Ah! Este nosso campeonatozinho nacional, tão maltratado, benza-o Deus, para cá e para lá em tratos de polé de esgazearem os olhos de espanto a um conhecedor do mundo ao nível de Fernão Mendes Pinto, ou outro da mesma igualha, atingiu finalmente a sua metade exata e talvez com determinadas circunstâncias que não seriam adivinháveis em semanas não muito recentes.
É óbvio, de um óbvio ululante como escreveria o grande Nelson Rodrigues, mestre indiscutível da crónica, que na altura destes balanços ou balancetes, como lhes queiram chamar, embora a mim a expressão me soe sempre assim para o poeirento acartando uma imagem mofa de dossiers encavalitados a esmo, cada um carrega nas teclas do qwert a seu bel-prazer, desde que com o mínimo de respeito pela ortografia e pela sintaxe.
Confesso alguma surpresa em perceber que, de repente, passei a encarar o Benfica como um candidato tão sólido como os demais, isto é, FCPorto e Sporting – e aqui a ordem dos fatores não é, de forma alguma, arbitrária. Podem dizer-me, com a razão fortíssima dos factos “quod erat demonstrandum”, que continuam os encarnados de Rui Vitória atrás dos rivais, e que até desperdiçaram a oportunidade soberana de dar ao leão do outro lado da Segunda Circular um tiro na juba que o pusesse de cócoras no caso de ter saído do dérbi como vencedores. Desperdiçaram-no sendo superiores de forma clara ao seu opositor dessa quarta-feira à noite, o que pode ter deixado a Dona Águia um certo amargo de boca.
Saiu o Sporting da Luz como entrou. Isto é, com os tais três pontos de vantagem sobre o Benfica.
Saiu o Sporting da Luz mais distante do líder, o FCPorto de Sérgio Conceição, o tal que sugere estarmos perante um bicho papão ao qual ninguém será capaz de fazer frente.
Veremos isso a seu tempo…
Não sou dado a apostas, nem singelo contra dobrado, como nos livros do Texas Jack ou quejandos. Mas devo andar longe de acertar que a maioria dos apostadores que quiseram ir meter uns tostões (ou uns milhões) no resultado do dérbi os foram colocar nas fichas verdes.
O voo. Havia razões para que assim fosse. Como era alquebrado o voo do Benfica de então, envolvido em problemas de toda a ordem, surpreendentemente eliminado da Taça de Portugal e da Taça da Liga e, ainda por cima, sujeito às pilhérias alimentadas por uma presença inédita na Liga dos Campeões.
Sim, porque inédito também pode ser sinónimo de mau.
Ou de péssimo, neste caso concreto.
Pois, vendo-se a perder quase sem perceber ao certo o motivo – aliás, eis uma tremenda falha deste Benfica, sofrendo golos que parecem nunca ter nascido para ser golos – reagiu a equipa de Rui Vitória com alma de campeão ferido na asa, como o milhafre do Carlos Tê.
E, continuando no Tê, os milhares e milhares de benfiquistas que, no coração da Luz, se terão sentido lampiões tristes e sós, gritaram revolta a plenos pulmões. Não se deixaram explodir a frase “Por Santiago!”, mas que pegaram na equipa ao colo, lá isso pegaram.
E, ao colo dos adeptos que pareciam ventar tão ferventemente como uma tempestade no deserto do Namibe, foi à procura de uma vitória que lhes escorregou por entre os dedos sendo, ainda assim, necessário esperar pelo minuto 90 para que a derrota se não materializasse.
Contariam, Sporting e FCPorto, e aqui a ordem já pode ser arbitrária, que a ida da águia a Braga caísse sob a maldição de algum arcebispo. E não foi isso que aconteceu. OBenfica da segunda parte contra os leões foi o mesmo da hora e meia da Pedreira. Ganhou na raça, na qualidade e no esforço, saindo de campo a esfregar o suor das mãos nos calções sujos de tantos carrinhos aplicados, de tantas bolas divididas no rojo do chão.
Aceitemos sem rebuço: esta equipa que, de repente, apareceu no cenário do campeonato, não merece um lugar secundário nem ficar escondida por detrás dos cortinados. Voltou a justificar presença no palco pelo qual se têm passeado, com orgulho e peito enfunado como vela de galeão, FCPorto e Sporting.
Tenha cada um de nós a sua ideia sobre o favorito ao título de campeão. Eu também tenho a minha. O que não quer dizer que já não fosse mais segura.
Malhas que o futebol tece…
Felizmente, já agora.