Espanha. Imigrantes sem documentos deixam de ter acesso à saúde

Tribunal Constitucional diz que só o governo central pode decidir sobre a matéria e anula lei valenciana. Executivo regional vai desafiar a decisão 

“O governo de Espanha está a usar a via judicial para justificar posicionamentos políticos injustificáveis”, comentou ontem o presidente do governo de Valência, Ximo Puig, sobre a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que declarou inconstitucional e anulou o decreto lei da Generalitat Valenciana que permitia o acesso universal aos cuidados de saúde.

Numa decisão controversa que mereceu uma declaração conjunta de voto contrário de cinco dos 12  juízes, o tribunal decidiu que o decreto do executivo de Valência invade competências do governo de Madrid, mesmo que a universalidade da lei seja apenas dentro do espaço da região sem se estender ao resto de Espanha.

Quem sai prejudicado deste legalismo espanholista são os imigrantes sem autorização de residência em Espanha, deixados de fora pelo serviço nacional de saúde espanhol com o decreto lei de 2012. O “El País” fala em 870 mil pessoas nessa situação em toda a Espanha; 30 mil na comunidade valenciana, de acordo com cálculos do governo regional.

O decreto lei valenciano já tinha sido suspenso em novembro de  2015 pelo Tribunal Constitucional, aquando da entrada do recurso do governo de Mariano Rajoy, mas a suspensão havia sido levantada em março de 2016.

Desafiando a decisão, o presidente do governo de Valência já fez saber que o princípio dos cuidados universais de saúde se mantém. “Qualquer pessoa que entre num centro de saúde ou num hospital valenciano será atendida e em nenhum caso lhe será passada uma fatura”, afirmou o socialista Ximo Puig. “Todos e todas têm direito à saúde, agora e no futuro”, acrescentou.

Mesmo tendo em conta que o governo transfere as competências nesta área para as comunidades autónomas, o TC considera que ao decidir na matéria o governo valenciano “amplia a cobertura de saúde no âmbito subjetivo das prestações não contemplado pela normativa estatal”.

Puig chegou ao governo através de um acordo entre o PSOE e Compromís que pôs fim a duas décadas de poder do Partido Popular (PP) em Valência. A decisão de retomar os cuidados universais de saúde que, em 2012, aproveitando a crise, o PP havia condicionado, é visto pelo executivo de Rajoy como um desafio intolerável. E o TC, dominado pelos juízes conservadores, parece ser da mesma opinião.

Valência não é a única comunidade que decidiu não aceitar a legislação de Madrid, País Basco, Baleares, Catalunha e Aragão fizeram o mesmo.

O conselho de Saúde de Valência já enviou uma mensagem a todos os departamentos garantindo que “as instruções emitidas em 2015” permanecem vigentes e a “cobertura de saúde universal e os procedimentos de proteção de saúde estabelecidos desde há mais de dois anos” se mantêm. “Não só se mantém a a cobertura para as 23.663 pessoas que já se beneficiaram da medida, como também para as que continuem a a solicitar a cobertura de cuidados de saúde da generalitat”, disseram fontes oficiais ao El Confidencial.

Curiosamente, Rajoy recebeu ontem Puig em Madrid, embora o assunto não tenha sido abordado na reunião, afirma o presidente da generalitat por pensar que o TC não aceitaria o recurso do governo de Madrid. Mas os juízes consideraram válidos os argumentos legais do executivo de Rajoy que consideravam que a decisão valenciana “vulnerava a competência estatal para estabelecer o âmbito objetivo e subjetivo da Saúde e incorre em superação de competências porque regula uma matéria que cabe exclusivamente ao Estado.”