O ISCTE quer vender um terreno e um edifício anexo às suas instalações, no centro de Lisboa, para serem construídos dois hotéis onde o instituto tenciona instalar a futura Escola de Hospitalidade e Turismo, em parceria com a Universidade Europeia, sabe o SOL.
O concurso público para a alienação – que foi aprovado em reunião do Conselho de Curadores do ISCTE – encerrou a fase de candidaturas a 19 de dezembro mas corre agora o risco de vir a ser anulado. Isto porque o Ministério da Ciência e do Ensino Superior levantou várias questões sobre a legalidade do processo de venda do terreno e do edifício – arrendado atualmente ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMTT) na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa. O SOL sabe que o ministro Manuel Heitor encaminhou mesmo o caso para o Ministério Público.
As dúvidas do Ministério
Nos termos de um parecer com data de 17 de novembro de 2017 – a que o SOL teve acesso –, o gabinete de Manuel Heitor entende que a alienação tem de seguir as regras do Código dos Contratos Públicos (CCP), ou seja, não pode ser realizada através de um concurso público único. A tutela recorda ao ISCTE que, apesar de ter o estatuto de fundação – tendo à partida mais liberdade para gerir o seu património –, a venda do terreno e do edifício terão de cumprir as normas previstas no artigo 32.º do CCP, não sendo aplicáveis as regras previstas no direito privado. Ou seja, a alienação do terreno e do edifício terá de ser realizada através de dois processos autónomos: um concurso para a venda do terreno e outro para a alienação do edifício, que, neste caso, terá de ter o visto do Tribunal de Contas. E, estando prevista a construção de novos edifícios, terão de ser seguidos os procedimentos próprios para empreitadas de obras públicas.
O ISCTE lançou um concurso único para a venda do terreno e do edifício, seguindo as normas previstas no direito privado.
O parecer do Ministério resultou de um recurso tutelar pedido por dois professores do ISCTE – António Caetano e Rui Pena Pires – e o SOL sabe que Manuel Heitor chamou ao Ministério Júlio Pedrosa, ex-ministro da Educação de António Guterres e atual presidente do Conselho Geral do ISCTE, órgão máximo da instituição de ensino superior, para lhe entregar o parecer jurídico da tutela. Foi-lhe também pedido que fossem corrigidos os procedimentos do concurso.
Caso não sejam corrigidos, o Ministério pretende que o concurso «seja declarado nulo» ou «anulado o despacho do reitor de 19/09/2017 que aprova e manda publicar» o concurso em Diário da República. Decisão que pode ser tomada pela tutela mesmo após a realização do negócio, contou ao SOL fonte próxima do processo.
Contactado pelo SOL, o reitor do ISCTE, Luís Reto, sublinha que o concurso «não foi anulado» e que as dúvidas levantadas pela tutela estão a ser «esclarecidas por pedidos de pareceres do Conselho de Gestão, e do Conselho Geral, de forma autónoma e independente». Luís Reto diz ainda que esta situação resulta de uma «dúvida jurídica» gerada pelo estatuto de fundação do ISCTE e de algumas alterações à lei, introduzidas durante o período da troika, que vieram «reduzir a autonomia» das instituições de ensino superior. Caso não tivessem sido feitas estas alterações à lei-quadro das fundações, «não havia problema nenhum», sublinha Luís Reto, que vai deixar o cargo de reitor em março.
Já a tutela, questionada pelo SOL, não respondeu a qualquer questão enviada sobre este processo até à hora de fecho desta edição.
Aprovação de Medina
O terreno e o edifício do IMTT foram comprados pelo ISCTEem 2011 e já em 2013 a instituição tinha tentado vender o imóvel, mas sem sucesso. Isto porque vários membros do Conselho Geral se opõem à alienação.
Só a 2 de junho de 2017 a venda foi votada pelos cinco membros do Conselho de Curadores do ISCTE, tendo sido aprovada com os votos favoráveis de António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), de António Vitorino, ex-ministro do PS, de Carlos Santos Ferreira, presidente do conselho estratégico internacional do Millennium BCP e de Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa. Fontes próximas do processo dizem ao SOL que esta foi, aliás, a única reunião do Conselho de Curadores do ISCTE em que o autarca marcou presença.
Questionado pelo SOL, Fernando Medina não prestou quaisquer declarações sobre este processo até à hora de fecho desta edição.
A proposta em cima da mesa prevê a venda de 82% do terreno e todo o edifício do IMTT por cerca de 12 milhões de euros. Os restantes 18% do terreno serão para alargar um dos edifícios do ISCTE.
Segundo a documentação a que o SOLteve acesso, quem ganhar o concurso do terreno ficará responsável pela construção de dois hotéis: um de três estrelas e outro de cinco. E é nestes edifícios que vai funcionar a futura Escola de Hotelaria e Turismo, com cursos de licenciaturas, mestrados e pós-graduações nas áreas de gastronomia, hospitalidade e turismo.
Terminado o prazo de candidaturas ao concurso, a 19 de dezembro, ainda não foi comunicado ao Conselho Geral quem foram os oponentes. Mas várias fontes dizem ao SOL que o lançamento da nova escola de Hotelaria e Turismo será a estratégia encontrada para que a Universidade Europeia aprofunde a parceria que já tem com o ISCTE e que consiga expandir o seu leque de escolas em Portugal.
Desde 2013 que a Europeia tem cursos de licenciaturas, pós-graduações e um doutoramento nas áreas de Turismo e Gestão Hoteleira em parceria com o ISCTE.
Recorde-se que a Europeia, que chegou a Portugal em 2013, está a ser alvo de uma investigação do Ministério Público. A PGR não revela se, no âmbito desde processo, já foram constituídos arguidos.