A Comissão de Valores Mobiliários da Índia (SEBI, na sigla em inglês) apertou o cerco à PricewaterhouseCoopers (PwC) por não ter detetado um esquema de fraude em torno de um gigante de software indiano. Como consequência, além de não poder auditar durante dois anos as empresas cotadas nesse país, os administradores estão a ser alvo de um processo criminal e correm o risco de serem condenados a prisão efetiva. Esta inibição começa a ser a aplicada a partir de 31 março deste ano, mas a auditora já anunciou que vai recorrer da decisão.
O caso remonta a 2009 e envolveu a quarta maior empresa de software indiana. O presidente da gigante Satyam Computer Services, Ramalinga Raju, passou anos a falsificar as contas da empresa. Um caso de fraude contabilística no valor de 2.250 milhões de dólares (cerca de 2 mil milhões de euros), que escapou à ‘vigilância’ da PwC, que não detetou o esquema.
De acordo com Raju, 94% do dinheiro que constava nas contas da empresa foi inventado.
O caso chocou o mercado, já que a Satyam era vista como uma das mais importantes empresas de tecnologia do país e o seu presidente e fundador como um grande empreendedor. Também o facto da PwC, a auditora da empresa, não ter detetado este esquema fraudulento não tranquilizou o mercado.
A verdade é que estamos a assistir a uma estreia em termos de inibição imposta a uma auditora por não se ter dado conta do que se estava a passar. Já no mercado português, nos casos de má gestão, sobretudo na banca, auditoras como a PwC ou a KPMG não têm assumido qualquer responsabilidade.
Mercado nacional
A PwC é a auditora, desde 2014 por ajuste direto, do Banco de Portugal (BdP), o supervisor do sistema financeiro nacional. Ou seja, a mesma auditora que foi agora banida na Índia por não ter detetado a fraude da gigante informática é responsável por acautelar o rigor nas contas do banco central.
Também o Novo Banco, quando detido pelo acionista Fundo de Resolução (gerido pelo BdP), escolheu à época a PwC como auditora. A mudança de auditor só ocorreu depois de a instituição financeira ter sido vendida ao fundo norte-americano Lone Star, que passou a deter 75% do banco. A escolha recaiu na EY, que já presta serviços à Lone Star noutros mercados. A EY ficou, assim, com dois grandes bancos em carteira: o Novo Banco e a Caixa Geral de Depósitos – este último contrato está avaliado em 5,5 milhões de euros anuais.
Embora tenha perdido o herdeiro do BES, a PwC ganhou a conta do BPI e tem ainda em carteira o Santander Totta e o Bankinter. Feitas as contas, estamos a falar de um auditor com acesso a informação privilegiada de uma fatia importante da banca. A isto há que somar ainda possíveis conflitos de interesses e as danças de cadeiras de que o auditor tem sido alvo.
Em causa esteve a nomeação de Luís Costa Ferreira, ex-consultor da PwC, para chefiar a Direção de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal, que levou o Bloco de Esquerda a pedir esclarecimento urgente ao órgão liderado por Carlos Costa.
Entre julho de 2013 e outubro de 2014, Costa Ferreira foi diretor do Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal. Em janeiro de 2015 abandonou o órgão regulador para assumir as funções de liderança na área de Serviços Financeiros na PwC, regressando agora novamente ao BdP. Por coincidência – ou não – a PwC audita atualmente o próprio Banco de Portugal, ocupando o lugar deixado vago por Carlos Albuquerque, que seguiu para a administração da Caixa.
«A existência de conflitos de interesse é óbvia e inaceitável. Luís Costa Ferreira passa de regulador a partner de uma empresa que presta consultoria a regulados, voltando depois a ser regulador», chegaram a alertar os bloquistas.
Também esta questão levou o CDS a sugerir que o recrutamento de diretores para o Banco de Portugal fosse feito através de concurso público e que fosse a CMVM a entidade responsável por verificar eventuais conflitos de interesses entre o exercício de auditoria a entidades de interesse público e a prestação de serviços de consultadoria. «Não nos parece que faça sentido que alguém possa ser auditor de uma entidade e avalie o crédito mal parado e depois seja consultor de quem quer comprar esse crédito», explicou, na altura.
Ainda na banca, o BCP tem a Deloitte como sua auditora, posto que era ocupado num passado recente pela KPMG. Uma auditora que também tem vivido dias longe de serem pacíficos, já que foi alvo de processos de averiguação contraordenacional à auditora pelo Banco de Portugal e CMVM devido à supervisão no BES Angola, que esteve a seu cargo durante 10 anos.
No relatório enviado pelo BdP ao Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria (CNSA), foram mesmo apontadas indícios de violação das normas de auditoria e ocultação de informação da KPMG Portugal e da KPMG Angola relativamente ao BESA.
«Nunca foram transmitidos pela KPMG quaisquer indícios sobre potenciais perdas associadas às irregularidades identificadas na carteira de crédito do BESA», revelou o relatório da participação à CNSA. Só no primeiro trimestre de 2014 é que a KPMG reconhece um valor significativo de imparidades.
A KPMG foi também supervisora das contas do Banco Espírito Santo (BES) desde 2002, assim como todo o universo do grupo: a Espírito Santo Financial Group, a Espírito Santo Irmãos, a Espírito Santo Financial.
Já em 2015 foi condenada pela CMVM por violação das normas de auditoria no caso BCP, seis anos após o início do processo. Em causa estava a utilização de veículos offshore para investir em ações do próprio banco. Jorge Jardim Gonçalves e Filipe Pinhal estiveram entre os condenados nesta operação. A auditora foi condenada por uma infração muito grave, mais ainda assim com pena suspensa. O banco só em 2016 mudou de auditor, 30 anos depois, trocando a KPMG – que continua a auditar as contas do Montepio – pela Deloitte.