Quando eu era jovem, falava-se em «raça cigana». Depois a palavra ‘raça’ foi abolida do vocabulário e passou a falar-se em «etnia cigana». E finalmente também essa expressão foi suprimida, porque a simples referência a ‘ciganos’ era considerada racista e discriminatória.
Assim, por exemplo, há uns meses deu-se uma bárbara agressão em Coimbra de dois jovens ciganos a um rapaz que interveio para acalmar uma discussão, e a maior parte dos media omitiu a etnia dos agressores.
E isto não se passa apenas em relação aos ciganos. Há uns anos, quando se deu uma vaga de assaltos na Quinta da Marinha, publiquei uma notícia onde se dizia que os assaltantes eram oriundos de países do Leste – e recebi uma carta de uma qualquer comissão a dizer que esse tipo de referências era proibido por lei. Reagi com veemência, argumentando que isso era uma nova forma de censura – e o assunto ficou por aí.
Tenho em relação aos ciganos mixed feelings. Por um lado, respeito – e de certa forma admiro – o seu lado rebelde, insubmisso, que os leva a continuar a ser em pleno século XXI um povo nómada, preservando a sua cultura, os seus hábitos, a sua identidade, a sua ‘raça’.
Isso merece-me consideração.
Por outro lado, o facto de os ciganos recusarem integrar-se na comunidade condu-los muitas vezes a condutas marginais, nos limites da legalidade (ou mesmo para lá deles). Não tendo emprego certo, recusando os trabalhos convencionais, muitos ciganos dedicavam-se antes ao contrabando, vendendo mercadorias porta a porta, e hoje dedicam-se a outro tipo de negócios duvidosos, como a venda de antiguidades (algumas roubadas), ou mesmo ao tráfico de estupefacientes. E lançam mão de truques para sobreviverem. É a outra face da independência.
Por isso, os ciganos são vistos com desconfiança pelo resto da população. Dizia-se que o batismo dos recém-nascidos era feito com as seguintes palavras: «Eu te batizo, neste ribeiro, para que tenhas o olho vivo e o pé ligeiro». E a minha mãe dizia-me em jeito de ameaça – meio a brincar, claro – que se eu não comesse a sopa entregava-me a uma cigana.
Na campanha para as autárquicas, o candidato do PSD à Câmara de Loures, André Ventura, levantou abertamente a questão da marginalidade de alguns ciganos, que não pagavam bilhete nos transportes públicos e viviam do rendimento mínimo garantido.
As afirmações provocaram enorme polémica – como tudo o que desafie o politicamente correto – mas faziam sentido. Numa democracia não deve haver muros, tabus, questões proibidas, temas de que não se pode falar publicamente (mas de que todos falam particularmente). Isso não é saudável.
Também o argumento de que as ‘generalizações são abusivas’ não colhe, pois uma característica dos ciganos é terem comportamentos bastante homogéneos, decorrentes da sua forte identidade cultural.
E não é indiferente um crime ser praticado por ciganos, por árabes, por cidadãos de Leste, por chineses, por africanos, por emigrantes de outra qualquer origem – ou por não emigrantes. Isso é informação relevante para perceber a realidade – e deve ser dito.
Não podemos regressar a novas formas de censura. No tempo da ditadura não se podia falar, por exemplo, em ‘suicídio’, pois isso podia fomentar novos suicídios e era um tema socialmente incómodo. Ora, hoje, tende a haver novos temas ‘incómodos’ que se atiram para debaixo do tapete. E isso não pode acontecer. Para que não fiquem fantasmas a pairar, é preciso que as questões sejam tratadas à luz do dia.
Se há um problema com os ciganos, isso deve ser dito e debatido. Aliás, quando em 1983 se deu uma tristemente célebre violação coletiva em New Bedford, no estado de Massachusetts, nos EUA – que daria origem a um filme com Jodie Foster -, todos os media referiram a origem dos violadores e ninguém se insurgiu. Reconheceu-se que o facto de serem imigrantes portugueses era, naquele contexto, uma informação relevante. Não devemos ter medo da verdade.