O julgamento do caso que envolve Manuel Vicente começa nesta segunda-feira e será na sala de tribunal que se vão desmanchar alguns dos nós que este processo já mostrou ter. O primeiro será o de decidir se há condições para que Manuel Vicente seja julgado com os restantes arguidos, uma vez que, de forma inédita, chegou a julgamento sem sequer ter sido notificado da acusação. Por outro lado, o juiz já deixou claro que serão analisadas em tribunal as acusações que os arguidos têm feito nas últimas semanas ao banqueiro angolano Carlos Silva (vice-presidente do Millennium/BCP e presidente do Banco Privado do Atlântico) e ao advogado português Daniel Proença de Carvalho.
MP acusado de omitir de dados
Mas, como se tudo isto já não fosse complexo demais, Paulo Blanco (o arguido que no passado foi advogado do Estado angolano) juntou aos autos nas últimas horas um requerimento com duras acusações ao Ministério Público (MP), sugerindo que de forma premeditada a investigação omitiu dados e o colocou no centro de toda a alegada teia. Fala até numa atitude pouco isenta de uma das procuradoras quando, em depoimento, surge uma comparação entre si e Daniel Proença de Carvalho.
Blanco diz que já tinha alertado para o facto de ter sido truncado esse depoimento de março de 2016, alegando ter dito o seguinte: «Tive o cuidado de sublinhar que não era advogado dele o do Dr. Carlos José da Silva é o Dr. Daniel Proença de Carvalho Sra. Dra. Está no processo, não é, portanto confundir-me a mim com o Dr. Daniel Proença de Carvalho que tem procuração no processo». E, segundo Blanco, a procuradora Inês Bonina terá reagido «em tom laudatório»: «Realmente é difícil!».
O arguido diz no requerimento que esta postura da magistrada é sintomática da «falta de objetividade do Ministério Público e de relações que [ele próprio] ignora». Adianta ainda, e é aqui que entra a alegada omissão dos investigadores, que o comentário foi retirado da transcrição, algo que quer que seja corrigido.
«Trata-se de omissão deliberada uma vez que, ao invés do que ocorre noutras partes da transcrição do depoimento do signatário ali inscrita, não há qualquer referência a ‘impercetível’, ou seja, é evidente que houve por parte do MP intenção de omitir nos autos a citada afirmação laudatória», assegura.
Além dessa questão, Paulo Blanco afirma que no auto de busca e apreensão realizado em 23 de fevereiro de 2016 no Banco Privado do Atlântico é referido o seguinte: «Doc.13 – Print relativo à conta representada por Paulo José Amaral L. Requeijo Blanco (Sonangol, SA) no total de 11 (onze) folhas. Doc.14 – Print relativo à conta representada por Paulo José Amaral L. Requeijo Blanco (Sonangol HK Limited) no total de 9 (nove) folhas».
Quanto a estas referências ao seu nome, Paulo Blanco garante nunca ter tido qualquer mandato da Sonangol, adiantando que só há duas explicações: ou é falso o que consta no auto ou o Banco Privado do Atlântico-Europa estava a usar o seu nome de forma fraudulenta.
Salienta ainda o advogado que, apesar do erro envolvendo a Sonangol, o «Banco Privado Atlântico-Europa, por coincidência, também patrocinado nos presentes autos pelo Dr. Daniel Proença de Carvalho, […] não veio solicitar a correção, nem esclarecer o erro… quando bem sabe e não ignora que, em qualquer caso, é falso o ali vertido e prejudicial à defesa do signatário e do próprio Eng.º Manuel Vicente».
Levantando a hipótese de se estar perante uma falsificação de documento, o arguido, que em dezembro decidiu entregar uma contestação com a sua versão dos factos, lança ainda uma farpa à investigação ao dizer que «visa somente a verdade, valor sucessivamente atropelado nos presentes por falsidades, omissões, erros, relações amorosas, de amizade e hierárquicas a que o signatário [Blanco] é alheio, mas pelas quais não aceita ser prejudicado».
Proença e Carlos Silva no centro das atenções
Como o SOL já noticiou, o juiz responsável pelo julgamento admitiu a exposição de Orlando Figueira em que este aponta o dedo ao banqueiro Carlos Silva e a Proença de Carvalho (ver págs. 8-9).
«O arguido pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo», refere o juiz no despacho, assegurando que tais documentos «são sempre integrados no processo». É também afirmado que a admissão ocorre independentemente da posição assumida pelo Ministério Público e pelo arguido Paulo Blanco: «O juiz não pode ordenar o seu desentranhamento, salvaguardada que se mostre a sua incidência no objeto do processo ou a salvaguarda de direitos fundamentais do arguido».
Anteriormente, o procurador de julgamento, José Góis, tinha manifestado a sua oposição, considerando que a nova versão dificilmente seria chamada «à colação em sede de audiência».
A Procuradoria-Geral da República, porém, já tinha garantido ao SOL que «na fase em que o processo atualmente se encontra, os documentos/elementos apresentados pelas defesas, respetiva relevância e validade, bem como a posição do Ministério Público sobre os mesmos, são apreciados pelo tribunal no julgamento». E adiantou que já estava a recolher dados para ponderar o que pode ou não fazer o Ministério Público.
A decisão polémica de levar Vicente a julgamento
Depois do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) ter deduzido acusação no âmbito da Operação Fizz, apenas Armindo Pires, homem de confiança de Manuel Vicente, decidiu pedir abertura de instrução e assim tentar evitar o julgamento.
Ainda que nessa altura, tal como agora, Manuel Vicente não tivesse sido notificado da acusação, a juíza de instrução criminal concluiu: «Relativamente aos arguidos que não requereram a abertura de instrução, e não havendo consequência a retirar para os mesmos da presente instrução, remeta a acusação para julgamento, nos termos do disposto no art.º 311, do CPP».
E é desta forma que o antigo governante angolano vai chegar a julgamento, sendo que juristas contactados pelo SOL dizem não ver outra solução que não seja a de separar a parte de Vicente antes de se iniciar este julgamento, independentemente do entendimento sobre o envio do mesmo para Luanda.
Na segunda-feira se saberá o que o juiz decide.
E se o processo continua ou não com os mesmos arguidos e as mesmas testemunhas.