O mar Khayyam era de Nishapur, não longe de Khorasan. E não se pode querer conhecer a Pérsia sem se conhecer Khayyam. Escreveu, em quadra, como era seu hábito, no famoso Rubiyat: «No jogo cósmico do polo tu és a bola…»
Não se pode viajar pelo Irão sem se falar do polo.
Orgulho nacional, direi. De Tabriz a Ormuz, passando por Isfahan que é a terra onde terá nascido este jogo que já era popular antes do reino de Dário, O Grande (522-486 a.C.), construtor de Susa e Persépolis, soberano dos aqueménidas, conquistador da Trácia e da Macedónia, vencedor dos citas.
O nome original deste desporto mais complexo do que possa parecer à primeira vista é chogan. Não tardou a espalhar-se: Constantinopla, Tibete, China, Japão.
«À direita e à esquerda, o taco chama-te/É ele quem manda nos teus movimentos, na tua ascensão e na tua queda/É o único, verdadeiramente o único, que tudo sabe».
De encontro às montanhas nevadas da cordilheira de Alborz, o Estádio de Norouz Abad recebe a versão moderna do jogo em Teerão.
O Rei dos Jogos!
Hojjatollah Dehkhodaei: presidente da Federação Iraniana de Polo – «Inventámos este desporto há mais de 3000 anos, mas conservamo-lo moderno e entusiasmante».
Palavras de orgulho. Às quais se juntam o reconhecimento por parte da UNESCO que o polo faz parte do Património da Herança Cultural do país.
Publicaram-se livros após essa decisão.
Tive nas mãos um ou outro. Autênticas obras de arte. Fotografias, imagens, reproduções de tapetes persas nos quais homens a cavalo lutam pelo toque mágico numa bola pequena, de madeira.
Saber cavalgar toda a sela e manter o equilíbrio íntimo entre o movimento do trote ou do galope com o debruçar do corpo em direcção ao relvado no qual se disputa o jogo cósmico de Khayyam.
Começou por ser um exercício para o treino militar da cavalaria. Tornou-se o Jogos dos Reis, esse ao qual deram o nome de Rei dos Jogos. Em Isfaham, na praça arejada e magnífica de Naqshe-e Jahan.
Caiu em desuso durante algumas centenas de anos. Os representantes do Império Britânico na região recuperaram-no. Até certo ponto, pode dizer-se que o universalizaram.
Nada como um bom inglês para universalizar qualquer coisa.
Depois quiseram matá-lo no Irão.
Em 1979, a revolução pôs fim a dois mil e quinhentos anos de monarquia.
Já não havia lugar para o Jogo dos Reis.
Os ayatollahs recusavam a memória dos xás.
Já foi sob o governo do Líder Supremo Ali Khamenei, que voltou a fazer parte do nacionalismo e cultura iranianos.
Um menino de 13 anos
Tornou-se, de repente, uma figura: Amir-Reza Behbodi, 13 anos de idade, filho de um treinador de polo, um dos jogadores mais jovens do Irão que teve direito a surgir nas páginas do Finantial Times, de Londres.
Calças brancas, botas negras, camisola brilhante de vermelho espampanante.
Não há forma de o polo deixar de ter o toque aristocrático que o envolveu quase desde a nascença.
Há milionários que possuem mais de 100 cavalos para o exercício exclusivo do polo. Também aí se faz a diferença. Menos de 20% dos jogadores do país têm cavalos próprios.
É preciso ser rico para ser dono de um cavalo: a manutenção do animal ronda os 500 dólares por mês. Bem mais do que muitos salários.
Hamzeh Ilkhanizadeh foi o antigo presidente da Federação de Polo, era um dos maiores mecenas do jogo que o Irão encontrou recentemente. Apesar das promessas de contribuição por parte do Governo, nunca a federação recebeu fosse o que fosse. Hamzeh foi tirando do seu próprio bolso. Não apenas por paixão, dizem alguns, mas porque tem, por via disso, beneficiado de uma não oficial isenção de taxas nos seus negócios de construção civil e de exploração de petróleo.
«O simples facto de as autoridades iranianas terem reconhecido o polo como interesse cultural nacional deixa-me profundamente feliz!», confessou recentemente Ilkhanizadeh.
Chogan, há quem prefira chamar-lhe assim.
O nome persa do jogo.
Polo veio do Tibete: a palavra pulu referia-se à madeira com que eram feitas as bolas.
Primeiro verdadeiro jogo de equipa inventado na história do homem.
Mas as mulheres tiveram o seu tempo de princesas no Jogo dos Reis.
Durante o reinado de Koshrow I (531-539) a corte persa entusiasmava-se com as mulheres disputando, na garupa dos cavalos, os 300 metros de relva que ficavam no perímetro do Palácio Ali Ghapu.
O rei vibrava no alto da sua varanda.
A carta de Dário a Alexandre
Num dos livros editados recentemente sobre a história do polo, destaca-se uma curiosa carta enviada pelo rei persa Dário III a Alexandre, O Grande. A acompanhá-la seguia um taco e uma bola. «Em vez de perder tempo com a arte da guerra, perca-o com a arte do polo», dizia Dário.
Alexandre não seguiu o conselho e seguiu o seu caminho até á Índia.
Por seu lado, os reis mongóis, Genghis Khan e Tamerlão, eram teimosos perseguidores a cavalo da pequena bola de madeira, e talvez porque os seus célebres cavalos eram de perna curta e de resistência incomparável, tivessem de se inclinar menos do que os que governavam a Pérsia.
Já fui a Samarcanda e vi: os campos de polo de Tamerlão ainda existem, presos à história e á memória.
Aliás, foram os imperadores mongóis que levaram o jogo até à Índia, coisa que Alexandre, O Grande poderia ter feito muito antes se tivesse sequer prestado verdadeiramente atenção à carta e oferta de Dário III.
«O horizonte é o fim do teu campo de polo/A Terra é a bola na curva do teu taco/Até desaparecer de ti a existência e ficares pó/galopa o teu cavalo porque o campo é teu», escreveu Nizami, um dos grandes poetas do Século XXII.
Khayyam, que além de poeta foi astrónomo e matemático, contribuiu para o estabelecimento de regras para o polo. Depois dele, no Século IX, Dinvari, também ele um dos grandes astrónomos persas, escreveu que todos os jogadores deveriam evitar palavras agressivas e dotarem-se da maior das paciências.
Não era apenas o Jogo de Reis. Era também jogo de cavalheiros.
Possivelmente um dos motivos porque os ingleses se apaixonaram rapidamente por ele.
Em Isfahan, o Maydaneh Naghsheh Jahan, antiga capital do Império Persa, o xá Abbas O Grande mandou desenhar um campo para os jogadores e jogadoras da sua corte. Esse campo também ainda pode ser visitado e as suas medidas estabeleceram as medidas universais dos campos de polo até aos dias de hoje: 300 jardas de comprimento (274,3 metros) e 160 de largura.
Nos seus primórdios como jogo, já após de ter deixado de ser simplesmente um exercício militar, o polo foi abraçado com entusiasmo por muitas das tribos da região. De tal forma que há registos de encontros com mais de 100 jogadores para cada lado. Um batalha, no fundo. Que trazia honras para os vencedores e pouca simpatia para os vencidos.
Aliás, quem se dedicar nem que seja uma hora ao estudo da história deste desporto bem mais complexo do que parece, encontra momentos e episódios dignos de filme. Por exemplo, na China, em 910, o imperador A-pao-chi ficou tão deprimido com a morte súbita do seu jogador preferido que mandou decapitar todos os seus colegas de equipa. Não é apenas o futebol que é atreito a exageros.
As regras são de tal forma complexas (talvez aborrecidas fosse um termo apropriado) que mereciam uma espécie de Manual Básico Para Os Principiantes de Polo. Não era essa a minha intenção, como já se percebeu ao longo da prosa. Pelo que vamos dar uns passos largos no tempo e visitar Assam, um dos Estados da Índia, lá para noroeste, na fronteira com o reino do Butão e não longe do Bangladesh. Sem deixar passar outra curiosidade: as posições em campo são definidas por número, cabendo ao número 1 as tarefas mais melindrosas – antecipação, determinação. autocontrolo, teoricamente responsável por marcar golos e por anular os movimentos do número 4 contrário. Até aqui tudo bem. Curioso é o facto de essa tarefa ser deixada, geralmente, nas mãos do mais jovem e menos experiente da equipa.
E, de repente, os ingleses
Silchar é uma cidade curiosa. Situada no Estado de Assam, lá está. Vale uma visita. Erguida nas margens do rio Surma, Durante o domínio britânico a cidade foi-se desenvolvendo com base na cultura e exportação de chá. Hoje em dia ronda os 200 mil habitantes e é sede de uma universidade com fama internacional.
Os ingleses tomaram conta do urbanismo local, algo que, como imaginam, na Índia não é tarefa fácil. E, para entretenimento, desenharam um campo de polo.
Era aqui que eu queria chegar.
Podem ter sido os mongóis a levar o polo até à Índia, no início do século XIII, mas foram os ingleses que o deram a conhecer ao ocidente ainda que, como sabemos, não tenha tido a expansão de outros desportos.
Sir Anthony Sherley escreveu um livro chamado Travels to Persia (1613). Nele afirma que foram os ingleses proprietários de plantações de chá no território de Assam que criaram o primeiro clube formado por europeus, em 1859.
No ano seguinte, foi erguida uma instituição: The Calcutta Polo Club.
A partir daí, e muito pelo entusiasmo de um capitão dos hussardos estacionado na que era então capital da colónia, Calcutá, várias disputas foram postas em campo. Uma delas ficou famosa, pelo menos entre os ingleses fanáticos por polo: o 10º de Cavalaria dos Hussardos bateu-se longa e cavalheirescamente com o 9º Batalhão dos Lanceiros. O embate foi descrito como tendo oito jogadores para cada lado, obrigados a trocar de montada de dois em dois minutos, e pouco mais do que isso em termos de regras, debalde o esforço do poeta Khayyam.
Não tardou que a Grande Ilha para lá da Mancha, que deixa o Continente isolado de cada vez que o nevoeiro toma conta do canal, se apaixonasse por este novo e tão antigo jogo, perdoe-se-me a contradição que, neste caso, vem aqui a propósito.
Richmond Park and Hurlingham chegavam a ter mais de 10 mil espetadores por desafio. A realeza e a nobreza britânicas adotaram-no de imediato. E as universidades também.
O passo seguinte foi largo e inevitável por razões óbvias: Estados Unidos da América. Foi a Polo Association, fundada em 1890, que tornou as regras universais.
Estabeleceu-se a rivalidade através da Westchester Cup, um Estados Unidos-Inglaterra anual que atraía a atenção de multidões.
T.F. Dale escreveu um livro chamado Polo – Past and Present. Começa assim: «O polo é provavelmente o mais antigo dos jogos. Quando a História era ainda lenda, floresceu».
Tornou-se um poema a cavalo. Muito antigo.