Os doze trabalhos

Há quem diga que o desafio assumido por Rui Rio é impossível.

Alguns anos de austeridade e outros tantos de inanição provocaram, no PSD, um desgaste profundíssimo.

Foram-se votantes, afastaram-se classes de eleitorado tradicional, foi erguido um muro de incomunicabilidade entre o partido e muitas das pessoas.

Perderam-se referências importantes no mundo autárquico numa ligação que constava dos fundamentos da ação política do partido.

Não se conseguiu um discurso mobilizador nem se descobriu a capacidade de inventar uma saída e refazer a iniciativa.

As coisas corriam assim, porque corriam assim.

Ora, é este panorama que o novo líder do PSD recebe.

Está, portanto, encostado às cordas como qualquer um estaria nesta situação.

Logo, o que o espera são os  doze trabalhos de Hércules, na versão clássica, ou os de Astérix, na versão da banda desenhada.

Num e noutro caso convenhamos que era mais fácil pelos poderes que um e outro dos protagonistas detinham.

Rui Rio tem de conquistar o partido por dentro, tem de o mobilizar, tem de o unir, tem de o preparar para as batalhas a travar.

É o primeiro dos trabalhos.

Como o deve fazer? Com o fim do equívoco do PSD ou com a manutenção da pulsão liberal que o atravessou?

É o segundo passo.

O seu discurso de encerramento foi claro. Há muito se não ouvia prosa tão clara.

É na social democracia que nos encontramos.

O terceiro trabalho é definir a natureza da função útil do PSD. Serve para governar, governa para servir e é capaz de pensar além desse esquema rígido. Pensa no País. Portanto quer diálogo e compromisso.

O seguinte é saber situar-se, hoje, entre o que diz a sociedade e o que dizem os partidos. É saber falar e ser entendido.

O quarto trabalho é colocar-se no vértice do espetro, é ser origem da convergência.

O outro é ser claro no dizer ao que vem, identificar o  necessário.

O quinto é lançar as bases da reforma sem que as suas posições sejam diktat, mas ocupem o meridiano da inteligência.

O sexto é recuperar quem o abandonou, fazer tábua rasa dos excessos, ser o equilíbrio e a ponte entre gerações, ser justo.

E, em novo ponto, oferecer a base para o entendimento entre trabalho e capital e os trazer à mesa da repartição equitativa.

O sétimo será alterar de vez esta sofrida regra de divisão entre o país onde se vive e o país onde se morre. Que há de continuar-se num novo entendimento entre o peso do voto do isolamento e  o da concentração.

O oitavo é a essência do Estado desmistificada. O Estado protetor, o Estado promotor da equidade, o Estado que não esquece nem domina.

E, logo a seguir, o Estado que está, em toda a parte, que não foge, que não desaparece, que não falta. O Estado simples.

O nono trabalho é fazer da União Europeia um espaço entre iguais e assegurar o compromisso no ideal comum.

Para, em décimo degrau, reafirmar o empenhamento do país solidário e aberto, sofrendo com os que mais sofrem e oferecendo o pouco que tem.

Então e sendo assim, demonstrar que está capaz de resistir ao compadrio, aos interesses, às chantagens.

E, num décimo segundo trabalho, estar pronto a ser o governo seguro e forte e aberto para o país que o escolher.

Nem Hércules, nem Astérix. Apenas Rio.

 

Carlos Encarnação