Dizem os puristas que o futebol não se mede pelos números. Que as estatísticas não mostram tudo e podem até desvirtuar a verdade, num jogo que é acima de tudo um desporto e que de científico tem pouco – ou tinha, até ao apogeu das “novas gerações” de treinadores, analistas e comentadores.
Seja como for, dando mais ou menos importância ao que os números revelam (ou ajudam a esconder), a verdade é que há casos incontornáveis, de tão visíveis a olho nu.E o de Harry Kane é um deles. Quando, aos 21 anos, o avançado nascido em Walthamstow, nos subúrbios de Londres, marcou 31 golos em 51 jogos pelo Tottenham (21 em 34 na Premier League, na qual foi o segundo melhor marcador), muitos foram os adeptos ingleses que ergueram os sobrolhos, cheios de desconfiança, e proferiram uma expressão que ainda hoje perdura – mas agora para os atormentar: Kane não passava de um “one-season wonder”, ou seja, seria daqueles jogadores destinados a fazer apenas uma boa época na carreira e depois cair progressivamente no anonimato.
Três anos volvidos, o cenário é diametralmente oposto àquele vaticinado por esses opinadores de sofá. Com os dois golos apontados na goleada do Tottenham ao Everton no passado fim-de-semana (4-0), Harry Kane regressou de forma isolada ao topo da lista de marcadores da Premier League (20 golos em 22 jogos/28 em 28 no total das competições esta época), prova da qual foi o artilheiro máximo nas últimas duas temporadas: 25 golos em 2015/16 e 29 em 2016/17.
Mas conseguiu mais do que isso. O bis fez de Kane o melhor marcador da história dos spurs na era Premier League (desde 1992/93), ultrapassando o histórico Teddy Sheringham – soma agora 98 golos pelo Tottenham na prova, contra os 97 do antigo campeão europeu. Kane, todavia, precisou de apenas quatro épocas e meia para atingir estes números, enquanto Sheringham só lá foi na sétima.
E, como não há duas sem três, o furacão fez-se sentir noutro aspeto específico: Kane é apenas o terceiro jogador na história da Premier League a chegar pelo menos aos 20 golos durante quatro temporadas consecutivas. Antes, só Alan Shearer e Thierry Henry, nomes míticos das décadas de 90 e 2000 no futebol inglês, haviam alcançado tamanho feito: o inglês por Blackburn Rovers e Newcastle, o francês sempre ao serviço do Arsenal – e haveria de chegar ainda novamente a esse número na época seguinte, perfazendo um total de cinco temporadas consecutivas a marcar um mínimo de 20 golos na Premier League.
No caso de Kane, todavia, há um pormenor que tem de ser sublinhado: o avançado do Tottenham conseguiu a façanha com apenas 24 anos, e naquela que é a sua sexta temporada na divisão maior do futebol inglês. Shearer conseguiu-o aos 27 anos, e na décima temporada ao mais alto nível, enquanto Henry o fez quase a chegar aos 28, quando cumpria a sexta época na Premier League.
A bater à porta dos 100
A continuar neste registo, Harry Kane ameaça já vir a bater todos os recordes da Premier League no que a golos diz respeito. No Boxing Day, com o hat-trick ao Southampton, tornou-se no jogador a marcar mais golos na Premier League num ano civil: foram 39 em 2017. A marca anterior pertencia… a Shearer: 36 em 1995.
Esses três golos permitiram ainda a Kane ultrapassar Messi e sagrar-se omelhor goleador de 2017 (56 golos, contra 54 do argentino e 53 de Cristiano Ronaldo, Lewandowski e Cavani), tornando-se o primeiro jogador além de Messi e Ronaldo a conquistar o galardão desde 2010. “Vão ficar na história como dois dos melhores jogadores de sempre. Estar lá e batê-los é algo que me deixa orgulhoso. Quero estar todos os anos à frente deles, não apenas superá-los mas vencer tantos troféus quanto eles”, afirmou então o avançado do Tottenham, em entrevista à “ESPN” onde revelava, por exemplo, ser uma pessoa caseira, ter uma dieta onde já praticamente não cabem doces nem chocolates e ainda idolatrar Ronaldo… Fenómeno: “Tinha tudo: ritmo, poder, finalização, técnica e passe.”
Há poucos dias, foi eleito o jogador do mês de dezembro da Premier League – um mês onde apontou oito golos em seis jogos. Esta foi já a sexta vez que Harry Kane mereceu tal distinção, o que faz dele o jogador mais vezes premiado na história da competição, em igualdade comSteven Gerrard, lenda do Liverpool.
O próximo objetivo não parece assim tão longe de ser alcançado: ser o jogador com mais golos numa edição da Premier League. Esse desiderato está na posse bi-partida de Andy Cole (Newcastle, 1993/94) e o inevitável Alan Shearer (Blackburn Rovers, 1994/95): 34 golos. Nestas épocas, contudo, o campeonato inglês era disputado a 42 jornadas. Kane já chegou às duas dezenas de golos em janeiro, e numa altura em que ainda faltam disputar 14 jornadas, torna-se complicado apontar um limite ao sôfrego avançado dos spurs.
Mais longe estará, para já, a chegada ao top dos tops, também ele liderado por Alan Shearer, com 260 golos em 441 jogos. Sheringham, com 146, fecha o top-10 e também será inalcançável nesta temporada e possivelmente na próxima – isto, caso Kane não rume a outras paragens no fim da época. Já a barreira dos 100 golos na Premier deverá estar à distância de um jogo com o Southampton… ou perante oManchester United de José Mourinho. Mais uma oportunidade para o Special One testemunhar história.