C. J. Tudor. “Achei que este livro era a minha última oportunidade”

Há um ano e meio, C. J. Tudor ganhava a vida a passear cães depois de ser continuamente rejeitada pelas editoras. Aos 46 anos é a nova autora-sensação britânica com “O Homem de Giz”, um livro que saiu da pilha para entrar nas livrarias de todo o mundo 

Parece muito mais nova do que os seus 46 anos, e muito luminosa para uma autora que prefere livros de horror e mistério. Também não parece que deixou a escola com 16 anos, teve uma série de trabalhos – foi empregada de mesa, apresentou programas de televisão e passeou cães, entre outros – e que tentou publicar um livro durante mais de uma década. Mas C. J. (Caroline Jane) Tudor é tudo isso e é também a grande aposta da Penguin para este ano com o seu primeiro livro “O Homem de Giz” – que escreveu justamente quando pensava que nunca passaria de aspirante a escritora. 

Este é o seu primeiro livro. Está a ser tratada como uma superestrela.
(risos).

No sentido em que está aqui, num país diferente, a falar com jornalistas locais e que esta situação se tem replicado desde que lançou “O Homem de Giz”, a aposta da Penguin para 2018 [Portugal é o único país em que o livro é publicado por outra editora, a Editorial Planeta].

Sim, é maravilhoso e assustador!

Estava à espera disto quando entregou o manuscrito?

Quando o manuscrito foi submetido, não tinha ideia se era bom ou não. Sempre mantive as minhas expetativas baixas e dizia para mim mesma: “Será incrível se alguma editora o quiser, mas o mais provável é que fique desapontada.” Todo este caminho tem sido muito, muito estranho e excitante desde então. Continuo sempre a fazer o exercício de memória de me lembrar de que há um ano e meio estava em Nottingham e ganhava a vida a passear cães. Foi uma mudança enorme. Por isso sinto-me verdadeiramente privilegiada e não tomo nada disto por garantido. 

Como era a sua rotina na altura em que escreveu “O Homem de Giz” ? 

Tinha o tal negócio de passear os cães, pelo meio cuidava da minha filha. Portanto, grande parte do processo de escrita acontecia muito cedo de manhã ou ao final da noite. Uma pessoa normal tem de ter um trabalho a tempo inteiro; por isso, para se escrever, é preciso criar tempos. Mas quando se gosta mesmo de escrever… Já tentava publicar há cerca de dez anos. Não conseguia não escrever. 

Foi assim desde miúda?

Em criança, gostava de escrever; depois, na casa dos 20, isso desvaneceu-se um pouco. Só depois dos 30 é que comecei a levar a escrita mais a sério – tenho 46 agora. De uma certa forma, achei que este livro era a minha última oportunidade. Porque estava a ficar mais velha, tinha a minha filha, muita coisa a acontecer. Pensei: “Se este livro não funcionar, talvez continue a escrever apenas como hobby, talvez não tente publicar mais”– até porque já tinha tentado muitas vezes – “mas tenho de aceitar que não vai acontecer.” E, felizmente, aconteceu!

Tirou alguma formação de escrita criativa?

Não, nada. Aprendi sozinha. Deixei a escola com 16 anos e nunca fui uma aluna brilhante. É curioso porque o meu professor de Inglês sempre acreditou em mim e dizia-me: “Se não te tornares uma autora de bestsellers vou ficar muito desapontado.” Demorei 30 anos, mas consegui. (risos)

Quantos livros tentou publicar antes deste?

Tenho dois livros inacabados dos quais gosto muito, depois mais dois esforços iniciais – que são horríveis, na verdade –, mas provaram-me que conseguia acabar um livro. Esses livros podem não ter sido publicados, mas foram ótimos porque me mantiveram a trabalhar. Acho que ser rejeitada deu-me a hipótese de melhorar e tive a sorte de ter feedback, o que me permitiu tentar ser melhor. Não vejo todos aqueles anos como uma perda de tempo.

Quantas vezes foi rejeitada ?

Oh, fui muitas, muitas mesmo! Por vezes, nem chegar perto da editora conseguia. Depois ainda tive um agente por um pequeno período, mas tínhamos diferentes ideias sobre o caminho da minha escrita. Acho que das coisas mais inteligentes que fiz foi deixá-lo. Neste livro há um toque de sobrenatural, de horror, e eu sempre quis ter isso na minha escrita. Foi quando percebi isto que me foquei e, em última instância, funcionou. Mesmo que pareça que ninguém gosta do que estás a escrever, acho que as pessoas têm de continuar a escrever como gostam. As coisas mudam!

Qual foi a sua reação quando soube que o seu último esforço ia ser publicado e que ia ser o grande livro do ano numa editora desta dimensão?

Acho que ainda estou a processar isso! (risos) Não foi algo de que estivesse à espera, de todo. Claro que pensei: “Depois de todos estes anos, nem acredito que isto está a acontecer.” Quando soube foi maravilhoso, muito emocionante, mas foi o momento mais estranho da minha vida, devo dizer. 

Sente que esta fase de promoção faz parte do trabalho ou é um dos escritores que dispensavam esta parte?

Na verdade, adoro-a! Durante dez anos, enquanto aspirante a escritora, ninguém queria ouvir-me falar das minhas histórias, estavam sempre a despachar-me. E agora as pessoas querem falar, por isso só posso achar isto ótimo. É um privilégio enorme poder vir a diferentes países falar do meu livro. Estou a adorar todos estes momentos que nunca pensei que viesse a ter enquanto escrevia. 

Qual foi o seu gatilho para escrever “O Homem de Giz?” Julgo que li que foram os seus pais que lhe deram, em criança, um balde de giz…

Não, mas é uma história similar. Quando a minha filha fez dois anos, alguns amigos deram-lhe alguns paus de giz coloridos. Fomos para a rua e começámos a desenhar figuras no passeio, cobrimos o chão com desenhos. Nessa noite, quando voltei à rua para levar o cão antes de irmos para a cama, vi os desenhos dos homens de giz no escuro e aquilo fez-me mesmo saltar: uma coisa que parecia tão inocente durante o dia era sinistra à noite, especialmente porque me tinha esquecido que estava lá. No dia seguinte comecei a escrever sobre esta ideia de um jogo de crianças que se torna sinistro. 

É mais ou menos difícil construir uma personagem criança?

Muitas pessoas disseram-me que as crianças do livro parecem mesmo autênticas e que aquelas vozes funcionam. Penso que parte disso acontece porque eu tinha uma idade semelhante nos anos 80 (década em que decorre uma parte da história). Cresci perto de Salisbury, tinha um grupo de amigas e andávamos sempre de bicicleta. Continuo a encontrar-me com esse grupo e penso que isso mantém a memória viva porque falamos dos episódios de infância. 

Escolheu os anos 80, que agora estão na moda outra vez, culpa de séries como “Stranger Things”. 

Escrevi o livro um ano antes de a série ser lançada e realmente, quando fui ver, há ali pontos em comum – quem fez aquilo claramente cresceu a ler e a ouvir as mesmas coisas que eu, a ver os Goonies, filmes do Spielberg, a ler Stephen King. Está na moda um certo revivalismo sobre os anos 80, mas não foi nada planeado da minha parte.

Pode dizer que Stephen King foi um dos autores que a influenciaram?

Sim, li-o muito em adolescente e continuei a lê-lo em adulta. O meu livro não tem nada de verdadeiramente sobrenatural, há um certo horror, uma escuridão, mas é muito mais de mistério. Mas sim, há muita influência de Stephen King.

Porque acha que as pessoas sentem uma atração por esse tipo de escuridão que referiu?

Há muitas pessoas que se sentem esse fascínio. Em criança, temos sempre aquela dualidade de termos medo e de nos sentirmos atraídos por algo que nos assusta, e talvez isso persista pela vida. O que é simpático num livro de horror ou de mistério é que há sempre uma solução, um mau da fita que é apanhado, um final feliz que não acontece sempre na vida real. E por isso acho que muita gente gostam desses livros porque afagam o nosso lado mais escuro, mas trazem-nos conforto porque há respostas. 

No seu livro, o final não é assim tão feliz…

(risos) Tem razão, é um bocadinho ambíguo. 

Acha que o seu livro vai ser adaptado ao grande ecrã?

Tivemos algumas propostas, mas não sei em que fase está ou sequer se vai acontecer. Seria muito excitante ver o meu livro transformado em filme, mas tenho de ser realista, e já estou tão feliz por ter o meu livro publicado que não sou gananciosa. (risos) 

No livro descreve cenas violentas entre crianças que ultrapassam o bullying. De onde tirou essas ideias?

Não sofri bullying na escola, pelo menos muito. Mas acho que toda a gente já ouviu algo que as chocou. As crianças são maravilhosas, mas também podem ser muito cruéis. No início da adolescência há episódios que, se fossem relatados a um adulto, envolveriam imediatamente a polícia, mas que muitas vezes são mantidos em segredo. Julgo que as crianças nem têm bem noção de quão graves são e, muitas vezes, aguentam sem contar nada. Há uma espécie de um mundo estranho, paralelo ao dos adultos, com regras desagradáveis, e do qual me apercebi quando andava na escola. Claro que isso foi nos anos 80, tenho quase a certeza de que as coisas, hoje, já não são bem assim. 

Que conselhos pode dar a escritores que, como lhe aconteceu, passaram anos a perceber se a escrita era apenas um sonho?

Se receberem algum tipo de dica quando entregam um manuscrito que não seja uma carta-tipo de rejeição, isso significa alguma coisa. Demorem o tempo que for preciso para terem a certeza de que o manuscrito está mesmo, mesmo pronto. Se for necessário, deixem-no por um tempo, descansem umas semanas, e aí podem limar algumas ideias. E vou repetir a ideia: não tentem escrever o que acham que as pessoas vão gostar de ler, escrevam o que querem. No meu caso, como já contei, tive um agente que me disse que ninguém estava interessado neste tipo de mistério. E nunca desistam! Sou uma nova autora com 46 anos, nunca é tarde de mais.