Paulo Blanco terminou ontem a sua defesa no julgamento do caso Fizz e hoje começam a ser ouvidas as primeiras testemunhas. E logo com uma de peso: Cândida Almeida, a mulher que durante anos esteve à frente do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e que chefiou Orlando Figueira, o procurador alegadamente corrompido por Manuel Vicente.
Blanco, o advogado que representou o Estado angolano em diversos inquéritos, voltou a dizer ontem que nunca teve qualquer contacto direto com o ex–vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e que quem contratou o magistrado foi o banqueiro Carlos Silva. O que não conseguiu foi provar aos juízes que Orlando Figueira tinha canal aberto para o presidente do Banco Privado Atlântico, não precisando da sua intermediação.
É que o antigo procurador tem defendido que era Blanco quem intermediava a sua relação com Carlos Silva, e o advogado veio afirmar em tribunal que o magistrado tinha contacto direto, invocando que inclusivamente num dos emails apreendidos – e que foi enviado para o ex-procurador -, o banqueiro estava em “Cc”. Mas em tribunal verificou–se que Orlando apenas conseguia ver o nome e nunca o endereço do email de Carlos Silva, ou seja, não serve o email de prova desse alegado canal direto.
A interferência de Carlos Silva na contratação de Orlando Figueira foi ontem um dos pontos mais salientados por Blanco, que a propósito de uma notícia antiga de um jornal angolano disse que o banqueiro tem uma “personalidade singular”. Admitiu mesmo que a descrição feita nesse artigo de que era um homem “maníaco e dissimulado” é um “chapéu que lhe assenta”.
E até referiu a esse propósito que basta ver o requerimento apresentado ontem para ser ouvido por videoconferência (ver texto ao lado): “Quando foi o caso Banif, veio a Portugal depor voluntariamente, quando foi outro processo veio, quando foi o inquérito do dr. Rosário Teixeira veio depor voluntariamente – também porque sabia que a sua situação [processual] não ia ser alterada. Mas, apesar de exercer cargos em Portugal, agora sabemos que não pretende vir aqui.”
Procuradora não sabe como se filtraram emails Um outro tema que ocupou uma parte significativa da tarde foi o facto de alguns dos emails apreendidos não terem sido, segundo os arguidos, tidos em conta pela investigação. O tribunal explicou que em causa estava a triagem de informação através de palavras–chave, o que pode ter deixado alguns emails por analisar.
A procuradora de julgamento, Leonor Machado, admitiu, no entanto, não saber muito bem como foram escolhidos os “descritores” [palavras-chave], referindo não ser muito dada a “máquinas”.
Críticas à investigação e o desabafo do procurador Blanco – que durante o dia se queixou da forma como o DCIAP conduziu outros processos que não o Fizz, acusando até o departamento de discriminação de Manuel Vicente – acabou por afirmar que “há nisto [caso Fizz] algo que não é normal”, adiantando que a sua presença ali é “um dano colateral”: “O principal visado aqui é o eng.o Manuel Vicente. O objetivo era criar, como veio a criar, um problema.”
E adiantou: “A investigação desconsiderou que a Primagest não era da Sonangol, o testemunho do juiz Carlos Alexandre, a escuta [entre Orlando Figueira e Proença de Carvalho no dia das buscas]… Com a escuta e o depoimento de Carlos Alexandre, é evidente que se tinha de abrir outra linha de investigação.”
A terminar a sessão da tarde, o antigo procurador ainda pediu a palavra: “O alvo até pode ser Manuel Vicente, mas quem está preso sou eu.” A defesa de Orlando Figueira já pediu a alteração da medida de coação a que o antigo procurador está sujeito, mas os juízes ainda não tomaram uma decisão.
Participação do BPA aos supervisores O coletivo de juízes do caso Fizz decidiu ontem que será feita uma participação do Banco Privado Atlântico ao Banco de Portugal e à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. Em causa está a resposta dada ao tribunal na sequência de uma tentativa para notificar o presidente da entidade bancária, Carlos Silva.
O Banco Privado Atlântico recusou a notificação, esclarecendo que Carlos Silva não estava nas instalações do banco, mas em Angola – através de uma nota manuscrita no envelope, que foi devolvido. Assim que a resposta daquele banco chegou, o assistente neste processo requereu que fosse apresentada uma queixa aos supervisores por desrespeito ao tribunal e falta de colaboração com a justiça.
O tribunal pretende ouvir o banqueiro como testemunha, uma vez que o seu nome está a ser apontado pelos vários arguidos como o único responsável pela contratação do antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal Orlando Figueira.
O juiz Alfredo Costa já tinha deixado claro que só iria tomar uma decisão quanto a uma possível participação do banco aos supervisores após chegar a resposta do Millennium BCP, de que Carlos Silva é vice-presidente – resposta que chegou na terça-feira.
O BCP esclarece que tratando-se de um administrador não executivo, o mesmo não dispõe de lugar de trabalho nas instalações em Portugal. Pedindo que a notificação fosse dada sem efeito, este banco informou, no entanto, a morada do banqueiro em Angola, tal como forneceu o seu email no Banco Privado Atlântico.
Na manhã de ontem, o Ministério Público propôs que fosse então tentada a notificação por email para que prestasse depoimento presencial, determinando igualmente o tribunal que se solicitassem mais informações ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e à Autoridade Tributária sobre o banqueiro luso–angolano, com vista à sua notificação – uma vez que Carlos Silva também é português