A megaoperação já estava a ser preparada há alguns dias e ontem, logo pela manhã, perto de 150 inspetores da Polícia Judiciária, vários procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e o juiz conselheiro José Souto Moura dirigiram-se a várias moradas. As 33 diligências eram todas na Grande Lisboa e no Algarve – 20 delas a habitações, sete a empresas e três a gabinetes.
Uma das peças principais do alegado esquema era o juiz desembargador Rui Rangel, o que trazia dificuldades acrescidas à investigação e obriga ao acompanhamento de um juiz de uma instância superior, neste caso o antigo procurador-geral da República Souto Moura. Os crimes também eram graves: suspeitas dos crimes de recebimento indevido de vantagem, corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de influência e fraude fiscal.
Os investigadores destacados para o caso batizado como “Lex” tinham em mãos cinco mandados de detenção e, além disso, muitos indícios contra o magistrado e a sua ex-mulher Fátima Galante (também desembargadora) – mas, quanto a estes últimos, estão impossibilitados por lei de avançarem para a detenção. Como lembrou ontem a Procuradoria-Geral da República, “nos termos do artigo 16.o, n.o 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a detenção de magistrados judiciais só é possível em flagrante delito”.
As buscas e os documentos
Às 8h30, os carros da PJ começaram a chegar a Oeiras, ao condomínio onde vivem Paulo Rangel e Luís Filipe Vieira. Ao mesmo tempo, outros se aproximavam do Tribunal da Relação de Lisboa e da SAD do Benfica.
Logo nas primeiras horas do dia, as notícias iam dando conta de algumas detenções e da constituição de arguidos.
Enquanto isso continuavam a decorrer os trabalhos, e só para varrer as casas do juiz e do presidente do Benfica, as autoridades precisaram de oito horas. Já a operação na SAD do Benfica durou até ao final do dia. De Oeiras, os investigadores levaram diversos meios de prova, computadores e malas com documentos que contêm informação relevante para a investigação em curso no Supremo Tribunal de Justiça.
Detidos e outros arguidos
Ao final do dia, o balanço oficial deu conta de cinco detidos. Segundo a Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária, são “quatro homens e uma mulher, sendo dois advogados, e um terceiro oficial de justiça”.
Um dos detidos é o advogado José Santos Martins, outro o seu filho, de 23 anos. Ambos são suspeitos de serem testas-de-ferro de Rui Rangel e de guardarem nas suas contas milhares de euros que, na verdade, pertenceriam ao magistrado.
Quanto aos seis arguidos que não foram detidos, a PGR esclarece que estão entre eles “dois juízes desembargadores”, ou seja Rui Rangel e Fátima Galante, e um “dirigente desportivo” – Luís Filipe Vieira. Os detidos aguardarão pelo primeiro interrogatório judicial, que será feito pelo juiz conselheiro Souto Moura, que neste caso desempenha as funções de juiz de instrução, no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária. Rui Rangel, a ex-mulher, Vieira e outros três arguidos aguardarão em liberdade.
O que levou a justiça a investigar Rui Rangel?
O juiz desembargador está a ser investigado por indícios de crimes recolhidos no âmbito da chamada Operação Rota do Atlântico – em que se investiga o empresário José Veiga e Paulo Santana Lopes por suspeitas “de corrupção ativa no comércio internacional, branqueamento de capitais, tráfico de influências, participação económica em negócio e fraude fiscal qualificada”.
No âmbito desta investigação, desencadeada em fevereiro de 2016, o DCIAP encontrou factos que indiciam a prática de crime e que envolvem o magistrado da Relação de Lisboa. Tais factos terão surgido durante buscas feitas ao escritório do advogado José Santos Martins, indiciado na Operação Rota do Atlântico – e que é próximo do juiz Rui Rangel.
Segundo foi já noticiado, Santos Martins é suspeito de ser um testa-de-ferro do desembargador, uma vez que as suas contas, tal como as do filho, poderão ter sido utilizadas para acumular dinheiro do magistrado.
Certidão para investigar os milhares de euros de Rangel
A investigação terá mesmo descoberto milhares de euros provenientes de José Veiga depositados na conta do filho do advogado e que, para os investigadores, teriam como destino o juiz desembargador.
Foi a partir das diligências levadas a cabo no escritório do advogado que a equipa que investiga a Operação Rota do Atlântico decidiu extrair uma certidão e enviar a mesma para o MP junto do Supremo Tribunal de Justiça, isto porque só nesta instância se pode decidir a abertura de um inquérito que vise um juiz desembargador, bem como investigá-lo.
Até a essas buscas, a investigação tinha apenas dados que provavam transferências de José Veiga para um jovem, não havendo motivo aparente para tais movimentações. As diligências terão permitido aos investigadores suspeitarem de que era ao magistrado que se destinariam as quantias.
Em outubro de 2016, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou oficialmente que o inquérito fora aberto. A investigação, explicou ainda a PGR, “teve origem numa certidão do processo Rota do Atlântico”.
Segundo foi noticiado na altura, foram mesmo descobertos vários emails do juiz da Relação de Lisboa a pedir milhares de euros, dinheiro que a investigação acredita ter saído daquelas contas.
A “Visão” noticiou até em 2016 que existem registos fotográficos de encontros entre José Veiga e o juiz Rui Rangel e que, no âmbito da Operação Rota do Atlântico, já tinha ficado claro que o empresário tinha ajudado o juiz a enfrentar dificuldades económicas por que este tinha passado.
Na altura, Rangel garantiu que esta afirmação não fazia qualquer sentido.
Equipa reforçada para investigar o desembargador
Dada a complexidade do inquérito, que corre junto do Supremo, no início do ano passado, a procuradora-geral da República colocou dois novos procuradores a investigar o juiz desembargador.
Os trabalhos são dirigidos pelo procurador-geral adjunto Paulo Sousa, um magistrado muito experiente, que já dirigiu a investigação à desembargadora Joana Salina (caso que acabou com uma condenação por peculato) e o inquérito que visava Luís Vaz das Neves (caso que nasceu dos Vistos Gold e que entretanto foi arquivado).
Benfica reagiu
O Benfica confirmou ontem as buscas da PJ na SAD. O clube garantiu que a investigação nada tem a ver com a instituição. O “Jornal Económico” noticiou que uma dívida de IRS do filho de Luís Filipe Vieira, de mais de um milhão de euros, está na base das suspeitas de tráfico de influência.
As suspeitas antigas
Há quase 20 anos, Fátima Galante foi suspeita de vender sentenças. A juíza foi ilibada e o jornal “Independente”, que denunciou suspeitas, teve de pagar uma indemnização à desembargadora no valor de 50 mil euros. Hernâni Patuleia, que já morreu, seria intermediário e foi, na altura, condenado.