Sempre que se fala de economia do mar fala-se em falta de financiamento e de capital humano. Partilha esta ideia?
Julgo que há várias questões que já estão ultrapassadas. Tínhamos realmente um problema de financiamento – não é o caso dos portos, onde não existe esse problema porque são atividades rentáveis e consideradas sem risco para a banca comercial. E porquê? Porque têm provas dadas, os crescimentos estão à vista, etc. O problema da falta de financiamento não é exclusivo do nosso sistema financeiro, está relacionado com a nova economia do mar porque, como ainda não existe um historial relativamente às novas atividades – como é o caso da biotecnologia marinha e das novas energias oceânicas, entre outras -, elas são consideradas atividades de risco para a banca comercial. Por isso, ou não financiam ou financiam com juros muito altos. Daí termos constituído o Fundo Azul, que foi criado exatamente para esse tipo de atividades. Vou-lhe dar um exemplo de uma candidatura que houve ao Fundo Azul, o trabalho sobre as microalgas para novos medicamentos – se fosse a um banco, sabe qual seria a resposta? Que não davam porque, além de ser uma startup, é um projeto inovador, mas é por isso que é importante, para começarem a ser líderes de mercado. Este projeto já teve a sua candidatura aprovada e vai iniciar agora a sua atividade. Vou dar-lhe outro exemplo – este já está em laboração na Madeira -: a partir de produtos marinhos faz-se cosméticos também de forma inovadora, e também não teve financiamento da banca.
Foi até anunciado o investimento de 600 milhões nestes programas até ao final da legislatura…
Sim, é à volta de 600 milhões até ao final da legislatura porque o que está previsto são 3,1 milhões de euros, mas vai além dessa data. Há uma outra questão mas que está relacionada com a capacidade de financiamento, e mesmo para os projetos rentáveis e para as atividades que já são consideradas tradicionais pode não haver o fôlego financeiro que é necessário, mas isso não impede o desenvolvimento desses projetos. E isso é visível com o investimento destinado para Sines, para Leixões ou para Lisboa, onde existem várias manifestações de interesse de consórcios nacionais e internacionais.
E em relação à falta de mão-de-obra?
Realmente existe alguma falta de mão-de-obra. E, curiosamente, de mão-de-obra qualificada e outra nem tanto, isto porque começaram a entrar menos profissionais no setor nos últimos anos, e agora que este mercado está a recuperar, está a ter alguma dificuldade em fazer recrutamentos. Temos programas para ultrapassar essa questão, com a escola náutica e com a escola naval dando equiparação. Por outro lado, preparámos uma legislação que acabou de sair da Assembleia da República, e está à espera de promulgação do Presidente da República, que permite contratar até uma determinada percentagem de trabalhadores não portugueses, por exemplo, no caso dos marinheiros. Há uma indústria naval a instalar-se em Aveiro e está com dificuldades em recrutar soldadores específicos para aquela área. Mas julgo que, à medida que for crescendo, a economia do mar vai atraindo pessoas e a oferta torna-se maior. No entanto, para termos oferta qualificada também temos de ter bons salários. É o que acontece, por exemplo, com os pescadores, e não estou a falar dos mais velhos, estou a falar dos mais novos: muitas vezes optam por outras profissões porque aquela atividade paga mal. Se queremos ser mais exigentes e ter mão–de-obra mais qualificada, os empresários também têm de estar disponíveis para a remunerar melhor. Estou verdadeiramente convencida de que, à medida que houver um crescimento da economia do mar – e está a crescer -, haverá também mais oferta e mais concorrência tanto para os trabalhadores como para as empresas. Mas é um percurso que se faz, não podemos comparar-nos com a Noruega, que já iniciou este percurso há 40 anos, quando Portugal começa a dar os primeiros passos. O que me dá ânimo, e acho que os portugueses podem ficar animados, é que Portugal, quer em termos de investigação quer em termos de indústria, está a ter projetos mais inovadores e pioneiros a nível mundial. Julgo que compete ao Estado dar os apoios necessários para que se ultrapassem algumas dificuldades como, por exemplo, a questão da burocracia, do financiamento para estes nichos de mercado que se podem transformar em grandes indústrias, mas também compete ao nosso tecido empresarial ser empreendedor, e acho que está a ser.
Mas dá ânimo às empresas verem outras transformar-se em grandes indústrias…
Exatamente, e isso é fantástico. Todos os anos organizamos o Oceans Meeting e muitas pessoas desvalorizaram o evento porque acham que só vêm cá ministros, mas não é uma coisa menor, e está cada vez maior porque há cada vez mais países, mais ministros e mais empresários do mundo inteiro. Fazemos sempre uma reunião ministerial para debater a estratégia para o oceano em algumas vertentes – no ano passado foi sobre a saúde -, mas depois fazemos reuniões pessoais. No último ano saíram dali contratos, houve pequenas empresas portuguesas que foram contratadas por grandes empresas estrangeiras.
Se não fosse o evento não teriam essa oportunidade?
Sem dúvida, porque nem sequer se sabia que existia. E isso é uma coisa que me entusiasma porque é uma despesa de Estado que fica altamente justificada por toda a riqueza que traz para o país e pela criação de postos de trabalho. Nós temos uma nova geração de empresários muito mas muito qualificada, com boas ideias e boa capacidade de trabalho. E esta geração conseguiu promover o encontro entre a componente social, económica e ambiental – o que é encantador porque não só cria mais postos de trabalho e mais riqueza, mas faz isso preservando a natureza e o oceano. A economia do mar está a crescer, mas está a crescer plenamente sustentável. E isso é muito importante. Pode não dar lucros de forma muito rápida e fácil, mas dá muito mais sustentabilidade ao ambiente a médio e a longo prazo. Até porque, já disse várias vezes, para o planeta e para o oceano não há segunda volta, não há plano B, tem de correr bem à primeira.
Mas não é a primeira vez que a economia do mar é considerada um setor prioritário e isso não se reflete na realidade?
De facto, a nível europeu e a nível mundial, tirando uma ou duas situações, o mar nunca foi prioridade. Foi prioridade em algumas matérias, por exemplo, o transporte marítimo, a atividade portuária e o turismo de todos os países costeiros. Em 2005 apresentei um plano de crescimento para os portos para os dez anos seguintes e, apesar de nos últimos tempos não terem sido alvo de tantos investimentos como era necessário, os resultados ultrapassaram aqueles que tinham sido estimados. Portugal foi um dos primeiros países da Europa a apresentar as primeiras estratégias nacionais desenvolvidas para o mar. Aliás, a apresentar uma estratégia exclusiva para o mar, foi Portugal; antes disso houve um trabalho muito mais suave, muito mais ligeiro e que foi apresentado pela França. Apresentámos um projeto direcionado para o mar em 2005/2006, foi revisto em 2013, e agora pensei, isto já não vai lá com estratégias, isto agora é para fazer, não dá para esperar mais, é mesmo para avançar. Tudo o que era necessário detalhar detalhámos: foi o que aconteceu com a estratégia para aumentar a competitividade dos portos, fizemos o mesmo com outras áreas. Não estamos a inventar a roda, todos nós tínhamos consciência de que o que era preciso fazer era implementar. E é esse salto que nós já estamos a dar, mas que a maior parte dos países da Europa ainda não estão e a maior parte dos países do mundo também não estão. Agora já estamos na liderança mundial relativamente ao oceano, a par da Noruega, do Canadá, e não são muitos mais. E é isso que estamos a fazer, que é fazer acontecer, com cada um a cumprir a sua missão. Não é o Estado ignorar, estar de costas voltadas ou a dizer que o mar está na nossa história ou que é a nossa identidade, isso já ouvimos há muitos anos.
E o objetivo é duplicar o PIB?
Sim, queremos duplicar o peso da economia do mar e queremos tornar irreversível esta tendência. Se há matéria em que não podemos andar a voltar atrás e ao sabor de ciclos políticos é no mar. Portugal não vai sair daqui, é a nossa posição geoestratégica, não podemos dizer que o mar é importante e não falarmos do mar no ensino básico e secundário. Não podemos dizer que o mar é importante e, depois, o foco da comunicação social ser outra coisa qualquer, e a sociedade não pode dizer que quer um mar sustentável e depois ir para a praia fumar e pôr as beatas espetadas na areia. É um compromisso que todos nós temos de assumir, mas somos mesmo todos.
Mas isso também exige uma mudança de mentalidade?
Sem dúvida, porque a transversalidade que o mar implica é um desafio para a nossa forma de estar e de governar. A nível da governação implica partilha de poder, porque existem tantas entidades e atividades ligadas ao mar que sem partilha de poder nada acontece. Mas também implica responsabilização por parte dos cidadãos e de empresários. Tem havido pouca sensibilidade de todos, principalmente se tivermos em conta que o mar representa mais de 90% do nosso território. É mais do que o nosso território terrestre. Mas também acho que estamos no caminho certo. E para mim é o quanto chega para ter força suficiente para aceitar este desafio.
Mas o governo apostar num ministério só do Mar dá uma ajuda?
Com certeza. É uma ideia do primeiro-ministro e foi uma escolha com a resiliência necessária. É preciso todos os dias batalhar até para não se esquecerem de nós. Obviamente que não estou a falar do primeiro-ministro, do ministro do Ambiente ou da Defesa, não estou a falar desse nível, estou a falar da própria sociedade, para que não se esqueça que existe um Ministério do Mar. E, como tal, existe uma entidade que tem como obrigação juntar todas as peças e ir à luta. Uma das minhas funções que se calhar é pouco institucional é se for detetado um problema de alguém que quer instalar uma nova indústria ligada ao mar, que tem todos os requisitos, mas não consegue, e anda de um lado para o outro, pegar nesse projeto, ver quais são os problemas, falar com o ministro A, B ou C que, por sua vez falam com os diretores- -gerais, ou falo diretamente para desbloquear a situação. Não tenho qualquer problema, falo com as pessoas todas, só não quero é que sintam que esteja a existir uma intrusão porque senão estragam–me a estratégia toda. E a partir daí, se a empresa não se instalar é porque não quis, porque teve todas as condições para o fazer. Já esta semana recebi um empresário – não vou dizer qual – que quer mudar toda a sua atividade económica para Portugal, um investimento de 600 milhões. E veio perguntar-me como é que podia fazer isso, o que é duplamente positivo para Portugal. Porque cria riqueza, postos de trabalho, paga impostos cá e promove o aparecimento de outras empresas. Perguntei-lhe porque queria fazer essa mudança. Respondeu que sempre achou que Portugal tinha todas as condições e que me ouviu falar na conferência de Bali e ficou convencido de que estávamos a eliminar os constrangimentos que havia.
Quando haverá novidades em relação a essa mudança?
Acho que no primeiro semestre deste ano haverá uma decisão. É claro que depois irá demorar mais a fazer essa mudança, porque há sempre coisas que demoram a transferir.
Defende então que em futuras legislaturas o mar mantenha um ministério?
Acho que sim. Tem de haver esta coordenação porque é uma área muito abrangente. Evidentemente que a vertente económica podia ser integrada no Ministério da Economia, a de ambiente podia ser integrada no Ministério do Ambiente, mas o que é importante é não olhar para estes aspetos de forma isolada porque um projeto, quer seja de natureza científica quer de natureza económica, exige a intervenção de várias autoridades. Se houver alguém que tenha a responsabilidade de ir abrindo as portas, é tudo mais fácil.
Uma outra área que dá bons resultados e dará menos dores de cabeça são os portos comerciais.
Sabe que os bons resultados dão muito trabalho e dá muito trabalho ter sorte. Estou permanentemente, juntamente com os gestores das administrações portuárias, atenta ao que se passa no mercado. Leio diariamente as newsletters dos portos portugueses e estrangeiros, que vão chegando às horas mais incríveis, e sempre que acho que há ali qualquer coisa ou que a abordagem não está certa ou que os estrangeiros pegaram em qualquer coisa que acho que não existe em Portugal, reúno-me imediatamente com todos e imponho prazos. Sei que tenho uma forma exigente de trabalhar, mas também acho que não é excessivo só porque exijo prazos e respostas. Estou sempre em cima, sou um pouco metediça, mas também, se não for metediça, às vezes as coisas não acontecem. Por isso é que digo que deu muito trabalho ter sorte nos portos, como também deu muito trabalho fazer uma estratégia para os portos.
E por ser tão ativa não criou alguns anticorpos?
Se calhar, mas isso é a lei da vida. No Alentejo, a minha avó costumava dizer: “Quem não é para elas não se mete nelas.” (risos) E é verdade, não podemos querer o melhor dos mundos todos. O que quero eu? O vencimento não, porque é mau. Quero um gabinete com uma vista bonita ou um carro? Não, o que eu quero é que as coisas aconteçam e, se para isso tiver de entrar em algumas guerras, entro. Temos de ter coragem para isso porque fazer acontecer, liderar e gerir implica fazer escolhas aqui e em qualquer empresa tanto pública como privada. E se escolho a opção A estou a valorizá-la em relação à opção B, e a B vai ficar chateada, mas é a vida. Tive o privilégio ao longo da minha vida de ganhar grandes e bons amigos na minha atividade, quer profissional quer política. Nunca abdiquei dos meus princípios e se, ao não abdicar dos meus princípios, tiver criado algum inimigo, então paciência. Estou aqui para contribuir para o bem-estar dos portugueses e para o futuro do nosso país. Se achar que não estou a conseguir contribuir, vou-me embora. Tenho profissão e tenho trabalho. Mas acho que este programa tem uma massa muito especial. O primeiro-ministro é uma pessoa que faz acontecer por todos os sítios por onde passou, é um puxa-carroças, vai tudo para a frente, e nós procuramos seguir esse exemplo. Não estou aqui porque é muito importante ser ministra, só é importante ser ministra para fazer coisas. Caso contrário, há coisas mais importantes para fazer na vida.
Não é só para aparecer no curriculum?
Isso fica automaticamente, quer se faça bem quer se faça mal. Acho que este governo está com muita seriedade e com muito empenhamento a fazer coisas em todas as áreas, mesmo, às vezes, à custa de algum dissabor pessoal. Por exemplo, queremos fazer mais, mas só conseguimos fazer até aqui, e se consolidar, depois, posso ir mais além. E todos os ministros são especialistas nas suas áreas, têm muitas ideias e às vezes pode ficar algum amargo de boca por ficarmos um bocadinho aquém em relação ao que sonhámos. Mas é muito diferente fazer um trabalho académico ou de consultoria e governar. Fui durante 30 anos consultora, fiz muitos trabalhos e ficou esta tendência de, mesmo estando no governo, criar estratégias. Mas se no papel se aceita tudo, na realidade, nem por isso. E é na realidade que temos de mostrar resultados.
Voltando aos portos, estes vão ser alvo de muitos investimentos?
Diria que há intervenções profundas em todos os portos mas, de facto, o que enche mais o olho, porque é um terminal com investimento maior e que potencia mais a economia, é o de Sines. Está-se a fazer a renegociação do terminal que existe para ampliar, vai ficar mais do dobro e, está-se a preparar o concurso para o novo terminal Vasco da Gama. Isso quer dizer que vamos colocar Sines ao melhor nível do que existe na Europa, e a ampliação e o novo terminal vão fazer concorrência a portos no norte da Europa. Também em Leixões vai existir uma obra de reconversão do terminal. Outro investimento no norte que também me parece muito interessante, mas que exige um investimento menor, é o aprofundamento do canal de acesso e da bacia de rotação do porto de Viana do Castelo, e que é muito importante para potenciar a indústria naval. Ao aprofundarmos o nó e a bacia significa que podem ser construídos navios maiores nos estaleiros de Viana do Castelo e também pode lá ser feita a reparação e manutenção de navios maiores. É a mesma coisa que estamos a fazer em Setúbal, onde a maior obra é o aprofundamento do canal, e não é para ter mais espaço de movimentação de cargas, é para permitir a aproximação de navios maiores porque agora está limitada a uma profundidade de 12 metros. É a diferença entre poder acolher 50% da frota mundial ou acolher 80% da frota mundial. Também na Figueira da Foz e em Aveiro vão existir melhorias, mas mais a nível logístico.
E há também o Porto de Lisboa…
Em Lisboa tem de existir maior compatibilização entre aquilo que é o ordenamento do território – e que é da gestão da câmara municipal – e aquilo que é desejável para o crescimento da economia nacional. Por isso, estamos a falar com os municípios da Margem Sul e de Lisboa sobre as perspetivas, por um lado, para saber se Lisboa quer ou não quer continuar a ter porto, mas parece que quer, e que porto é que quer ter. Existe aqui alguma necessidade de reordenamento portuário da Margem Norte para se fazer uma ampliação. E é aqui que surge alguma confusão, porque o que se pensa é que é para ampliar o espaço, mas não é. Às vezes basta substituir as gruas que lá estão por umas novas para ser mais rápido, e isso aumenta a capacidade de movimentação da carga. Não vamos fazer armazéns nos portos, só faz isso quem não tem procura, porque os que têm maior procura, assim que chega o navio, a mercadoria sai e é logo escoada. Estamos a negociar para ampliar Alcântara, mas não a área ocupada, porque vai continuar a ser aquela, e estamos a fazer outros projetos, nomeadamente a navegabilidade do Tejo para barcaça até à zona industrial de Castanheira do Ribatejo. E, se possível, aumentar, porque quanto mais contentores se movimentarem no mar, menos camiões circulam nas estradas. Ainda não está pronto o estudo, está a ser feita a avaliação técnica para que depois seja lançado o concurso.
Mas há quem discorde por causa da imagem de contentores na capital…
O que me aborrece bastante é ter prédios a tapar a minha imagem para o rio. Ter um porto, não acho mal. Depende do gosto de cada um, mas sinceramente aborrece-me mais ter prédios a tapar a vista para o rio do que propriamente uma atividade de portos, porque os prédios não contribuem para o crescimento da economia nem criam postos de trabalho. E os portos não são bem assim. Queremos libertar uma área de Lisboa e concentrar sem aumentar o espaço.
Concentrar tudo em Alcântara?
A tendência será essa, mas a reflexão ainda não está fechada com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Em nenhuma autarquia farei alguma coisa que vá contra a vontade do presidente da câmara. Mas devo dizer que se Portugal não tiver indústria e se não tivermos portos, dificilmente a nossa economia cresce. A indústria é necessária para criar postos de trabalho e aumentar as exportações. Não pode ser feita uma análise com base no “eu quero uma cidade–postal” ou “quero uma cidade dinâmica”. Eu quero as duas coisas e acho que é possível conviver com as duas realidades. O Porto de Lisboa representa mais de 5% da economia regional e cria muitos postos de trabalho, não só diretos como indiretos. Temos de ponderar todas estas questões. Fui professora do Técnico e umas das disciplinas que dei foi Urbanismo, e todos os anos dávamos a história da cidade de Lisboa e o que é tradicional em Alcântara é a indústria, assim como na maior parte da frente ribeirinha. Temos de saber conciliar o prazer e a capacidade de desfrutar a zona ribeirinha com a capacidade de desenvolver a economia e criar postos de trabalho.
Deslocar para a Trafaria não está nos planos?
Quando se iniciou essa discussão, o que foi demonstrado é que os órgãos municipais e a população da Trafaria e do concelho de Almada não queriam o terminal. A opinião dos residentes em Lisboa conta tanto como a dos residentes em Almada. Não há cidadãos de primeira e de segunda, e os problemas urbanísticos que se colocam num sítio colocam-se no outro, mas com a diferença de que, quando foi feita a análise da Trafaria, o próprio governo anterior deixou cair essa ideia: é que não tinha infraestrutura terrestre. Outra coisa é o Barreiro, porque pode substituir alguma atividade portuária que hoje é feita de forma dispersa e já tem uma tradição de indústria e uma tradição portuária.
A criação do terminal de cruzeiros em Lisboa foi mais tranquila?
A ideia de avançar com um novo terminal de cruzeiros de Lisboa começou em 2005 quando era secretária de Estado dos Transportes. Na primeira vez que se falou nisso também surgiu a ideia de que ia ser criado um edifício para tapar as vistas, mas essa é uma reação normal sempre que surgem grandes obras. Foi o que aconteceu com o Centro Cultural de Belém, com as Amoreiras, com o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, eu própria assinei um abaixo-assinado contra este Centro porque achava que ia destruir um jardim fantástico. Mas no caso dos cruzeiros há uma coisa que ajuda mais em relação aos terminais de carga, é que os cruzeiros são mais bonitos. Também os edifícios podem ser mais bonitos, como é o caso de Lisboa e de Leixões, com a assinatura de arquitetos absolutamente fantásticos. E pode haver o cuidado de ter miradouros, de ter esplanadas para as pessoas poderem usufruir desse espaço e rapidamente se muda de ideias. No caso das mercadorias não, as regras internacionais fazem com as que as pessoas não possam entrar no terminal nem pôr os pezinhos na água. E os contentores são mais feios do que os navios de cruzeiro, a verdade é essa. Até as próprias marinas que ser quer construir por este país fora recebem uma relação muito negativa.
Primeiro estranha-se, depois entranha-se…
É verdade, espera-se que depois de entranhar que traga valor do ponto de vista arquitetónico, urbanístico, ambiental e económico. Não pode ser feito tudo por força bruta, tem tudo de ser avaliado, ponderado, estudado, consensualizado e alterado se for caso disso, diminuindo a dimensão se for necessário.
Também ligado ao mar estão as pescas e a polémica em torno das sardinhas…
Já iniciámos o pagamento de apoio pela paragem da pesca de sardinha referente ao mês de dezembro e começou a ser pago assim que foram entregues os papéis porque isto não é só chegar lá e receber o dinheiro, é necessário comprovar para receber a comparticipação. Mas o problema mais importante da sardinha é perceber as razões porque é que isso acontece. Não está aqui ninguém, nem neste governo, nem em nenhum governo passado, nem nenhum governo futuro que tenha o prazer mórbido de proibir a pesca da sardinha que tanta gente gosta, e de que os pescadores tanto dependem, assim como a indústria transformadora. Hoje em dia há menos sardinha na nossa costa do que há 10 anos e menos do que havia há 20 e as causas são de diversa natureza – não quer dizer que seja por excesso de pesca, julgo que não. Pelo menos é isso que dizem os cientistas, essa redução deve-se às alterações climáticas e as espécies procuram aquilo que são as suas temperaturas para desovar, para crescer, ou seja, a sardinha não está aqui porque gosta de Portugal, a sardinha está aqui porque a costa portuguesa tem características de limpeza, de nutrientes e de temperatura que se adaptam à espécie. Quando essas características começam a ser alteradas, as sardinhas começam a ir para outras águas, daí existirem mais no norte de França do que havia há uns anos e é uma questão que não conseguimos controlar. Mas também não podemos permitir que determinadas espécies sejam pescadas até à exaustão e que desapareçam. Se não houver um controlo o que passa a acontecer é existirem cada vez menos até desaparecerem. E por isso estamos a fazer esse controlo de gestão e esse plano de gestão foi trabalhado entre o ministério e os órgãos respetivos e também com as associações dos pescadores e sindicatos. Como havia uma desconfiança entre os resultados científicos e aquilo que os pescadores observavam pusemos observadores a bordo, ou seja, há observadores científicos que vão a bordo das embarcações e o contrário também, passou a existir representantes de pescadores quando há pareceres científicos. Também aumentámos a quantidade de zero para três a quatro cruzeiros por ano para fazer essas análises porque antes de se terem acabado com eles fazia-se dois cruzeiros por ano, um na primavera e outro no inverno, mas com as alterações climáticas não se pode respeitar apenas estas datas. Tem de se fazer análises quando existem agora novos ciclos de vida que a própria espécie tem. Está a correr bem e eles estão-se a entender. E há outra coisa que os cientistas acharam que eu era um bocadinho estranha quando perguntei se conseguíamos reproduzir a espécie em cativeiro, ou seja, em aquacultura e depois se conseguíamos fazer o repovoamento. Acharam estranho, mas já se conseguiu encontrar o ADN da sardinha e, como tal, já se consegue reproduzir a sardinha em cativeiro e depois consegue-se reproduzir em maiores quantidades e com isso não estou a dizer que, primeiro não havia sardinhas e que depois vai haver em grandes quantidades que nunca mais acabam, não é isso. O que estou a dizer é que é possível fazer aqui um projeto que possa ser alternativo, como se faz com o robalo. Mas temos de perceber que não são decisões que tomadas por razões políticas, mas sim a contragosto. É muito complicado para mim, é muito complicado para a ministra espanhola tomar decisões de diminuir drasticamente a quantidade de sardinhas que podem ser pescadas. Mas é a única forma de termos alguma esperança que essa espécie vai recuperar em Portugal e que daqui a 10 anos não temos mais problemas.
A indemnização compensa a proibição?
Poderá não compensar totalmente, mas as embarcações também não pescam só sardinhas. E como conseguimos mais quotas noutras espécies para pesca de cerco consegue-se compensar. Por outro lado, como são verbas que vamos buscar aos fundos europeus para as pescas, o regulamento europeu diz que paga, no máximo, durante o período todo de 2013 até 2020, um total de sete meses – acaba por dar um mês por ano.
A interdição acaba em abril…
Mas isso foi combinado com eles porque existe a regra que se aprende em que a sardinha há nos meses sem r, mas também aqui começam a existir diferenças. Por exemplo, na altura dos Santos, as sardinhas antigamente já estavam gordas e agora não, ficam melhores mais tarde. No último ano, na realidade, a sardinha só começou a ser boa a partir de agosto. Conclusão, os pescadores andaram a gastar a quota antes, na altura dos Santos – o que é natural e eu compreendo isso provavelmente faria a mesma coisa se estivesse na situação deles – mas quando a sardinha começou a ficar boa e a valer mais já não havia quase quota, andamos nós a esticar, a esticar para dar até ao fim.
Até o stock ficar regularizado têm de continuar a existir essas interdições?
Sem dúvida, tem de haver.
E sempre em negociações com Bruxelas?
Com Bruxelas e com o setor. O secretário de Estado das Pescas passa boa parte do seu tempo a tratar da questão das sardinhas. Mas acho normal, tenho um grande respeito pelo setor das pescas porque deve ser dos setores, a não ser o mineiro, com as condições mais árduas para o exercício da sua profissão. Saem quer esteja bom ou mau tempo, muitas vezes em condições que nunca deveriam sair, mas fazem-no porque têm uma família para sustentar.
E é aqui que se sente a maior falta de mão de obra?
Podem existir exceções, mas uma boa parte dos pescadores querem para os seus filhos uma vida melhor do que aquela que eles têm porque é uma vida árdua, muito dura.
Uma pergunta provocadora, por ser mulher é mais difícil negociar um tema destes?
Até pelo contrário, tenho tido uma relação absolutamente fantástica. Aliás tenho tido uma excelente relação com atividades mais ligadas ao setor masculino, como é o caso dos pescadores e dos estivadores. Além disso, as mulheres estão muito envolvidas na atividade da pesca, em algumas zonas do país há mulheres que são pescadoras e mestres de embarcação. É uma classe profissional que tem um respeito muito grande à família, às mães e às mulheres.
Então, afinal ganha pontos com isso?
Ganho pontos, é verdade (risos). Tenho histórias absolutamente fantásticas em todo o lado, evidentemente que tenho um secretário de Estado das Pescas e quando escolhi um achei que as pescas deviam ser valorizadas porque há muitos anos que tinha deixado de existir esse cargo. Por isso sugeri ao primeiro-ministro um secretário de Estado das Pescas e que esse cargo fosse ocupado por alguém que tivesse uma experiência e um conhecimento publicamente reconhecido e é nesse contexto que existe um secretariado do assunto das pescas e não tenho mais nenhum secretário de Estado. Faço de secretária de Estado de mim própria em outras matérias. Escolhi José Apolinário que já tinha sido secretário de Estado das Pescas há 20 anos, tinha sido presidente da Doca Pesca até há uns meses e é uma área muito complexa. Por outro lado, temos a hipótese de trabalhar com pessoas absolutamente fabulosas, que trabalham e querem contribuir para a atividade, não estão cá para fazer política.
Mais tranquila tem sido a sua relação com os estivadores ao contrário do que aconteceu no início do seu mandato.
E continua a ser porque comprometi-me em acompanhar a situação e continuo a achar que a economia é como um negócio, só é bom se for bom para as duas partes. E o mesmo se aplica às relações laborais, elas só podem ser calmas, não problemáticas e favorecer o crescimento da economia se for bom quer para os empregadores quer para os empregados. E é isso que se procura fazer: que o exercício da atividade seja feito em condições laborais adequadas e que as remunerações sejam adequadas. Procuramos agora que as regras que foram acordadas no exercício do meu mandato sejam mantidas porque existia ali um extremar de posições das duas partes. E isso é normal acontecer quando os conflitos duram muito tempo, acabei por me constituir como árbitro nas negociações, uma espécie de apaziguadora. Uma posição contrária ao que acontecia nos anos anteriores, em que o Estado é que negociava, como se o Estado estivesse do lado das empresas e contra os trabalhadores. Como ministra tentei fazer com que todos se sentassem à mesa, o que ninguém tinha tentado.
Mas esteve nas negociações numa altura em que soube que estava doente, depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro…
Sim. Mas nunca tive nada fácil na vida e ainda bem. Pensei sempre que conseguia fazer tudo ao mesmo tempo e consegui.
Acha que podia fazer-se o mesmo na Autoeuropa?
Não vou comentar a Autoeuropa porque entendo que tem contornos de outra natureza que felizmente não havia no caso dos estivadores. No caso dos estivadores não estavam presentes questões partidárias e acho que era um conflito laboral puro e duro.
E, por último, como é viver com outra pessoas que também é ministro do mesmo governo?
Nós sempre nos habituámos, ao longo da nossa vida em conjunto, e já lá vão muitos anos, quando o trabalho está presente nas nossas vidas em comum, que seja pela positiva: para dar opinião, um miminho, numa semana mais difícil. Mas nunca para criar mais peso e a maior parte das questões não são discutidas em casa. Ou seja, aquilo que discuto com os meus colegas não é contado ao meu marido [Eduardo Cabrita], nem o meu marido vem a correr contar-me as conversas que teve com outros elementos do governo. Não temos por hábito fazer isso. Devo dizer-lhe que em muitas noites, muitos serões e muitos fins de semana, quando os temos, falamos mais sobre outras coisas do que propriamente dos problemas do Ministério da Administração Interna ou do Ministério do Mar. E temos muitos gostos em comum, como a literatura e a música, entre muitas outras coisas.