Michelle e Barack Obama regressaram esta segunda-feira a Washington para a apresentação dos respetivos retratos oficiais, que poderão a partir de agora ser vistos na National Portrait Gallery do Instituto Smithsonian. O destapar das telas foi brindado pela assistência – entre a qual se contavam figuras como Steven Spielberg e Tom Hanks – com aplausos entusiásticos. Mas o sucesso repidamente deu lugar a um intenso debate na imprensa e nas redes sociais.
Se a pintura do antigo Presidente é relativamente consensual, já a de Michelle dividiu opiniões. Uns elogiaram a elegância do retrato, que mostra a antiga primeira-dama numa pose clássica. A autora, Amy Sherald, deu protagonismo a um vestido de cores claras, usou um tom azul-celeste para o fundo liso e pintou a cor da pele de cinzento. Houve porém quem, não questionando estas opções, se limitasse a constatar o óbvio:a pessoa representada pura e simplesmente não está parecida com a antiga primeira-dama, apresentando os contornos suavizados de uma imagem trabalhada no Photoshop.
Adversidade e recompensa
Amy Sherald, a pintora eleita por Michelle Obama, é uma artista afro-americana sediada em Baltimore que só muito recentemente saltou para a ribalta. Filha de um dentista, encontrou na arte um refúgio e uma forma de canalizar os seus sentimentos. Em 2003, estava a fazer compras para o ateliê quando começou a sentir-se mal. Acabou por ter de ser internada e, no hospital, disseram-lhe que, apesar de ter apenas 30 anos, o seu coração correspondia ao de uma pessoa de 80. Faria um transplante cardíaco em 2012, e estava na cama do hospital quando lhe comunicaram que o seu irmão tinha morrido de doença prolongada. Ocoração continuou a ser, durante algum tempo, um impedimento a pintar. Pior: para sobreviver, teve de servir à mesa em restaurantes. Mas a recompensa acabaria por chegar em 2016, quando venceu uma competição de retrato promovida precisamente pela National Portrait Gallery. Conquistou o prémio de 25 mil dólares e a atenção de galerias e museus de todos os Estados Unidos.
Do rapper ao Presidente
Já o autor do retrato do antigo Presidente teve um percurso mais tranquilo. Nascido em Los Angeles em 1977, Kehinde Wiley foi criado pela mãe, uma linguista, no meio de livros. Com 12 anos, em 1989, participou num programa para crianças americanas na Rússia, onde estou arte e russo. Licenciou-se no prestigiado San Francisco Art Institute e fez uma pós-graduação em Yale.
Começou por fazer retratos de jovens que via nas ruas do Harlem, representando-os em poses inspiradas na tradição da pintura clássica europeia. Em 2009 Michael Jackson encomendou-lhe um retrato: Wiley apresentou-o em cima de um cavalo, mas o quadro só ficaria pronto depois da morte do rei da pop. Retratou ainda outras figuras mediáticas do meio musical norte-americano, como o rapper Ice-T e a cantora Beyoncé.
Para o retrato oficial do Presidente usou um fundo formado por um exuberante padrão de plantas, entre as quais espécies da flora nativa do Quénia, do Havai e de Chicago, locais onde Obama tem as suas raízes. Quanto ao retratado, aparece sentado numa cadeira de braços trabalhada, com uma expressão séria – porventura demasiado. Talvez por isso Obama tenha comentado:«It’s pretty sharp», algo que tanto pode querer dizer ‘fidedigno’ como ‘nítido’, ‘preciso’ ou até ‘cortante’. «É difícil avaliarmos um retrato nosso», afirmou o ex-Presidente. «Oque posso dizer inequivocamente é que estou boquiaberto com o talento de Wiley».
A representação fotorrealista chegou ao fim da linha?
Michelle, por sua vez, declarou estar a pensar «em todos os jovens, particularmente meninas de cor, que nos anos vindouros virão a este sítio e vão olhar para cima e ver um quadro de uma pessoa que se parece com elas pendurado na parede desta grande instituição americana».
Mas não é apenas a antiga primeira-dama que protagoniza uma história de sucesso. Também a história de vida da autora da pintura pode constituir uma fonte de inspiração.
Quanto à falta de parecença com o modelo – lá está, as opiniões dividem-se. Para uma crítica de arte da New Yorker, «a representação fotorrealista da raça […] chegou ao fim da linha». Aliás, a própria Amy Sherald já disse que a sua abordagem à arte do retrato «é conceptual». O que legitima o título de uma análise no site da CNN:«Oretrato oficial de Michele Obama não é nada parecido com ela».