Xi Jinping passou os primeiros cinco anos da sua presidência a angariar poder, eliminar a oposição interna no Partido Comunista Chinês e a propagar a imagem do líder humilde e visionário que deu a volta aos destinos de uma família na lista negra, reforçou a disciplina ideológica comunista e afirmou a China no mundo sem a timidez dos seus antecessores. O trabalho ficou bem feito. Aos olhos dos chineses, Xi é ao mesmo tempo um líder forte, enigmático e acarinhado. O seu poder rivaliza mesmo com o de Mao Tsé-Tung, o homem que purgou o seu pai. Mao governou 33 anos. Agora, também Xi o poderá fazer.
O Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC) quer o fim do limite de dois mandatos consecutivos para o presidente e vice-presidente. A cúpula do partido decidiu-o no mês passado, mas a notícia só este domingo foi divulgada pela agência estatal Xinhua. Trata-se da mais importante mudança política na China desde pelo menos a década de 1980, quando Deng Xiaoping criou a doutrina de “um país, dois sistemas”, evitando a desintegração e até uma guerra civil. A mudança na Constituição, que será aprovada pelas centenas de delegados do PCC numa cerimónia de desfecho antecipado, é também a prova da habilitade política de “Papa” Xi, como costuma ser chamado.
Nem Vladimir Putin foi capaz de eliminar a barreira dos dois mandatos consecutivos na Rússia, o que o forçou a passar quatro anos como primeiro-ministro do fantoche e presidente Dmitry Medvedev. Que Xi tenha sido capaz de o fazer num país onde ainda paira o espetro da morte causada por um líder indisposto a abandonar o trono, como aconteceu com Mao Tsé-Tung, diz muito. A perceção internacional de que o líder chinês se prepara para monopolizar o poder já não é uma abstração, como explica ao “New York Times” a politóloga Jude Blanchette. “É a mais clara confirmação até ao momento de que Xi Jinping pensa ficar no poder por muito mais tempo do que pensávamos”, diz.
Poucos se arriscam a prever quanto mais tempo Xi Jinping ficará na presidência chinesa. Xi tem 64 anos e acaba de iniciar o seu segundo mandato de cinco anos. Há quem defenda que Xi pode nem procurar a longevidade e que a mudança na Constituição está concebida apenas para lhe dar mais margem de manobra nestes cinco anos, evitando o decréscimo de poder inevitável dos últimos momentos do último mandato. No entanto, Xi Jinping certificou-se em outubro de que não há sucessores prováveis nos círculos íntimos do poder chinês. O Congresso do fim do último ano nomeou para o chamado comité permanente – onde se encontram as sete figuras mais poderosas do país – políticos já amadurecidos, sensivelmente da mesma idade de Xi Jinping, incapazes de mobilizar o partido ou a imaginação popular.
Ninguém ignorou os sinais. Assim que chegou ao poder, Xi iniciou uma campanha draconiana de combate à corrupção que resultou em acusações a 100 mil funcionários e à volta de 120 figuras centrais do partido. O combate à corrupção afastou a concorrência interna e ajudou Xi a popularizar-se junto a uma população altamente consciente dos abusos da classe política. O presidente dissolveu também os quatro poderes da força militar chinesa – pessoal, logística, política e armamento – em 15 agências que, por si, pouco poder têm para confrontar o líder. E se as alavancas do poder institucional estão bem seguras, as da estima popular também. “Gratos pela estabilidade e prosperidade que lhe atribuem, ninguém parece importar-se com a ideia de um novo culto de personalidade”, escreve Cindy Yu na revista “The Spectator”.