, a Universidade – que num primeiro contacto disse que o processo desta licenciatura estava devidamente instruído – acabou por admitir a irregularidade e lamentar o sucedido: «O equívoco em causa resulta precisamente do facto do instrutor do processo ter titulado de forma inapropriada a Unidade Curricular de origem com as designações da UC de opção creditadas Inglês I e Inglês II. O equívoco resulta do referido, tratando-se simplesmente de uma questão nominal, que não deixamos de lamentar e acautelar para que tal não volte a repetir-se».
O que diz António Paixão
O atual comandante operacional nacional disse ontem ao SOL ter sido surpreendido com as irregularidades detetadas no processo. Afirmou também que requereu o processo de equivalências e que nessa sequência preencheu os formulários solicitados, anexando os documentos autenticados que lhe foram pedidos.
«Assim e após a atribuição das equivalências pelos serviços da Universidade, segui o meu plano de estudos afim de obter o grau de licenciatura, a qual concluí com atribuição de Bolsa de Mérito», explicou António Paixão, adiantando que continuou depois para mestrado.
«Até ao seu contacto desconhecia qualquer equívoco, anomalia ou irregularidade processual», garantiu, dizendo que após isso contactou a universidade que disse ter corrigido as inconformidades.
António Paião esteve inscrito em dois anos letivos e terminou a licenciatura com uma média de 17 valores, que tem em conta apenas as 19 disciplinas feitas por avaliação, umas vez que as restantes tiveram uma avaliação qualitativa.
Irregularidades em 2015
Esta não é a primeira vez que há irregularidades na licenciatura de Estudos de Segurança da Lusófona. Já em 2015, na sequência do caso da licenciatura de Miguel Relvas, a Inspeção Geral da Educação detetou «ilegalidades especialmente graves» em 152 equivalências atribuídas em cursos concluídos entre 2006 e 2013 da maior universidade privada do país. E entre as 152 equivalências «erradamente atribuídas», o curso que se destacava era precisamente o de Estudos de Segurança, tendo sido sinalizados 47 casos. Um terço do total. Para tentar evitar futuras irregularidades, Nuno Crato alterou a lei em 2013 e impôs limites. Desde então só podem ser atribuídas equivalências a metade das disciplinas de cada curso. Ana Petronilho