Depois do embate por causa da descentralização de competências, há agora uma nova tensão entre as autarquias e o Governo, gerada pela responsabilidade da limpeza de terrenos.
Isto porque foi introduzido à última hora um artigo na lei do Orçamento do Estado 2018 que empurra para as autarquias a responsabilidade pela limpeza dos terrenos – incluindo os de propriedade privada e os que são detidos pelo próprio Estado – sob pena de, se não o fizerem até 31 de maio, serem alvo de um corte de 20% nas verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), transferidas mensalmente. Corte que será aplicado a partir do mês seguinte, junho.
Até 15 de março, a limpeza é da responsabilidade dos proprietários. Só depois dessa data serão as autarquias a assumir a obrigatoriedade da limpeza, que terá de estar terminada a 31 de maio, antes da época problemática de incêndios. Com esta medida, as câmaras passam também a ser responsabilizadas civil e criminalmente no caso de incêndios em terrenos que não tenham sido limpos.
A norma, que foi aprovada no Parlamento sem que a Associação Nacional de Municípios (ANMP) tivesse sido ouvida e ainda com vários detalhes por definir, promete um novo braço de ferro. De um lado, o Governo já fez passar várias mensagens públicas de que não irá recuar; do outro, as autarquias repudiam a medida que consideram ser de execução impossível.
As críticas das autarquias
O SOL sabe que as autarquias já manifestaram ao Governo o seu protesto e transmitiram a sua oposição frontal à norma tal como está definida, frisando que o Estado quer que os municípios em menos de três meses façam aquilo que não foi realizado em décadas.
Além disso, as autarquias também já lembraram ao Governo que nas últimas décadas o Estado não cuidou das suas matas nacionais, que estão sob a sua própria responsabilidade.
A somar a tudo isto, as câmaras já apontaram que, apesar de o terem solicitado várias vezes, o Governo ainda não terminou o cadastro de proprietários, sendo, por isso, desconhecida a realidade do território nacional.
Estas foram algumas das críticas reiteradas pelas câmaras durante a reunião com o ministro da Administração Interna, que decorreu no dia 1 de fevereiro.
O SOL também apurou que Eduardo Cabrita prometeu estudar algumas as questões suscitadas pelas autarquias e remeteu eventuais novas medidas para o decreto de execução orçamental. Uma das nuances que pode vir a constar do decreto de execução orçamental será a definição de faixas prioritárias de terrenos a limpar.
De acordo com algumas fontes próximas do processo, o mapa de prioridades já está definido pelo Governo, mas ainda não foi divulgado.
Esta semana, António Costa disse que tinham sido identificadas 19 áreas de maior risco de incêndios, que estão abrangidas em «mais de 180 concelhos de todo o país, por mais de mil freguesias e milhares de aldeias».
O SOL solicitou ao MAI o mapa de prioridades para a limpeza, mas não obteve qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.
Além disso, às autarquias nada foi dito pelo Governo sobre as medidas que estão a ser seguidas pelo Executivo para limpar os seus próprios terrenos. E está ainda por definir quem vai assumir os custos da limpeza dos terrenos que estão sem proprietário.
Com a ausência da publicação do decreto-lei de execução orçamental, as autarquias solicitaram uma reunião com o primeiro-ministro e vão ser recebidos pelo Presidente da República na próxima segunda-feira, e o SOL sabe que este assunto vai estar sobre a mesa.
Também esta semana, o primeiro-ministro avisou ainda em Tondela que «a partir de 15 de março, os municípios têm todo o poder para entrar nas propriedades privadas e fazerem o que os proprietários não fizeram». Mas António Costa não deixa de frisar que «este é um esforço que envolve toda a sociedade e cada um dos proprietários».
O primeiro-ministro lembrou igualmente que «a lei impõe há mais de dez anos obrigações muito claras a todos». De acordo com o decreto-lei 124/2006, nos 50 metros em redor das casas e nos 100 metros em redor de cada povoação não pode existir mato nem árvores.
O que diz a lei
De acordo com o artigo 153.º do Orçamento do Estado de 2018, os proprietários dos terrenos têm até dia 15 de março para fazer a limpeza. A mesma norma estipula ainda que o valor atual das coimas aplicadas – 140 euros a cinco mil euros, no caso de pessoa singular, e de 800 euros a 60 mil euros, no caso de pessoas coletivas – passam a ser o dobro.
Posteriormente, até 31 de março, as câmaras terão de fazer um levantamento dos terrenos que terão de ser limpos.
E nos casos em que os proprietários não assumam a limpeza essa responsabilidade passa para as autarquias, que terão de o fazer até 31 de maio. Nestas situações, os proprietários «são obrigados a permitir o acesso aos seus terrenos e a ressarcir a câmara municipal das despesas efetuadas com a gestão de combustível». Ou seja, com as verbas que resultem da venda do combustível que resulte da limpeza.
Caso este valor não seja suficiente para ressarcir as câmaras dos respectivos custos, a norma prevê ainda que se recorra às receitas arrecadadas através de processos de execução aos proprietários decorrentes da cobrança coerciva das dívidas.
Para suportar as despesas, o Estado criou uma linha de crédito com um teto máximo de 50 milhões disponíveis para os 308 municípios, aos quais serão cobrados juros dos valores adiantados através deste crédito.
Nos últimos dias o Governo tem feito vários apelos para que os proprietários limpem os seus terrenos, sendo que o ministro Eduardo Cabrita disse que «não há contestação» por parte dos municípios.
Também a GNR da Guarda fez saber que pediu a colaboração da Igreja para que, durante a missa, os padres ajudem a sensibilizar as populações para a necessidade da limpeza dos terrenos.
As normas do OE/2018 somam-se ao pacote de medidas da reforma florestal que deu entrada no Parlamento dutrante o verão. Nessa altura, a TSF avançou que o Governo se entendeu com o BE para acabar com a liberalização do eucalipto e integrar compulsivamente no Banco Público de Terras os terrenos abandonados e sem dono, que passam a poder ser arrendados pelo Estado.
Contactado pelo SOL, o MAI não prestou quaisquer esclarecimentos sobre este assunto.