Alguns anos de austeridade e outros tantos de inanição provocaram, no PSD, um desgaste profundíssimo.
Foram-se votantes, afastaram-se classes de eleitorado tradicional, foi erguido um muro de incomunicabilidade entre o partido e muitas das pessoas.
Perderam-se referências importantes no mundo autárquico numa ligação que constava dos fundamentos da ação política do partido.
Não se conseguiu um discurso mobilizador nem se descobriu a capacidade de inventar uma saída e refazer a iniciativa.
As coisas corriam assim, porque corriam assim.
Ora, é este panorama que o novo líder do PSD recebe.
Está, portanto, encostado às cordas como qualquer um estaria nesta situação.
Logo, o que o espera são os doze trabalhos de Hércules, na versão clássica, ou os de Astérix, na versão da banda desenhada.
Num e noutro caso convenhamos que era mais fácil pelos poderes que um e outro dos protagonistas detinham.
Rui Rio tem de conquistar o partido por dentro, tem de o mobilizar, tem de o unir, tem de o preparar para as batalhas a travar.
É o primeiro dos trabalhos.
Como o deve fazer? Com o fim do equívoco do PSD ou com a manutenção da pulsão liberal que o atravessou?
É o segundo passo.
O seu discurso de encerramento foi claro. Há muito se não ouvia prosa tão clara.
É na social democracia que nos encontramos.
O terceiro trabalho é definir a natureza da função útil do PSD. Serve para governar, governa para servir e é capaz de pensar além desse esquema rígido. Pensa no País. Portanto quer diálogo e compromisso.
O seguinte é saber situar-se, hoje, entre o que diz a sociedade e o que dizem os partidos. É saber falar e ser entendido.
O quarto trabalho é colocar-se no vértice do espetro, é ser origem da convergência.
O outro é ser claro no dizer ao que vem, identificar o necessário.
O quinto é lançar as bases da reforma sem que as suas posições sejam diktat, mas ocupem o meridiano da inteligência.
O sexto é recuperar quem o abandonou, fazer tábua rasa dos excessos, ser o equilíbrio e a ponte entre gerações, ser justo.
E, em novo ponto, oferecer a base para o entendimento entre trabalho e capital e os trazer à mesa da repartição equitativa.
O sétimo será alterar de vez esta sofrida regra de divisão entre o país onde se vive e o país onde se morre. Que há de continuar-se num novo entendimento entre o peso do voto do isolamento e o da concentração.
O oitavo é a essência do Estado desmistificada. O Estado protetor, o Estado promotor da equidade, o Estado que não esquece nem domina.
E, logo a seguir, o Estado que está, em toda a parte, que não foge, que não desaparece, que não falta. O Estado simples.
O nono trabalho é fazer da União Europeia um espaço entre iguais e assegurar o compromisso no ideal comum.
Para, em décimo degrau, reafirmar o empenhamento do país solidário e aberto, sofrendo com os que mais sofrem e oferecendo o pouco que tem.
Então e sendo assim, demonstrar que está capaz de resistir ao compadrio, aos interesses, às chantagens.
E, num décimo segundo trabalho, estar pronto a ser o governo seguro e forte e aberto para o país que o escolher.
Nem Hércules, nem Astérix. Apenas Rio.
Carlos Encarnação