Beber água não tratada está na moda. Mas será seguro?

A mais recente moda nos Estados Unidos passa por beber água vinda diretamente da natureza, sem qualquer tipo de tratamento. Os defensores garantem que as bactérias podem ser benéficas, mas os especialistas alertam para o risco de contaminação

Quando se fala em comida, as dietas ideais aparecem de todas as formas. Há quem defenda o regresso ao paleolítico, quem prefiro abolir o glúten, quem se alimente de comida crua ou quem defenda que sem produtos animais o corpo funciona muito melhor.

Mas no meio desta panóplia de pratos, uma coisa parecia certa: por muitos sumos de frutas, batidos de proteína ou smothies com superalimentos, a importância de beber água era inabalável e nunca ninguém tinha posto em causa que a água tratada era a melhor opção. Nunca, até agora.

Em Silicon Valey, as novas ideias surgem todos os dias e a mais recente tem sido motivo de debate um pouco por todo o mundo. O tema é universal e põe em causa tudo o que temos feito até aos dias de hoje. Porquê? Então vejamos.

Água, algo que é tão essencial que nos mandam beber pelo menos 1,5 litros por dia. Quem prefere a engarrafada tem toda uma secção nos supermercados com opções desde as garrafas de 0,25 cl até aos garrafões de cinco litros. E como o mais recente relatório sobre o “Controlo da Qualidade da Água para Consumo Humano” garante que os portugueses podem beber água da torneira com confiança, há quem opte pelo simples gesto de ir à cozinha encher um copo. Tudo legítimo e tudo aparentemente saudável.

O aparentemente da frase anterior surge depois da notícia de que afinal há disponível no mercado uma água mais saudável do que a que andamos a beber no dia a dia. O problema é que para atingir esse estado mais puro e, lá está, aparentemente mais saudável, esta água é vendida sem ser tratada, esterilizada ou filtrada. É por isso conhecida como “água crua”.

O que é? A ideia é simples, até porque a água é recolhida da natureza, em rios e nascentes ou quando chove. Mas como são poucos aqueles que conseguem dedicar-se a captar água de forma natural, existem já algumas empresas a fazer este trabalho. É o caso da norte-americana Live Water, em Óregon, a primeira a prestar este serviço.

Antes de mais, falemos de preços. Esta empresa vende 2,5 galões (algo como 9,5 litros) por 37 dólares. Na prática, e traduzido em euros, cada litro desta água custa mais de três euros, o que não parece afastar os consumidores, cada vez mais interessados num contacto direto com a natureza.

O principal impulsionador desta moda é Doug Evans, um empreendedor de Silicon Valley, que garante que já não bebe água da torneira ou engarrafada há muito tempo. A vontade de beber a chamada água crua fez com que Doug descobrisse uma série de nascentes onde ia diariamente encher garrafas, trabalho que é agora facilitado pelas empresas que já vendem esta água pronta para consumo. Há até um site [findaspring.com] que funciona quase como rede social, onde os adeptos deste tipo de consumo mais natural partilham localizações de nascentes ou outras fontes de água sem tratamento.

É seguro? A procura por uma água mais pura tem reunido adeptos nos últimos tempos. Há três anos que a loja Liquid Eden, em San Diego, vende água com opções sem flúor ou cloro. Trisha Kuhlmey, a proprietária, garante ao “The New York Times” que vende mais de 3400 litros de água por dia, números que duplicam a cada ano e que acompanha o crescimento do “movimento sobre a consciência da água”.

Uma das principais preocupações dos defensores de uma água mais pura está relacionada com a adição de partículas como o flúor ou o facto da água passar por canos feitos de chumbo. O tipo de filtragem feita, defendem, retira minerais benéficos ao organismos e mata bactérias saudáveis, os chamados probióticos.

Mas há que olhar para o reverso da medalha. Aquilo que é qualificado como impurezas, é, para os especialistas, exatamente aquilo que torna a água segura para consumo. “Sem tratamento, os riscos são grandes”, garante Donald Henrud, diretor do Programa Vida Saudável da Mayo Clinic. Ao “The New York Times”, o especialista adianta ainda que a água não filtrada pode conter fezes de animais e espalhar doenças e contaminantes, incluindo hepatite A, cólera e E. coli.

Para já, esta moda circunscreve-se a zonas onde pagar mais de três euros por um litro de água não é considerado um luxo. Além disso, empresas como a Tourmaine Spring, que também vendem água crua, conseguiram uma isenção do Estado para vender água sem tratamento, algo que dificilmente seria possível noutros mercados, nos quais Portugal se inclui, que seguem uma série de regras restritas no que diz respeito à qualidade da água. E é sempre bom lembrar que, segundo dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, nunca a água em Portugal esteve tão segura para beber.