Se na escola a professora davama desenho para pintar, João Pedro não conseguia ficar a fazer a tarefa durante mais de cinco segundos. No recreio batia nos colegas e se a família decidisse ir comer fora, era certo que a mesa acabava com um ou outro copo partido ou entornado.
Carla Araújo, a mãe, habituada a uma filha mais velha que nunca deu problemas, começou a ficar sem armas para mudar o comportamento do segundo filho e já nem a ajuda da educadora chegava para domar a força do João Pedro. Foi aí que, ainda no infantário, levou o filho pela primeira vez ao pedopsiquiatra, onde foi avaliado com hiperatividade e défice de concentração.
Com medicação numa primeira fase e com consultas mensais e o trabalho de pais e professores, João Pedro, atualmente com 11 anos, está mais calmo, mais concentrado e os pais já não precisam de pensar duas vezes antes de o levarem para um espaço público, como acontecia sempre que queriam, por exemplo, almoçar fora.
Apesar de não ter hesitado na hora de procurar ajuda profissional, Carla tem noção de que isso, na sua infância, era impensável. «Se nos portávamos mal, a terapia era o chinelo», lembra. E foi exatamente para não replicar aquilo que lhe acontecia na sua infância que procurou ajuda externa, algo cada vez mais comum nos dias de hoje e que ganhou outra dimensão desde que, no domingo passado, a SIC exibiu o primeiro episódio do programa Supernanny, no qual uma psicóloga vai a casa de uma família com uma criança problemática na tentativa de mudar comportamentos.
A psicóloga Marina Carvalho garante que situações como estas, em que é o profissional a deslocar-se a casa do paciente, são raras. «Acontecem no caso de o apoio dado a familiares em caso de morte ou acidente ou, nos casos de terapia com crianças, em pacientes com autismo, por exemplo». E isto, porque, nessas situações, é importante saber quais os espaços físicos em que a criança se move.
O mais habitual é os pais recorrerem a ajuda psicológica, num gabinete, com consultas periódicas. Ainda que apresente cada caso como individual e, por isso, sem tempo de tratamento estipulado, Marina lembra que são precisos pelo menos seis meses para mudar um comportamento.
Desafios transversais
É certo que os desafios atuais são diferentes e envolvem fatores externos como a internet e as redes sociais, um fenómeno extra com o qual os pais têm que lidar. Mas a verdade é que, segundo Marina Carvalho, os desafios de educar uma criança hoje em dia não são muito diferentes dos de há 30 ou 40 anos.
«Existem momentos-chave que acontecem sempre, seja qual for a época. O primeiro deles é a autonomia da criança em relação aos pais, ou seja, a passagem de criança a adolescente», refere. E por isso, Marina Carvalho é defensora de um acompanhamento psicológico que comece logo no pré-escolar, algo ainda bastante raro em Portugal.
«O ideal seria que o trabalho de prevenção começasse na escola, mas infelizmente não existem psicólogos em número suficiente para esse trabalho», lembra, problema transversal ao Serviço Nacional de Saúde. «Os pais não têm alternativa que não seja recorrer ao privado e isso pode não ser acessível para todos», refere.
Pais demasiado exigentes
Para a psicóloga Rita Jonet, existem dois fatores que contribuem para este aumento da procura de ajuda psicológica para a educação das crianças. «Por um lado, temos famílias mais reduzidas, o que dificulta a comparação e a interação com outras crianças», lembra. Por outro, a especialista refere que temos hoje em dia pais mais críticos e mais ávidos de informação. «Mas atenção», alerta, «o psicólogo tem que conseguir dar a informação que o pai precisa, sem lhe tirar a intuição e a competência». Afinal, são os pais que lidam com a criança no dia-a-dia, «o psicólogo só está ali para ajudar».
Já Marina Carvalho, junta a esses dois fatores de influência um terceiro: as novas exigências. «Temos pais que trabalham muitas horas, algumas vezes por turnos e que pouco tempo passam com os filhos», refere. Além disso, as próprias crianças têm outras responsabilidades e, para isso, basta ver a quantidade de atividades extracurriculares disponíveis.
Sobre isto, Rita Jonet faz um apelo: «Os pais têm que olhar para os filhos como pessoas e não como alunos». Isto porque a psicóloga educacional depara-se muitas vezes com a pressa dos pais para que os filhos aprendam e sejam melhores que os outros. «Acabei de sair de uma reunião com os pais de uma criança com dificuldades de aprendizagem a quem contam muitas vezes a história dos três porquinhos. O problema é que, ao contar a história, estão sempre a perguntar quantos porquinhos são, por exemplo, e não lhe perguntam de que porquinho o filho gosta mais».
E as birras?
A importância de valorizar as boas ações e não apontar só os erros é um dos tópicos que a Supernanny – a psicóloga Teresa Paula Marques – faz questão de explicar à mãe da Margarida, a criança malcomportada escolhida para a estreia do programa.
«Os pais são muito exigentes e estão menos tolerantes», garante Marina, lembrando a confusão que existe entre mau comportamento e má educação. «As chamadas birras não são mais do que um momento de intolerância face a uma situação», explica. Salienta ainda que essas birras acontecem devido a formas desreguladas de gerir emoções. «Há as crianças que interiorizam emoções e que não dão problemas – aparentemente, porque nem sempre o interiorizar é bom – e há os que exteriorizam em forma de birra, oposição ou desrespeito».
Mas a psicóloga garante que uma birra de vez em quando não faz mal, «desde que a criança aprenda com a regulação do pai ou do professor».
No entanto, foi exatamente a exposição das birras de Margarida que ditaram um rol de críticas assim que o Supernnany foi para ar. A Unicef, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens e o Instituto de Apoio à Criança foram algumas das instituições a avançar com críticas, por considerarem que o programa viola os direitos da criança.
Entretanto, o Ministério Público informou que está a acompanhar o caso e a analisar as possibilidades legais de intervir no programa enquanto que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Loures, com competência territorial na zona onde vive a família, quer que a emissora retire do ar todas as imagens que expõem a criança retratada no primeiro programa. A SIC, por outro lado, não recua e insiste na vertente pedagógica dos conteúdos, que continuarão a ir para o ar aos domingos à noite.