A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) já tem em mãos toda a documentação que pediu à associação mutualista para poder decidir a sua eventual entrada na Caixa Económica Montepio Geral. Os dados, tanto públicos como não públicos, já terão sido passados ao Haitong, banco de investimento que contratou para analisar o dossiê, e este já terá dado o seu feedback técnico sobre a informação ou, pelo menos, parte dela, apurou o i.
Ainda assim, continua a existir um impasse em relação a uma decisão, apesar de o provedor da SCML, Edmundo Martinho, ter admitido que queria concluir o processo até ao final deste mês. Ainda na semana passada, na Comissão de Trabalho e Segurança Social, o responsável garantiu que “ainda não está nada decidido”, mas que continuava a existir “um conjunto de cautelas que se mantêm de pé. Continua o processo de avaliação, não há nenhum valor. O único limite é 10% do capital”, revelou na audição aos deputados.
No entanto, Martinho afirmou que, a concretizar-se esta entrada, ela significará a “oportunidade” de ajudar a reforçar o setor da economia social, através de um banco da área. E voltou a deixar uma ressalva: se entrar no capital da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), não avançará “sozinha”, indicando que várias Misericórdias têm manifestado interesse em investir.
“Uma das condições que estavam colocadas em cima da mesa desde o início é que a Misericórdia de Lisboa, a entrar, não entrasse sozinha, mas entrasse em conjunto com outras entidades do setor social, e várias [Misericórdias] têm manifestado junto da associação mutualista [Montepio] a vontade de se associar a esse movimento, naturalmente com vínculos e intensidades financeiras diferentes, de acordo com aquilo que são as disponibilidades de cada Misericórdia”, declarou já esta semana.
Em causa está a entrada em 10% do capital, o que irá exigir um investimento de 200 milhões de euros, uma vez que o banco está avaliado em cerca de dois mil milhões de euros. A instituição financeira estava avaliada em 1700 milhões de euros quando detinha 95% do capital, elevando-se para este valor depois de ter adquirido as restantes ações, passando a deter a totalidade do banco, e após aumento de capital de 250 milhões de euros.
Vieira da Silva agradado com ideia
Esta entrada da Santa Casa no Montepio é uma ideia que agrada ao ministro do Trabalho e da Segurança Social. Esse agrado voltou a ser referido ontem no parlamento, mas lembrou que uma decisão desse tipo só acontecerá se a Santa Casa concluir que ela serve os seus interesses.
“A aplicação de parte dos ativos [da SCML] numa instituição financeira da economia social não me parece que se afaste da missão da Santa Casa”, afirmou aos deputados.
No entanto, garantiu que “não empurrou a Santa Casa para coisa nenhuma” e que o que houve foi uma “sugestão”. “Como disse o ex-provedor [da Santa Casa, Pedro Santana Lopes], nunca houve qualquer pressão do governo, o governo não empurrou a Santa Casa para coisa nenhuma, foi uma sugestão feita e bem aceite” de estudar essa possibilidade, afirmando ainda que a SCML tem “autonomia de gestão” para decidir estes assuntos.
O ministro esclareceu também que deu início ao processo, mas recusa qualquer envolvimento posterior. Foram “desenvolvidas um conjunto de iniciativas que foram conduzidas pelas entidades interessadas, sem participação direta ou indireta de mim próprio ou de alguém do meu gabinete, ou do governo”.
O governante afastou ainda a responsabilidade de ter sido predefinido um valor de 200 milhões de euros em troca de 10% do capital do banco.
No final da audição, o deputado do CDS Filipe Anacoreta Correia anunciou que vai apresentar um requerimento para chamar o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, a dar explicações sobre esta operação.
Nova administração em marcha Mas enquanto se assiste a este impasse, a futura administração do banco vai ganhando novos contornos. Já é oficial o nome de Nuno Mota Pinto para suceder a Félix Morgado, um administrador que até aqui estava no Banco Mundial e que vai ao encontro do projeto que está a ser delineado pela associação mutualista, que pretende criar um banco social. Tal como o i tem avançado nos últimos meses, seria preciso encontrar um novo líder para a instituição financeira, uma vez que não só as relações com Tomás Correia tinham vindo a degradar-se como Félix Morgado sempre se mostrou contra esta mudança de rumo por parte do banco.
A este deverá juntar-se Carlos Leiria Pinto, também proveniente do Banco Mundial. A eleição da nova administração irá decorrer nas próximas semanas. Ao todo serão nomeados sete administradores executivos e oito não executivos e, ao que o i apurou, toda a administração será renovada.
No entanto, esta mudança de administração da instituição financeira implica a aprovação prévia dos novos estatutos, que irão trazer um novo modelo de governação no banco, deixando de existir o atual conselho geral de supervisão e o conselho fiscal. Só depois de os novos estatutos serem aprovados em assembleia-geral (AG) é que serão submetidos ao Banco de Portugal.
Todas estas alterações ao nível da administração e do modelo de governação do banco poderão ocorrer ainda sem a entrada da Santa Casa no capital da instituição financeira – um impasse que não iria pôr em causa a sua aprovação, já que fonte ligada ao processo garantiu que os nomes que têm sido escolhidos têm tido o aval das duas partes.
Aliás, tal como o i tem avançado, a definição da nova liderança faz parte do acordo parassocial, uma vez que é entendido que quem entra quer participar na gestão.
Já na última AG, Tomás Correia revelou que se “pretende no futuro reforçar o aproveitamento do potencial existente, em conjugação com a perspetiva de continuação da melhoria das condições envolventes, tanto a nível de mercado como em termos da exploração da principal entidade do grupo”. E deixou uma garantia: “A Caixa Económica Montepio Geral está estabilizada através do robustecimento da sua base de capital, para níveis que a tornaram uma das mais sólidas instituições financeiras do nosso mercado.”
Recorde-se que, até setembro, a Caixa Económica Montepio Geral lucrou 20,4 milhões, depois de ter registado prejuízos no ano passado. Esta melhoria nas contas deveu-se a cortes nos custos operacionais, ao aumento do produto bancário e ao aumento das comissões.
Código mutualista alterado
Também a própria associação mutualista será em breve sujeito a novas regras. Ontem, Vieira da Silva revelou que, nas próximas semanas, a revisão do Código das Associações Mutualistas será levada a conselho de ministros para aprovação das alterações à supervisão das mutualistas, ficando depois em consulta pública.
O ministro do Trabalho e da Segurança Social admitiu, no parlamento, que o processo “se tem arrastado” pela necessidade de “encontrar um modelo de supervisão” das instituições mutualistas. No entanto, não indicou o que será alterado na supervisão destas entidades e dos produtos mutualistas que vendem (ver texto ao lado).
A verdade é que esta incerteza em relação às mudanças que eventualmente surjam poderá causar alguma instabilidade na associação mutualista, que irá a votos no final do ano. O mandato de Tomás Correia, eleito em 2016, termina no final de 2018.