O bloco central é um poço (e Schulz caiu lá)

O bloco central é um poço e Schulz decidiu atirar-se ao poço. O PS português foi salvo in extremis porque disse qualquer coisa de esquerda.

As últimas 24 horas em Berlim davam um filme de suspense: Martin Schulz anunciou ter chegado a acordo com Merkel para retomar o Bloco Central alemão, que por aqueles lados se chama «Grande Coligação», o que tinha dito que nunca faria. Logo a seguir, demitiu-se de líder SPD (o equivalente ao PS de cá) para assumir a pasta de ministro dos Negócios Estrangeiros do novo Governo Merkel. Ontem renunciou ao cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, depois de grande turbulência  entre os sociais-democratas alemães que acreditam que uma nova aliança do SPD com Merkel será o fim do partido que nestas últimas eleições conseguiu o seu pior resultado do pós-guerra: 20% dos votos. 

Foi Sigmar Gabriel, o ex-presidente do SPD que tinha participado na anterior Grande Coligação e depois cedera o cargo de presidente do SPD a Schulz, que apontou a contradição insanável. Ao negociar com Merkel e não remeter o SPD à oposição, como tinha prometido que faria, Schulz faltou à palavra. Depois do que disse o ex-amigo Gabriel e perante um SPD em polvorosa, o antigo presidente do Parlamento Europeu foi obrigado a desistir do cargo.  

É verdade que a miséria em que ficou o SPD depois das últimas eleições não pode ser imputada apenas a Schulz ou à aliança que nos últimos quatro anos Sigmar Gabriel fez com Merkel. A decadência começou há 20 anos, quando um homem chamado Gerard Schroëder decidiu transformar o SPD num partido ‘de centro’, que liberalizou o mercado de trabalho e virou as costas ao eleitorado tradicional, os trabalhadores. A partir de Schroëder, votar no SPD ou na CDU de Merkel passou a significar mais ou menos o mesmo. E os últimos anos têm provado que se é para votar no mesmo, o povo prefere a direita tradicional. O que se passou em França com o desaparecimento do PS francês, com a crise dos Trabalhistas depois do Governo Blair e até em Espanha com um PSOE fraquinho. 

O bloco central é um poço e Schulz decidiu por motu proprio atirar-se ao poço. Qualquer Partido Socialista que abdique de dizer «qualquer coisa de esquerda», como no filme de Nanni Moretti, está condenado. O PS português foi salvo, in extremis, porque conseguiu dizer qualquer coisa de esquerda. A inversão desta estratégia será um risco monumental.