O julgamento do caso Fizz não tem trazido até hoje grandes contradições entre as versões do antigo procurador Orlando Figueira, acusado de ser corrompido por Manuel Vicente, e do advogado Paulo Blanco, que em tempos foi advogado do Estado angolano e que, segundo a acusação, foi intermediário no esquema montado. A sessão de ontem, porém, trouxe momentos de tensão entre os dois arguidos.
Paulo Blanco está já há vários dias a apresentar a sua defesa, analisando ponto por ponto a acusação do Ministério Público. O verniz estalou quando garantiu não ter sido ele a entregar a Orlando Figueira documentos sigilosos relativos a uma investigação do MP à sociedade Edimo, que foram encontrados nas buscas a casa do ex-procurador. Figueira tinha contado, quando apresentou a sua defesa, que teve acesso àqueles documentos num encontro no Parque das Nações com Blanco, contando inclusivamente que o advogado vinha de um julgamento no centro do país e foram a uma esplanada junto ao rio.
Blanco, no entanto, recorreu ontem à lógica para dizer que não fazia sentido ter tido tal encontro naquele local, uma vez que tem uma estação de comboios próxima do escritório. “Não apanho o comboio na Gare do Oriente [para ir a julgamentos fora de Lisboa] e todos os comboios que vão para o centro do país passam em Entrecampos”, disse o advogado perante a impaciência do procurador.
Na versão do advogado, em fevereiro de 2012 foi chamado ao Banco Privado Atlântico pelo banqueiro Carlos Silva e pelo advogado André Navarro, para lhe solicitarem os seus serviços para a empresa Edimo, no âmbito de um inquérito em que o procurador Rosário Teixeira era o procurador titular. Esta empresa estaria a responsabilizar o Banco Privado Atlântico pela sua situação atual.
Tudo terá sido feito, defende Blanco desde a sua contestação, com a anuência de Daniel Proença de Carvalho – que voltou a dizer em tribunal ser conhecido como “o coordenador dos serviços jurídicos do banco”.
Ainda assim, Blanco terá sido mais tarde afastado do caso e o patrocínio do mesmo confiado a Cortes Martins, que havia sido colega de Rosário Teixeira e de Orlando Figueira – e o antigo advogado do Estado angolano diz que o desfecho desse inquérito acabou por ser, de facto, favorável à defesa, com o banco a pagar uma injunção de 100 mil euros em vez de 800 mil.
No meio disto terá sido pedido um parecer sobre a situação da Edimo a um antigo perito do DCIAP por Orlando Figueira, análise que teve por base documentação sigilosa sobre o inquérito em curso. E é aqui que entra a palavra de Blanco contra a explicação de Orlando Figueira: o advogado recusa ter sido ele a entregar a informação na estação de comboios.
“Entregou, sim”, insurgiu-se o antigo procurador perante o coletivo, defendendo que não estava a receber para colaborar com aquele banco nesse caso, ao contrário do que dissera Blanco. Os valores referidos num email que foi exibido na sala de audiências a pedido de Paulo Blanco foram, segundo o antigo magistrado, para pagamento dos seus impostos, tal como já havia defendido antes.
O juiz presidente do coletivo, Alfredo Costa, ainda questionou Paulo Blanco sobre o porquê de, num email enviado ao antigo procurador-geral de Angola João Maria de Sousa, se ter referido a Orlando Figueira como o “falso amigo” e de ter dito que a reabertura do inquérito Portmill teve a “influência” do antigo magistrado, numa altura em que ele já não estava no DCIAP.
Blanco defendeu que com “intervenção” queria referir que houve quem tivesse mexido em informações necessárias à realização do parecer da Edimo e que foi isso que levou à reabertura do inquérito. Nunca disse, no entanto, claramente qual a real intervenção que Orlando Figueira poderá ter tido, mesmo perante a insistência do juiz: “O que é que tem a ver a reabertura do processo Portmill com a intervenção do doutor Orlando?”
Orlando Figueira pede para deixar prisão domiciliária A defesa do antigo procurador disse ontem em tribunal ter requerido através do Citius, a plataforma informática da justiça, a alteração da medida de coação de Orlando Figueira, que ainda está em prisão domiciliária.
O Ministério Público terá de se pronunciar sobre esta alteração antes de os juízes tomarem uma posição.
O procurador do DCIAP é suspeito de ter recebido 760 mil euros para arquivar e acelerar desfechos de inquéritos que visavam o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente. Diz, no entanto, que nunca o fez e que foi contratado pelo banqueiro Carlos Silva para ir para a banca, justificando com o pagamento de honorários e a concessão de um empréstimo as quantias que recebeu desde que saiu da magistratura.
Críticas a Proença de Carvalho e ao MP sobem de tom Paulo Blanco frisou ontem que está a ser julgado por culpa do acordo de cavalheiros celebrado entre Proença de Carvalho e Orlando Figueira – em que este último se comprometeu a não falar às autoridades de Carlos Silva, de Proença de Carvalho ou duma conta onde recebeu dinheiro em Andorra. Blanco afirmou ainda que a primeira vez que soube da intervenção de Proença de Carvalho no processo de revogação do contrato que Figueira tinha com a sociedade Primagest foi através do procurador Paulo Gonçalves, lembrando que a versão que lhe foi contada foi mais tarde confirmada pelo juiz Carlos Alexandre, que é amigo de Orlando Figueira e testemunha no caso Fizz.
Dentro da sala ainda disse que o Ministério Público “desconsiderou criminosamente” a escuta tornada pública pelo “SOL” na última semana, que revela como o advogado Proença de Carvalho estava por dentro de tudo e conhecia o antigo procurador do DCIAP.
Depois de ter sido advertido pelo juiz para só comentar factos que constem do processo, Blanco aproveitou para lançar duras críticas a Proença de Carvalho à porta do tribunal. Referiu que o conceituado advogado mentiu ao dizer que nunca teve qualquer intervenção neste processo e acusou jornais como o “Diário de Notícias” e o “Expresso” de não estarem a fazer uma cobertura isenta do processo.
Pedido sobre mandado de detenção de Vicente O advogado Luís Rolo, que representa o assistente deste processo, fez ontem dois requerimentos: o primeiro para que fosse participado ao Banco de Portugal e à CMVM a resposta do Banco Privado Atlântico ao pedido de notificação de Carlos Silva – a entidade bancária respondeu ao tribunal que o presidente não estava e sugeriu uma morada de Angola. “Flagrante desrespeito pelo tribunal” – foi assim que a defesa do assistente classificou a resposta do banco. O coletivo decidiu, porém, aguardar pela resposta do Millennium BCP, de que Carlos Silva é vice-presidente, ao pedido de notificação antes de se pronunciar.
No final da sessão houve ainda tempo para a defesa do assistente manifestar o seu protesto por não ter sido notificado do mandado de detenção a Manuel Vicente, requerendo que no futuro tal não volte a acontecer com outros “atos processuais de relevo”.