«Quantas vezes vemos pessoas que cuidam de gatos e de cães e que depois deixam sem ajuda o vizinho que passa fome».
Papa Francisco
A tourada é um espetáculo que remonta às próprias origens de Portugal.
Festejada pelo povo, foi praticada por nobres e reis – como D. Sancho II, no século XIII, e, mais tarde, por D. Sebastião, D. Miguel ou D. Carlos. Todos se distinguiram na arte do toureio a cavalo.
Não surpreende, assim, que, depois de proibidas em 1836, as touradas tenham sido de novo autorizadas por exigência das populações – embora sem os designados ‘touros de morte’, proibidos no ano de 1928, através do Decreto n.º 15.355, de 14 de Abril, aprovado em plena ditadura militar.
Só no nosso século veio novamente a ser admitida esta prática, mas circunscrita às vilas alentejanas de Barrancos e de Monsaraz, por se lhes reconhecer uma especificidade cultural e social que não justificava a proibição geral que vigora no restante território nacional.
Dito isto, cumpre reconhecer que a ‘tourada à portuguesa’ representa um bom exemplo de preservação da tradição, como bem reconheceu o Estado no Decreto-Lei n.º 89/2014, de 11 de junho, que aprovou o Regulamento do Espetáculo Tauromáquico referindo que «a tauromaquia é, nas suas diversas manifestações, parte integrante do património da cultura popular portuguesa».
Por outro lado, as touradas constituem eventos de inegável impacto social, contando-se por largas dezenas os municípios que declararam a tauromaquia como seu Património Imaterial e Cultural, gerando um número muito significativo de espetadores, seja nas próprias corridas, seja nas respetivas transmissões televisivas.
Assim, entre 2016 e 2017, o número de pessoas que assistiram a corridas de touros aumentou de 430 mil para quase 436 mil, crescendo, no mesmo período, o número médio de espetadores por corrida de 2375 para 2591. E estima-se que as transmissões televisivas em Portugal tenham atingido em 2017 uma média global acumulada de dois milhões de telespetadores.
As touradas obtêm, de resto, uma assistência média significativamente superior às dos demais eventos culturais que lhes são comparáveis. Refira-se que a ópera consegue uma média de cerca de 460 espetadores, o teatro de 195 e o cinema de apenas 23.
Este reconhecimento perpassa na exposição de motivos do já aludido Decreto-Lei n.º 89/2014, segundo a qual «entre as várias expressões, práticas sociais, eventos festivos e rituais que compõem a tauromaquia, a importância dos espetáculos em praças de toiros está traduzida no número significativo de espetadores que assistem a este tipo de espetáculos».
Se o que acaba de referir-se evidencia uma forte adesão e aceitação das touradas na maior parte da população portuguesa, não deve igualmente ignorar-se o impacto económico positivo que as mesmas têm na economia nacional, além do não negligenciável contributo que prestam para a valorização da chamada ‘economia do campo’.
Como bem referiu Atílio Forte, especialista e professor de turismo e ex-presidente da Confederação de Turismo de Portugal, «a tauromaquia é um segmento da atividade turística com uma atratividade importante para o mercado interno e externo. Colocá-la em causa é fazer Portugal perder no setor competitividade em relação a países como Espanha».
É verdade que, por vezes, surgem algumas propostas bizarras, ora originadas em pequenos grupos ativistas fraturantes, ora preconizadas por partidos radicais alheios ao sentir da maior parte do povo português, através das quais se procura por em causa a ‘festa brava’.
Exemplo disso são, para além das proibições gerais – proposta quase totalitária e pouco própria de uma sociedade aberta e livre -, outras mais manhosas, como as que preconizam a exclusão das corridas de touros do regime fiscal aplicável aos demais espetáculos ou a discriminação fiscal dos profissionais de tauromaquia.
Há dois anos, por exemplo, a Assembleia da República discutiu diversas propostas legislativas no sentido de estabelecer proibições relativas às touradas em Portugal.
No debate então ocorrido foi patético, para não dizer ultrajante, assistir-se àqueles que, pressurosamente, defendiam o banimento das touradas, noutras ocasiões votarem contra propostas que visavam o reforço das medidas de apoio ao envelhecimento ativo dos nossos idosos.
Vivemos um tempo perigoso, de contradições e de hipocrisia.
Eu não aceito – e nunca aceitarei – que os animais tenham mais direitos do que as pessoas. Não aceito que o Estado se meta com costumes e tradições que são parte das identidades de comunidades e de territórios, como no caso das touradas sucede com o Alentejo e o Ribatejo, e depois recuse apoiar as pessoas mais frágeis da nossa sociedade. Como certa vez escrevi, «esta espécie de declínio do valor da pessoa em favor do poder dos animais e da bicharada é protagonizada por gente que convive bem com misérias humanas junto à sua porta».
Por mim, que respeito os animais, também respeito as tradições populares, como a tourada, mesmo não sendo um seu aficionado. Mas, acima de tudo, respeito as pessoas e não transijo com este novo pensamento quase totalitário que pretende despojar os povos das suas legítimas tradições, ao mesmo tempo que condena as pessoas ao abandono e à solidão.
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