Numa edição de Globos de Ouro em que a passadeira vermelha se fez política de maneira que não havia memória – de preto, cor de protesto contra o assédio sexual que na reta final do ano fez um dos maiores escândalos da história da indústria do entretenimento americana – vencedores ficarão para o final. De #MeToo a hashtag dominante fez-se já a #TimesUp. Para a noite de Globos de Ouro, a 75.ª edição dos prémios anualmente entregues pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, acompanhada de outra, #whywewearblacktoday. Porque “as mulheres que trabalham em profissões ou ambientes dominadas por homens lidam com níveis de assédio sexual mais elevados do que as que têm ocupações dominadas por mulheres”. Explicação partilhada e repartilhada nos dias que antecederam uma cerimónia em que assunto foi mesmo o que se vestiu.
Por ser preto ou por não ser. Para a história ficará o vestido vermelho com que se apresentou Blanca Blanco, opção trucidada nas redes sociais. Mas que ao Refinery29 explicou as suas razões. “Adoro vermelho. Usar vermelho não significa que esteja contra o movimento #TimesUp. Aplaudo e apoio as atrizes corajosas que continuam a quebrar o ciclo de abusos através das suas ações e as escolhas de indumentária.” Justificações que se prolongaram pelo Twitter: “A questão é maior do que a cor do meu vestido. O vermelho é apaixonado.”
Blanca Blanco à parte, para as mulheres e sobre elas foi a gala dos Globos de Ouro de 2018. Apresentada por um homem, ainda assim, facto que o próprio – Seth Meyers – fez questão de não deixar passar em branco num monólogo de abertura em que, perante o escândalo que abalou Hollywood no último ano, já nem Donald Trump se fez assunto. O alvo é outro agora. Harvey Weinstein, e outros, os elefantes que afinal não estavam na sala – que nem Kevin Spacey foi esquecido no Beverly Hilton, em Los Angeles, nesta noite de domingo. “Boa noite senhoras e senhores que sobram.” Já na saudação Seth Meyers impunha o tom que viria a dominar a noite em que Oprah Winfrey emocionaria com o discurso com que receberia o prémio honorário Cecil B. DeMille.
“Feliz Ano Novo, Hollywood. É 2018, a marijuana é finalmente permitida e o assédio sexual, finalmente, não é”, sorria o comediante e comentador que havia de conduzir a cerimónia. “Uma nova era se avizinha, posso dizê-lo, até porque há muitos anos que um homem branco não se sentia tão nervoso em Hollywood. Para os homens nomeados, esta é a primeira noite em que ficarão aterrorizados se ouvirem o seu nome em voz alta. Já souberam do Willem Dafoe? ‘Oh, não!’ Foi nomeado, não façam isso! Mais apropriado seria uma mulher apresentar a cerimónia”, concedeu o apresentador para deixar, para “consolação” de todos, que era ao menos “um homem sem poder nenhum em Hollywood”.
Os elefantes ausentes da sala
Se nomes ainda não se tinham ouvido, ou ausências sentido, foi então que Meyers avançou, pé a fundo para lembrar aqueles que este ano se fizeram ausentes: “Chegou a hora de me dirigir ao elefante (que não está) na sala. Harvey Weinstein não está cá esta noite porque, bom, ouvi rumores de que ele é maluco e de que é difícil trabalhar com ele. Mas não se preocupem. Ele volta daqui a 20 anos, quando for a primeira pessoa vaiada no ‘in memoriam’.” A vaia previsível, para o anfitrião se voltar então para Kevin Spacey, também ausente. “Fiquei contente por saber que vão fazer outra temporada de ‘House of Cards’. O Cristopher Plummer também está disponível para isso? Espero que consiga fazer um sotaque do Sul, porque claramente o Kevin Spacey não conseguia.”
Primeiro grande momento – depois do desfile de preto, claro – foi mesmo este, a preparar já o que traria Oprah Winfrey, a lembrar que cada uma das mulheres presentes é celebrada “pelas histórias que conta” mas que no ano que passou se tornaram elas a história. “Uma história que não afeta apenas a indústria do entretenimento, mas que transcende qualquer cultura, geografia, raça, religião, política ou local de trabalho”, sublinhou. “Queria expressar hoje a minha gratidão às mulheres que suportaram anos de abusos e de assédio. Elas, como a minha mãe, tinham crianças para alimentar, contas para pagar – e sonhos para perseguir.”
E agora, os vencedores, que não só de discursos se faz uma noite de entrega de Globos de Ouro. Mas mude-se a perspetiva as vezes que se quiser, o tópico voltará a ser o mesmo. Porque entre os grandes vencedores da noite – ao lado de “Três Cartazes à Beira da Estrada”, de Martin McDonagh, que chega esta semana às salas de cinema nacionais (Melhor Filme – Drama, Melhor Argumento de Cinema, Melhor Atriz e Melhor Ator Secundário na categoria Drama) – veio, na televisão, “Big Little Lies”, criada por David E. Kelley para a HBO, distinguida também com quatro Globos de Ouro (Melhor Minissérie ou Filme Televisivo, Melhor Atriz e Melhor Ator e Atriz Secundários na categoria Minissérie). Uma adaptação do romance de Liane Moriarty a contar as histórias do que se passa dentro das casas de um grupo de mulheres, protagonizadas por Reese Witherspoon, Nicole Kidman, Laura Dern, Shailene Woodley e Zoë Kravitz.
Para história ficará também o momento em que Tomy Wiseau – realizador, produtor e protagonista daquele cujo inexplicável sucesso comercial elevou ao título de “melhor pior filme de sempre”, “The Room” (2003), cujo processo James Franco brilhantemente retratou em “Um Desastre de Artista” (em exibição nas salas portuguesas), que lhe valeu o Globo de Ouro de Melhor Ator de Cinema, na categoria Musical ou Comédia. Entre os maiores derrotados, “A Forma da Água”, filme nomeado em sete categorias e que venceu apenas numa, com a consolação do Globo de Ouro de Melhor Realização a ser entregue a Guillermo del Toro. E ainda “The Post”, de Steven Spielberg, que com seis nomeações, e “Feud: Bette and Joan”, com quatro, terminaram a noite de mãos a abanar.