Extinção. Terá o lobo-da-tasmânia escapado à sua sorte?

Relatos de avistamentos deste marsupial mítico da Austrália têm-se multiplicado. A redescoberta de um pequeno roedor que se considerava extinto é um bom sinal, diz um cientista

A mitologia aborígene australiana não ajudou à sobrevivência. Chamavam-lhe o raptor de bebés e o lobo-da-tasmânia acabou com a cabeça a prémio pelo governo australiano, o que acabaria por levar à sua extinção. Em 1936, no Jardim Zoológico de Hobart, na Tasmânia, morria em cativeiro o último exemplar da espécie. Ou não? Poderá aquele que foi o maior marsupial carnívoro que viveu lado a lado com os seres humanos, que chegava a pesar 30 quilos quando adulto, estar ainda vivo? Será o lobo-da-tasmânia outra “espécie Lázaro” (nome dos animais dados como extintos e que são depois avistados)?

Nick Mooney, um biólogo da vida selvagem australiano, está entusiasmado com a possibilidade de se poder confirmar em breve que o lobo-da-tasmânia não está realmente extinto, depois da redescoberta de um pequeno marsupial, o mulgara–de-cauda-cristada, numa zona da Austrália onde se considerava extinto há mais de um século.

“Nesta altura. a Tasmânia tem, provavelmente, o menor número de diabos-da-tasmânia – potencial predador das crias do lobo-da-tasmânia – em centenas de anos, por causa de doença, tem mais wallabies [pequeno marsupial] do que em qualquer outra altura, menos intoxicação tópica de carnívoros, bastantes esconderijos e nenhuma perseguição dos lobos-da-tasmânia. Ou seja, por acidente, manipulámos a zona para a adequar aos lobos-da–tasmânia”, afirmou recentemente o cientista, citado pelo “Express”.

Os esforços para encontrar provas da existência do animal considerado extinto têm aumentado nos últimos anos, com a multiplicação de relatos de avistamentos. A busca até deu origem, em 2011, a um thriller com Willem Dafoe e um documentário para televisão em 2016 (ver textos ao lado).

O ano passado, uma organização chamada Booth Richardson Tiger Team apresentou em conferência de imprensa um vídeo do que afirma ser um exemplar do animal, mas a imagem à distância é pouco nítida e o próprio Mooney é da opinião que se trata antes de um Dasyurus (quoll em inglês), outro pequeno marsupial carnívoro conhecido como gato-marsupial.

Recentemente, uma equipa da Universidade de Adelaide, dirigida por Jeremy Austin, completou o sequenciamento do genoma do lobo-da-tasmânia, que muitas vezes aparece identificado como tigre devido ao nome em inglês – Tasmanian tiger –, chegando à conclusão de que havia duas populações diferentes do Thylacinus cynocephalus, nome científico da espécie, uma com mais variação genética no ocidente da Austrália e outra, mais pequena, menos variada no leste e na Tasmânia, que há 30 mil anos tomaram caminhos diferentes em termos evolutivos.

Com o mapa genético do lobo-da-tasmânia estabelecido, rapidamente se começou a falar na possibilidade de fazer renascer o animal através da clonagem – uma ideia à Parque Jurássico que desagrada sobremaneira a Nick Mooney: “Eu chamo à proposta de clonagem uma palhaçada” [no original “proposed cloning clowning”]. A acontecer seria, para o biólogo, “o pior espetáculo de aberrações”, porque, ao contrário dos mamutes, “no fundo, fomos nós que os matámos”.

A última morte registada na natureza aconteceu em 1930, quando um fazendeiro de Mawbanna, no nordeste da Tasmânia (ilha australiana mais ou menos do tamanho da Irlanda, mas com apenas meio milhão de habitantes), matou a tiro um exemplar. Depois, só o do zoológico de Hobart, a quem chamaram Benjamin e que se vê a correr na sua cela num vídeo a preto e branco sem som, filmado em 1933.

Na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza das espécies ameaçadas, desde 1982 que os sete registos, até 2008, são invariavelmente “extinto”. Em 1965 aparecia como “muito raro e acredita-se estar a diminuir em números”.

Para os cientistas que chegaram agora ao mais completo genoma deste marsupial carnívoro, a conclusão é que o lobo- -da-tasmânia não tinha evoluído para sobreviver: mesmo não tendo sido caçado até à extinção, é muito provável que tivesse desaparecido. O seu isolamento na Tasmânia, depois do desaparecimento no continente australiano (uma seca prolongada contribuiu para isso há 3200 anos, de acordo com um estudo da Universidade da Austrália divulgado no mês passado), limitou a diversidade dos seus genes e tornou-o menos resistente a doenças e às alterações no seu habitat.

Desde que foi dado como extinto que há notícias de muitos avistamentos de lobos-da-tasmânia, inclusivamente na Austrália Ocidental, embora nenhum até agora tenha sido cientificamente comprovado. Elusivo, desconfiado, com um olfato apurado, o lobo-da-tasmânia teria aprendido a afastar-se do caminho do homem, o seu maior predador, aproveitando as vastas áreas desabitadas da Tasmânia, acreditam alguns cientistas, ajudado também pelo facto de ser um caçador noctívago.

“Recebi perto de 70 informações de agricultores, trabalhadores rurais, silvicultores, guardas florestais, zoólogos, conservadores da natureza e regeneradores de arbustos [termo australiano para as pessoas que ajudam a restaurar ecologicamente a vegetação de determinada zona]”, diz ao site australiano ABC o cientista ambiental Gary Orpit. “Não temos quaisquer provas físicas e, portanto, não podemos provar que realmente existe enquanto não conseguirmos provas de ADN”, conclui.

Uma espécie Lázaro portuguesa e outras dez do mundo

Atlantica guerinianus

Descoberto pelo clérigo e naturalista Richard Thomas Lowe em 1852, este caracol terrestre que só se encontra na Madeira foi batizado como Discus guerinianus antes de ganhar o nome científico que hoje tem. Considerado vulnerável desde os anos 1980, chegou a ser dado como extinto em 1996, antes de ser de novo avistado em 2000. Permanece ainda hoje na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas em perigo crítico.

Celacanto

Talvez o mais conhecido de entre os animais dados como extintos, foi descoberto em 1938 na costa da África do Sul. Diz-se que é o elo de ligação entre peixes e tetrápodes.

Baleia-de-omura

Descrita pela primeira vez por três cientistas japoneses só em novembro de 2003, a antes chamada anã ou pigmeia foi avistada pela primeira vez em 2016.

Lagosta-das-árvores

Este inseto, que chega a medir 15 cm e foi muito comum, foi dado como extinto em 1920. Mas em 2001 foi descoberta uma colónia na ilha de Lord Howe.

Painho-da-nova-zelândia

Como passa a maioria da vida no mar e, ao regressar a terra, é noturna, para evitar os predadores, esta ave foi dada como extinta por 150 anos até ser vista na Nova Zelândia em 2003.

Phoboscincus bocourti

Espécie de réptil escamado da Nova Caledónia, descrito pela primeira vez em 1876, estava considerado extinto até ser redescoberto em 1993, mas continua em perigo.

Takahe

A caça excessiva e os roedores levaram a pensar que esta ave da Ilha do Sul da Nova Zelândia estaria extinta, mas ainda vive numa zona remota, nas montanhas.

Almiqui-de-cuba

Este mamífero endémico de Cuba, que viveu com os dinossauros e sobreviveu à Idade do Gelo, foi julgado extinto em 1970, mas alguns (poucos) foram encontrados depois.

Freira-das-bermudas

Dadas como extintas do século XVII até aos anos 1950, quando se descobriram 18 casais, estas aves foram alvo de um programa de conservação e hoje são mais de 80.

Colocolo (mono del monte)

Este marsupial que vive entre o Chile e a Argentina é considerado um “fóssil vivo” por ser o único da sua ordem ainda existente e estar aparentado com os marsupiais australianos.

Dobsonia chapmani

Este morcego-da-fruta das Filipinas chegou a ser tão abundante que as suas fezes eram usadas como fertilizante. Dado como extinto em 1996, foi redescoberto em 2001.